Um peso, duas medidas.

Por Gisele Barbieri Radioagência NP A cidade de Brasília vive hoje uma contradição no que se refere à sua ocupação territorial. Tanto a população pobre como as classes média e alta têm construído moradias em áreas irregulares, que originalmente pertencem à União ou ao Distrito Federal. Só que na hora de fazer cumprir a lei, é a população de baixa renda a primeira, ou talvez, a única que sofre as conseqüências.

Por Gisele Barbieri
Radioagência NP

A cidade de Brasília vive hoje uma contradição no que se refere à sua ocupação territorial. Tanto a população pobre como as classes média e alta têm construído moradias em áreas irregulares, que originalmente pertencem à União ou ao Distrito Federal. Só que na hora de fazer cumprir a lei, é a população de baixa renda a primeira, ou talvez, a única que sofre as conseqüências.

Recentemente, o governo de Roberto Arruda (PFL) criou uma força-tarefa que já realizou os primeiros despejos. Foram destruídos em torno de 500 barracos em duas áreas consideradas de risco. Mas o governador promete acabar também com as ocupações em áreas do Plano Piloto, como é chamada a região planejada da capital federal.

Muitas destas áreas irregulares no Plano abrigam também condomínios de luxo. Até hoje nenhum governo do Distrito Federal conseguiu enfrentar essa situação de grilagem de terra que envolve a população de média e alta renda e ganha, inclusive, caráter de crime organizado.

Para o professor Jorge Madeira Nogueira, coordenador do Centro de Ordenamento Territorial da Universidade de Brasília (UnB) o combate à grilagem de terra, em Brasília, deve enfrentar condomínios de luxo. Leia abaixo a entrevista.

Professor, quais as causas destas ocupações irregulares no Distrito Federal?

Nas áreas irregulares há duas situações muito distintas: uma é do pobre que ocupa esses terrenos dizendo “eu não tenho para onde ir então vou ficar por aqui mesmo”; outra situação é a da classe média que quer ocupar certos imóveis no Plano Piloto. O custo de aluguel é elevado e esta classe média não consegue pagar. Então, resolve entrar num processo de comprar ou participar de irregularidades. Quero ver esta força-tarefa do governador resolver o problema dos dois lados. Mandar passar trator em cima de casa de pobre é muito fácil. Quero ver mandar passar trator em cima de casa da classe média. Se não for feito dos dois lados, se não se chegar a alguma solução, em minha opinião é covardia. Nestas áreas existem pessoas que são miseráveis, mais ou menos miseráveis e inclusive professores da Universidade de Brasília, que residem em condomínios totalmente irregulares.

Mas existe uma diferença de infra-estrutura nestes dois tipos de situação?

Quando alguém não cumpre a lei, esta pessoa é um criminoso. O que os governos no Distrito Federal fizeram, foi deixar claro que existe diferença entre criminosos. Então certos criminosos que desrespeitam a lei, eles deram água, luz e saneamento. Outros criminosos, que também não cumprem a lei, eles não deram absolutamente nada, porque eles não podem pagar. É mais ou menos isso que tem acontecido no Distrito Federal. De uma forma ou de outra o Estado compactuou com estes criminosos, inclusive cobrando IPTU. Agora, os outros vão ser sempre os invasores.

Porque esta periferia de Brasília não é reconhecida?

Janeiro, Recife e Salvador. Estas cidades têm em comum que em nenhuma delas você conseguiu separar, geograficamente, os pobres dos ricos. Então você tem sempre o conflito da desigualdade da pobreza, da miséria da opulência. Brasília conseguiu ser construída de forma segregada, talvez seja a mais segregacionista das cidades do mundo hoje. Você aqui tem a maravilha do Plano Piloto, e você joga para as cidades cada vez mais distantes deste Plano Piloto a violência, a miséria, a falta de oportunidades e assim sucessivamente.

O déficit habitacional do DF está em torno de 80 mil. O senhor considera isto uma falta de investimentos em moradia?

Este déficit habitacional de 80 mil eu gostaria que fosse detalhado, porque se você separar por faixa de renda, você vai ter uma fantástica surpresa. O déficit habitacional está situado na faixa de renda de pessoas que nunca vão poder pagar um imóvel, seja ele de que tamanho for dentro do Plano Piloto de Brasília. Se ficarmos falando só o número de 80 mil nós estamos dizendo que os empreendedores da construção civil no Distrito Federal precisam rapidamente construir lindos edifícios para sanar o déficit habitacional. Eu quero ver construir imóveis para aquelas pessoas que podem efetivamente pagar pelos imóveis que estão sendo construídos.