Número do desmatamento no Brasil é maior do que apontou Lula

Durante entrevista em sua viagem pela Europa este mês, o presidente Luis Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil possui 69% da cobertura florestal original. O número foi dito para contrapor o argumento dos países ricos de que é preciso conservar a Amazônia brasileira. Na opinião do presidente, tal número revelaria que “nós cuidamos muito mais do meio ambiente do que outros países”.

A declaração repercutiu no Brasil, até porque Lula voltou a anunciar o número em seu programa matinal no rádio “Café com o Presidente”, que vai ao ar todas as segundas-feiras. Segundo Lula, os europeus não teriam nada a ensinar aos brasileiros em matéria de desmatamento, já que eles só teriam conservado “0,6%” de suas florestas, enquanto o Brasil, teria preservado 69%. Para ambientalistas e especialistas no assunto, houve um grave equívoco quanto ao percentual de florestas preservadas no Brasil.

Estudo realizado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) mostra que mesmo áreas não desmatadas já sofrem com ação do homem; estradas e extração ilegal de madeira nem foram computadas. Um dos mapas mais detalhados já produzidos sobre o estado de conservação da Amazônia mostra que 47% da floresta já foi desmatada, ocupada ou alterada pelo homem.

O estudo, coordenado pelo Imazon, vai além das imagens de satélite usadas para os cálculos anuais de desmatamento, que mostram apenas a diferença entre áreas desmatadas (17%) e não desmatadas (83%). “Temos de sair dessa dicotomia; o quadro real da Amazônia é muito mais complexo”, disse ao o pesquisador Adalberto Veríssimo (Reportagem de O Estado de S. Paulo 29/03/2006). “Além dos 17% desmatados, há, no mínimo, mais 30% da floresta pressionada.” Apenas 53% dela permanece verdadeiramente intacta. O estudo foi realizado em combinação de imagens de satélite e mapeamento de indicadores de impacto ambiental, como áreas urbanas, agropecuária, assentamentos, mineração e áreas de fogo recorrente. “A floresta intacta vista do espaço é apenas uma camuflagem”, diz Veríssimo.

Leia o restante da matéria publicada em 29/03/2006:

(( “Por baixo da copa das árvores, muita coisa está acontecendo.” Dois indicadores de pressão ainda ficaram de fora: estradas ilegais e extração seletiva de madeira – ou seja, o corte de espécies selecionadas de alto valor, sem a remoção completa da floresta. Ambos são muito difíceis de serem detectados por imagens de satélite, mas deverão ser incluídos na próxima edição do relatório, em 2007. “A tendência é que essa estimativa de 47% aumente.

“Os pesquisadores esperam que as informações sejam usadas na elaboração de políticas públicas, identificando áreas onde a pressão humana ameaça a sobrevivência da floresta. “No final, é um mapa de vulnerabilidade”, afirma Paulo Barreto, primeiro autor do estudo. “Os números do desmatamento divulgados ano a ano são importantes, mas precisamos de ferramentas preditivas, para bloquear o processo antes.”

O estudo mostra que quase metade (48%) das áreas consideradas prioritárias para conservação da biodiversidade – e, portanto, para a criação de unidades de conservação – já está sob alguma forma de pressão. Os impactos mais significativos ocorrem ao longo de estradas e no entorno de áreas urbanas. Cerca de 80% da área total desmatada está a menos de 30 quilômetros de uma estrada oficial.

O relatório, divulgado na COP-8 foi feito em parceria com o Instituto de Recursos Mundiais (WRI), de Washington (EUA). ))

Em virtude da declaração do presidente Lula, o professor Elder de Paula, da Universidade Federal do Acre (UFA) foi consultado para falar dos indicadores. Segundo ele, em relação à Mata Atlântica e à cobertura do semi-árido e do cerrado, os números do desmatamento chegam a 90%, ou seja, hoje sobram apenas 10% do original da mata nativa.

Além do “pequeno” erro de cálculo, Lula ainda foi displicente ao sugerir a comparação entre o Brasil, país onde a exploração e o desmatamento tiveram início há 500 anos, e a Europa, onde a exploração o desmatamento remontam, segundo historiadores, há pelo menos, 8 mil anos atrás.