A marcha e a luta continuam

As três marchas que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) iniciaram no dia 11 de setembro no Rio Grande do Sul prosseguem, com o objetivo de chegar ao seu destino, na Fazenda Guerra, localizada no município de Coqueiros do Sul, no norte do Estado. Fazenda esta que possui nove mil hectares, ou seja, cerca de 30% do território da cidade, mas que emprega, formalmente dois trabalhadores e, informalmente, vinte pessoas.

O MST reivindica a desapropriação dessa terra, pois nela poderiam ser assentadas cerca de 500 famílias, gerando emprego para cerca de 1.500 pessoas. Atualmente, um decreto que autoriza a desapropriação está na Casa Civil, aguardando a assinatura do presidente Lula. Em entrevista, Cedenir de Oliveira, da coordenação estadual do MST fala sobre as marchas.

Cedenir falou também de como o movimento tem dialogado com o Governo Estadual, que não tem dado apoio às suas reivindicações, sobre como tem lidado com a polícia e sobre os planos para quando chegarem a Coqueiros do Sul. “A marcha quer dialogar com a sociedade, pressionar o Governo Federal para que faça a Reforma Agrária e desaproprie a Fazenda Guerra, e queremos chamar a atenção da população para a questão da monocultura do eucalipto aqui no Estado”, atentou.

Confira a entrevista publicada originalmente no Portal IHU On Line

Quais são as peculiaridades dessas três marchas?

Cedenir de Oliveira – O importante, dentre os objetivos que a marcha propõe, e que nós temos conseguido com muito êxito, é esse diálogo com a sociedade. Hoje, se afirma que a única alternativa para a agricultura é o agronegócio, que é um modelo de desenvolvimento – no qual não há pessoas – feito para os interesses do capital internacional. Nós soubemos que a agricultura familiar e a Reforma Agrária são as responsáveis pela produção de alimentos no País. Esse diálogo tem sido muito importante, e temos tido uma boa receptividade junto às comunidades de base, escolas e demais entidades. Nesse debate, falamos da importância que a Reforma Agrária possui para o desenvolvimento do Brasil.

Como está o diálogo do MST, a partir dessa marcha, com o Governo Federal e Estadual e com as lideranças políticas do Rio Grande do Sul?

Cedenir de Oliveira – Na última semana de setembro, nós fizemos uma grande jornada nacional de mobilização, onde concluímos que a Reforma Agrária está lenta, de que terras não têm sido disponibilizadas. Pautamos ainda a questão para o desenvolvimento dos assentamentos, a questão da agroindústria e ciência técnica. Sobre isso, temos, nesta semana, várias audiências para debater o conjunto da pauta do MST. O Governo Federal tem priorizado mais o agronegócio do que realmente a Reforma Agrária e, principalmente, não tem enfrentado o latifúndio aqui no Estado. Com o governo do Rio Grande do Sul, esse diálogo não existe, porque a governadora Yeda, desde que foi eleita, teve como medida administrativa terminar o GRA – Gabinete de Reforma Agrária. Com isso, a governadora não tem tido nenhuma política para os assentamentos. Fizemos uma audiência rápida com a governadora, apresentamos a pauta, e ela ficou de dar uma resposta, o que até agora não aconteceu. Então, a relação com o governo do Estado está muito complicada porque, historicamente, outros governos tiveram uma participação, apesar de pequena, no movimento.

A nossa conversa com as lideranças da classe trabalhadora junto à Central dos Movimentos Sociais tem tido muito êxito. Toda classe trabalhadora, durante as marchas, tem nos ajudado nas mobilizações. Os bancários participam denunciando a questão da privatização do Banrisul, sobre a questão dos melhores salários. Enfim, nosso diálogo tem sido feito, principalmente, com as lideranças dos trabalhadores.

Qual é a sua avaliação geral das atitudes da polícia em relação a esta marcha?

Cedenir de Oliveira – Historicamente, sabemos que a polícia tem um comportamento de representar os interesses do Estado. No momento em que o Estado está determinado a defender a propriedade privada, as grandes empresas utilizam a polícia para defender isso. Então, eu acho que nós, como trabalhadores, não temos nenhum problema com os trabalhadores da Brigada Militar e da área da segurança. No entanto, há um problema sério com o comando da segurança, tanto é que o Coronel Mendes tem tido uma posição muito autoritária, no sentido de que disse à Folha de S. Paulo que se as marchas não parassem pela lei parariam “na bala”. Isso não é um comportamento de uma autoridade responsável pela segurança. Desse modo, ele está tomando parte da classe dos latifundiários. Tanto é que em Bagé quando os fazendeiros começaram a apedrejar o ginásio onde estávamos instalados a Brigada Militar não tomou nenhuma providência.

E o que o MST pretende fazer quando as três marchas se encontrarem em Coqueiros do Sul?

Cedenir de Oliveira – Nós temos dito que essas três marchas vão a Coqueiros do Sul e tem a tarefa de pressionar o governo para que desaproprie a Fazenda Guerra, que ocupa quase 30% do território do município. Nossa vontade é de que quando as marchas chegarem a Coqueiros do Sul, o presidente Lula possa já ter assinado o decreto de desapropriação, porque ele se encontra no momento na Casa Civil esperando a assinatura do presidente. Essa é a nossa esperança: que o presidente assine o decreto até as marchas chegarem a Coqueiros do Sul. Assim, a fazenda já estará desapropriada e os trabalhadores poderão se instalar e começar a plantar.

E quando as marchas pretendem chegar a Coqueiros do Sul?

Cedenir de Oliveira – As famílias começaram essa marcha com uma disposição muito grande porque muitas delas estão há mais de cinco anos acampando e sem terras e, por isso, estão dispostas a ficar um bom tempo na estrada para poder fazer esse diálogo e chegar até Coqueiros do Sul, onde pretendem se instalar. Então, há a perspectiva de que possamos chegar lá até o final do mês, mas isso depende de como será o ritmo, pois há dias que chovem muito e há também vários outros fatores que podem alterar a data da chegada da marcha.

Onde estão as três marchas hoje?

Cedenir de Oliveira – Uma está em Ernestina, a segunda está em Júlio de Castilhos e a terceira em Condor.

A grande luta dessas marchas é contra a monocultura do eucalipto. O senhor pode contar mais sobre essas e as outras reivindicações da marcha?

Cedenir de Oliveira – A marcha quer dialogar com a sociedade, pressionar o Governo Federal para que faça a Reforma Agrária e desaproprie a Fazenda Guerra, e queremos chamar a atenção da população acerca da problemática da monocultura do eucalipto aqui no Estado. Há toda uma ação do capital internacional para se apropriar de muitas terras localizadas no Rio Grande do Sul, a fim de se produzir celulose e enviá-la aos países estrangeiros. Nós, ao longo dos anos do MST, acumulamos 300 mil hectares de terra que foram conquistados com a Reforma Agrária, e essas empresas irão, em pouco tempo, acumular mais de um milhão de hectares de terra aqui no Rio Grande do Sul. Essas empresas, além de denegrir o meio ambiente, concentrar terras, também estão impedindo que essas sejam destinadas à Reforma Agrária. Como, por exemplo, a Fazenda Southall: ou ela será destinada a assentamentos, ou será entregue à Votorantim para produzir eucalipto. Esse enfrentamento que estamos fazendo a essas empresas é em relação ao avanço da Reforma Agrária.

O que está sendo feito contra a Comarca de Carazinho, que proibiu a entrada da marcha na cidade?

Cedenir de Oliveira – Nós, até agora, do ponto de vista jurídico, não fizemos nenhum movimento. O que estamos fazendo é denunciar no noticiário. Quando o judiciário tem que se pronunciar em favor dos trabalhadores, é lento, como foi em relação à desapropriação da Fazenda Anonni, que fica na mesma região, quando levou dez anos para dar o despacho. Quando era o momento de dar o despacho da Fazenda Southall, foi contra. Então, o judiciário é lento quando julga em prol dos trabalhadores. Historicamente, o judiciário tem se comportado em defesa do latifúndio e da propriedade privada, e não em favor dos trabalhadores.