CARTA AO PRESIDENTE LULA

CARTA AO PRESIDENTE LULA

Exmo.sr.
Luiz Inácio Lula da Silva
M.D. Presidente da República
Palácio do Planalto.
Brasília.

Excelentíssimo Senhor Presidente,

Alegra-nos em poder vir a sua presença, para apresentar-lhe pessoalmente diversas sugestões de medidas concretas que seu governo deveria tomar, caso tenha a decisão política de implementar uma verdadeira reforma agrária em nosso pais. Reforma agrária entendida pelo nosso movimento e por toda sociedade brasileira, como uma política governamental, que venha de fato democratizar a propriedade da terra, permitindo que os milhões de trabalhadores rurais, historicamente excluídos de todo processo de desenvolvimento social, possam deixar de ser explorados e construir o futuro de suas famílias trabalhando para si. Entendida também, como uma medida de distribuição de renda, que permita incluir no mercado consumidor a milhões de pessoas, marginalizadas e assim estimulando também o emprego na cidade, no campo e o desenvolvimento do mercado interno. Reforma agrária é também a garantia pelo estado do acesso a educação, em todos os níveis, bem como o fomento da utilização de técnicas agrícolas agro-ecológicas, sustentáveis, que respeitem o meio ambiente e produzam alimentos saudáveis.

Para isso, apresentamos as seguintes propostas que podem ser implementadas por seu governo.

I- EM RELAÇÃO AO ACESSO À TERRA:

1. Que se atualize o atual Plano nacional de reforma agrária e que se construa mecanismos realistas, para implementar um programa massivo de reforma agrária para beneficiar um milhão de famílias de trabalhadores sem terra.

2. Que haja um verdadeiro mutirão de esforços governamentais para arrecadar e desapropriar todas as terras necessárias para assentar imediatamente todas as famílias que estão acampadas, a maioria vivendo em condições sub-humanas há diversos anos.

3. Que se priorize programas regionais de desapropriação, concentrando a obtenção das áreas em determinadas regiões por estado, próximas de centros consumidores, criando áreas reformadas regionais de agricultura camponesa.

4. Que se desaproprie todas as fazendas de empresas estrangeiras situadas em áreas de fronteira, conforme determina a lei.

5. Que o governo mobilize sua base parlamentar para aprovar imediatamente a lei de expropriação das fazendas com trabalho escravo.

6. Que se atualize os índices de produtividade e que se mude as normas internas para acelerar os processos de desapropriação e se aplique os ritos sumários, conforme diversas recomendações constantes no II PNRA e nas consultorias de especialistas.

7. Destinar imediatamente para a reforma agrária todas as fazendas hipotecadas em bancos públicos ou envolvidas com dividas de impostos e direitos trabalhistas.

8. Que se remova todo entulho de legislação autoritária e burocrática, que dão margem a pendengas judiciárias, que impedem a reforma agrária.

9. Que se faça um plano de emergência, articulado com a secretaria de direitos humanos e a Ouvidoria Agrária, para que o governo federal atue junto ao poder judiciário e policias estaduais, com o objetivo de punir todos os casos de violência no campo, que assassinaram centenas de trabalhadores rurais, sendo que a maioria dos casos ainda continuam impunes e os processos parados.

II- PROPOSTAS PARA OS ASSENTAMENTOS:

1. Precisamos de um novo modelo de assentamentos que amplie o número de famílias assentadas numa mesma área, independente do tamanho da área individual, que sejam massivos, organizados próximos das cidades, em terras férteis, combinados com agrovilas e agroindústrias, garantindo outros tipos de trabalho e renda para as mulheres e jovens.

2. Precisamos de um programa permanente, com medidas concretas de estímulo à cooperação agrícola por parte dos organismos governamentais.

3. Um programa de instalação de agroindústrias nos assentamentos com investimento público, coordenado pela CONAB, e cedido à cooperativas de assentados para sua gestão. Com isso aumentaríamos o valor agregado dos produtos e melhoraria a renda dos agricultores.

4. Precisamos de uma nova modalidade de credito rural especial para a reforma agrária. O Pronaf na atual modalidade não consegue alcançar os assentados, e apenas uma minoria teve acesso. (vide proposta anexa detalhada)

5. Precisamos que a CONAB seja reforçada como uma empresa pública que garanta a compra de todos os produtos alimentícios produzidos nos assentamentos e áreas de agricultura familiar.

6. Realização de um amplo programa de moradias nos assentamentos, estabelecendo um convênio entre Caixa econômica Federal e o INCRA, para garantir a construção de todas as casas ainda pendentes de assentamentos antigos, que somam mais de cem mil. E, garantir os recursos também para os assentamentos de cada ano. Que se inclua nesse programa a construção de benfeitorias de estrutura social, como cirandas infantis, quadras esportivas, casas comunitárias, lavanderias e instalações coletivas que a comunidade necessitar.

7. Que se implemente um programa nacional de reflorestamento nos lotes de reforma agrária e pequenos agricultores, com áreas de até dois hectares por família/ano, com espécies nativas e frutíferas. Os governos estaduais e Incra poderiam entrar com as mudas e assistência técnica e o governo federal apoiaria com pagamento de mão-de-obra mensal, através de um cartão verde, na CEF, que poderia substituir inclusive programa de bolsa-família no meio rural, para que os que tiverem terra. E que, o pagamento seja preferencialmente para mulheres e jovens.

8. Que se implemente um programa especial de financiamento de instalação de agroindústrias, com recursos subsidiados dos bancos públicos.

9. Implementar um programa de indústrias de máquinas agrícolas e tratores destinadas a pequena agricultura e áreas de reforma agrária. A atual estrutura de indústria, baseada apenas em máquinas de grande porte não atende as necessidades da reforma agrária. Existem projetos industriais e propostas empresariais, mas falta o crédito rural destinado especificamente para isso, em condições de carência e subsidio necessário. Recomenda-se que se crie uma comissão tripartite (governo, empresas e entidades da reforma agrária) para apresentar as propostas das medidas necessárias.

III. EDUCAÇÃO NAS ÁREAS DE REFORMA AGRÁRIA:

1. Fortalecer e ampliar o PRONERA, como um programa prioritário, destinando os recursos necessários para a demanda existente de cursos que vem sendo apresentados anualmente pelos movimentos em parcerias com as Universidades e/ou outras Instituições de Educação. Hoje os recursos são limitados e há um grave problema de descontinuidade de repasse.

2. Fortalecer o espaço institucional da Educação do Campo no MEC, com ampliação de recursos, servidores e ações articuladas no conjunto das secretarias do Ministério e entre Ministérios afins.

3. Implementar uma campanha nacional de alfabetização de jovens e adultos no meio rural em parceria com entidades e Movimentos Sociais que atuam no campo. A meta é que no final do mandato o analfabetismo esteja zerado. – Ajustar o Programa Brasil Alfabetizado de modo que atenda a especificidade do campo e inclua a formação continuada dos educadores.

4. Implementar um programa de instalação de escolas técnicas de nível médio em todas as áreas de reforma agrária em que houver demanda. – Uma possibilidade imediata é a de incluir os Assentamentos como áreas prioritárias para a expansão da rede federal de escolas técnicas, especialmente para implantação de Unidades de Ensino Descentralizadas (UNED’s) de CEFET’s, conforme proposta entregue à SETEC/MEC pelo MST em novembro 2006.

5. Implementar um amplo programa de formação de técnicos em agroecologia, em todos os estados brasileiros.

6. Que o MEC articule uma forma (talvez interministerial com MDA e MCT) com as secretarias estaduais de educação para garantir a implantação de escolas públicas de educação básica de nível médio nas áreas de reforma agrária, incluindo construção de escolas nos assentamentos, melhoria da infra-estrutura e concurso público ou contratação de profissionais da educação específicos.

7. Somamos-nos a campanha nacional para incluir na legislação brasileira a obrigatoriedade do ensino médio, assumido como uma etapa da educação escolar básica e, portanto, com o estabelecimento de metas para sua universalização através de oferta pública e gratuita.

IV. MEDIDAS ADMINISTRATIVAS:

1. Defendemos a vinculação do Incra diretamente a Presidência da Republica.

2. Defendemos a realização imediata de concurso publico, para contratação de mais 3 mil servidores, como previu o decreto já publicado, que totalizava a necessidade de 4.500 servidores mas foram contratados apenas 1500.

3. Que se interligue junto ao Incra, a CONAB, como empresa de apoio a reforma agrária.

4. Que se crie um Instituto público, na forma administrativa mais rápida e adequada para cuidar da capacitação dos agricultores assentados, e implementação da assistência técnica e extensão rural, como um serviço publico, já que o modelo atual faliu.

Senhor Presidente, gostaríamos de nos manifestar também, como movimento social e representantes de uma parcela de nosso povo que vive no meio rural, a respeito de outros aspectos das políticas governamentais. Defendemos a necessidade de uma nova política econômica que priorize desenvolvimento com distribuição de renda. Distribuição de renda significa preservar os direitos da classe trabalhadora, valorizar os salários em geral e em especial o salário mínimo, distribuir terra e ter um programa massivo de geração de empregos para a juventude.

Defendemos a necessidade de uma política que democratize os meios de comunicação de massa, interrompendo a repressão do fechamento das rádios comunitárias, e o apoio governamental para sua viabilização e a implementação de uma rede pública de televisão aberta, em parceria com as entidades da sociedade civil.

Estamos insatisfeitos com a forma como vendo aplicada a Lei de Biosegurança, em que sempre se busca atender os interesses das empresas transnacionais que querem dominar nossa agricultura, com sementes transgênicas. Exigimos que o governo fiscalize o cumprimento da lei que obriga a rotulagem dos produtos que contem transgênicos e que estão sendo vendidos nos supermercados, sem nenhum controle e fiscalização.

Certos de vosso compromisso com as melhorias das condições de vida do povo trabalhador do campo, esperamos vossa determinação para que essas medidas sejam efetivamente implementadas.

Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

Brasília, 17 de abril de 2007.