Economia em crescimento mantém popularidade de Chávez

Gilberto Maringoni
especial de Caracas para Agência Carta Maior

É difícil medir os efeitos do caso RCTV na popularidade do presidente venezuelano Hugo Chávez. Os jornais caraquenhos deste fim de semana divulgam pesquisa do Instituto Datos com o seguinte resultado: 66,9% dos consultados discordam “do fechamento da RCTV”, contra 20,4% a favor e 12,2% indiferentes. Nem o El Nacional e nem o El Universal divulgaram a metodologia da sondagem.

Outro institudo, o Hinterlace, realizou uma pesquisa entre 11 e 17 de maio, aferindo que 70% da população estaria contra a medida. Um pouco antes, em 26 de abril, o Instituto Datanálises divulgara outra investigação, dando conta que a aprovação ao governo alcançava 64,7% e a confiança da população em Chávez atingia 53,4%. A taxa de aprovação chegava a ser superior à votação do presidente em dezembro de 2006, quando ele alcançou 62% dos votos. A imprensa agora especula que estes números devem sofrer queda expressiva. A ver.

A popularidade governamental leva em conta uma multiplicidade de fatores, que vão muito além da possibilidade de o público assistir a tal ou qual novela. Há uma exacerbação dos ânimos dois dois lados da contenda em Caracas, que deixa o cenário confuso.

A divisão dos meios

O governo conseguiu dividir os meios de comunicação. As TVs não atacam mais em bloco, como faziam até há dois anos. Tudo indica que Chávez fez um acordo com a rede mais poderosa, a de Gustavo Cisneros, pouco antes do referendo revogatório de agosto de 2004. O mega empresário teria percebido ser inútil bater de frente contra um governo que resistira a um golpe de Estado, a um locaute de 64 dias, a numerosas provocações e que estava prestes a sagrar-se vitorioso em mais uma consulta popular. Tudo o que Cisneros quer é não perder dinheiro, sem se importar com quem está no palácio de Miraflores. Resolveu aderir.

Do ponto de vista da lógica do poder, Chávez agiu com extrema habilidade. Fatiou um setor influente – os meios televisivos – e pode agora enfrentar cada emissora separadamente. Antigos aliados de Cisneros o detestam hoje em dia. Mas o resultado é que os ataques baixaram de tom.

Os principais jornais, por sua vez, seguem batendo em bloco. Denunciam um possível autoritarismo e transformam as passetas estudantis no principal fato político desses dias. Mas sua leitura é extremamente restrita em relação à audiência da televisão.

Do lado governamental, aparentemente, reina a improvisação. A não renovação de uma concessão é um direito democrático do poder público. Uma emissora que promove um golpe de Estado deveria estar fora do ar em qualquer país do mundo. É o que está ocorrendo na Venezuela.

Só para lembrar

Um parêntesis, para refrescar a memória: no Brasil isso não acontece. O livro “1964, a conquista do Estado”, de Renée Armand Dreyfuss, em seu capítulo 6, conta do envolvimento dos seguintes órgãos de imprensa nas articulações do golpe daqui: os Diários Associados (poderosa rede de jornais, rádio e televisão de Assis Chateaubriand, por intermédio de Edmundo Monteiro, seu diretor-geral e líder do IPES), a Folha de S. Paulo, o Estado de S. Paulo e o jornal O Globo, além da TV e da Rádio Globo. Vale a leitura. O golpe se consumou e todos estão aí, lépidos e fagueiros. Fecha parêntesis.

Improvisação governamental

A improvisação do governo venezuelano se dá em três níveis. O primeiro é não ter instaurado um processo administrativo contra a RCTV. Os debates numa dinâmica deste tipo seriam pedagógicos tanto na Venezuela quanto no exterior. Colocariam mais a nú o comportamento da emissora durante o golpe. O segundo é por não ter colocado uma programação de indiscutível qualidade na nova emissora, que ocupa o lugar de RCTV, a TVes. O que vai ao ar é para lá de tosco. A saída encontrada é transmitir com exclusividade os jogos da Copa América, que ocorrem dentro de poucos dias na Venezuela. E a terceira marca de improvisação mostra-se no trato que o governo vem dando às manifestações estudantis.

Sobre este último ponto, algumas palavras. As manifestações têm contado com 10 a 12 mil jovens cada uma. É um setor importante da classe média. Tudo bem que seja meio esquisito ver a rapaziada com camisetas da RCTV pelas ruas. Mas é igualmente inusitado achar que todos ali sejam “peões do Império”, como diz Chávez. A presença constante do presidente em vários canais de televisão, nas rádios e em imensos outdoors pela cidade completam um quadro que não parece o mais apropriado para o momento.

Paranóia

Há um clima de paranóia tanto na oposição quanto no governo. Para a primeira, o país viveria uma ditadura, algo despropositado para quem passa algum tempo por lá. Para o governo, tudo faria parte de um plano desestabilizador. Há um pouco de exagero, mas a ameaça, para quem enfrentou tantos ataques nos últimos oito anos, nunca pode ser desprezada.

Chávez deve vencer mais esta batalha. Até porque ela não se restringe ao terreno midiático. As pessoas percebem que o país está crescendo a taxas de 10% há mais de três anos e que há muito dinheiro entrando no país.

Quem esteve na Venezuela ao longo dos últimos cinco anos nota a prosperidade nas ruas: a frota de carros praticamente se renovou toda. De acordo com Rafael Puleo, presidente da Associação de Concessionários Hyundai da Venezuela, neste ano devem ser vendidos mais de 400 mil automóveis. Em 2006 foram comercializados 343.351 veículos. Entre janeiro e maio deste ano já foram vendidas 172.081 unidades, num recorde histórico. Em alguns casos, as listas de espera nas concessionárias chegam a três meses.

Há uma febre consumista no país, que alcança mesmo os setores populares. O petróleo a US$ 60 o barril explica muito dessa situação. As chamadas missões sociais do governo fecham a conta da popularidade oficial seguir em alta.

A não renovação da concessão da RCTV precisa ser vista neste contexto. Chávez não aparenta estar enfraquecido, ao contrário. Paga, sim, o preço por atacar pela primeira vez em oito anos, de forma clara, direta e inequívoca, os grandes interesses locais.