Pecém: a Cubatão do Século XXI?

Por João Alfredo Telles Melo*

Em meados de julho, noticia-se que um consórcio luso-brasileiro implantará, no complexo industrial do Pecém (no Ceará), uma usina termoelétrica, movida a carvão mineral. Recentemente, a utilização do carvão como combustível é apresentada como “solução” para o impasse entre a Petrobrás e a Ceará Steel, em função do preço do gás natural para alimentar a siderúrgica do Pecém.

Notícias que nos remetem aos anos 70, século passado. Época do milagre econômico, do crescimento socialmente injusto e ecologicamente irresponsável do regime militar, que, durante a conferência de meio ambiente, em Estocolmo, 1972, afirmava que nossa maior poluição era a fome e que as indústrias poluentes seriam bem vindas ao Brasil. É dessa era, o desastre ambiental de Cubatão/SP, com graves danos causados à saúde daquela população.

Ocorre que estamos no século XXI. Depois de Estocolmo, tivemos a Rio 92, a Convenção do Clima e o Protocolo de Kyoto. Neste ano, fomos todos impactados pela série de relatórios do Painel de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) que, eliminou qualquer incerteza sobre a responsabilidade pelo aquecimento global e a relação de causa e efeito entre a emissão de gás carbônico (CO2) proveniente das atividades industriais e o aumento da intensidade dos fenômenos climáticos perigosos dos últimos anos, como os furacões Katrina, nos EUA, e Catarina, no Brasil, o primeiro da região do Atlântico Sul.

Dentre os combustíveis fósseis emissores de gases do efeito-estufa, o mais poluente é o carvão mineral. É ele o responsável por 41% de todo o CO2 liberado pela queima de combustíveis, segundo “Tim Flannery (“Os Senhores do Clima”, Record). Quanto mais rico em carbono, mais perigo representa para o futuro da humanidade.

Para se ter uma idéia de quão deletério ele é, cada tonelada de carbono emite 3,7 toneladas de CO2. Afora todas as suas impurezas, como o enxofre e o mercúrio, poderosos poluidores. Denuncia Flannery: “A vida média de uma termoelétrica a carvão é de cinqüenta anos e o CO2 que elas produzem vai continuar a aquecer o planeta durante séculos depois que forem desligadas”.

O trágico é que se pretende construir essas duas indústrias no litoral do Ceará, avaliado como a região com maior potencial de geração de energia eólica do país, uma fonte limpa e renovável, que não tem tido nem apoio governamental nem mobilização política e social pela sua viabilização.

Além do que, estamos sujando nossa matriz energética, às vésperas da reunião de Bali, que vai discutir o pós-Kyoto e onde se cobra do nosso país – rico em biodiversidade e quarto maior contribuinte do efeito estufa pelas queimadas de florestas – uma posição de liderança, como a de 1992. Nesse sentido, não podemos aceitar a posição de lixo do planeta, tributária de uma visão de falso desenvolvimento que pensávamos estar superada. Nosso Estado, nosso meio ambiente e nosso povo não merecem isso.

*João Alfredo Telles Melo – Advogado, professor de Direito Ambiental e Consultor do Greenpeace