Conferência apresenta experiências para a soberania energética

Por Ana Carolina Caldas e Pedro Carrano,
de Curitiba (PR)

A produção e a utilização de energia renovável se tornou um dos maiores desafios do novo século. Novas alternativas já testadas podem apontar um caminho para os trabalhadores do campo. Como parte da Programação da I Conferência Nacional Popular sobre Agroenergia, foram apresentadas seis experiências práticas para a garantia da soberania energética. Após a apresentação, foram realizadas oficinas para aprofundamento das experiências relatadas.

A possibilidade de ampliar o direito do consumo de energia se tornou realidade em Erechim, no Rio Grande do Sul, devido à experiência da Cooperativa de Energia Elétrica (Creral). A formação da cooperativa se deu em 1969, pela necessidade dos agricultores levarem energia até lugares afastados. Sua história começa a partir da compra de energia das estatais.

Em 1995, com as privatizações do setor elétrico, os agricultores associados decidem que a Creral deveria investir mais na geração de energia usando Pequenas Usinas (PCH’s), pequenas Usinas. O objetivo era gerar energia com custo baixo, sem prejudicar o meio ambiente e sem realocar nenhuma família.

As cooperativas de eletrificação rural, assim como a Creral, estão tentando encontrar seu espaço dentro desse novo modelo energético, mas enfrentam grande resistência das empresas distribuidoras privadas e do governo. As cooperativas estão buscando mecanismos para fazer frente a essas circunstâncias e depender menos das grandes corporações, usando sua própria rede de distribuição, investindo dinheiro para produzir sua própria energia: eles estão também buscando articulação entre cooperativas.

Óleo vegetal

Outra alternativa que, além de proporcionar a soberania alimentar e energética, visa gerar renda e sustentabilidade aos pequenos agricultores organizados, é a experiência paranaense da Mini Usina Comunitária de Óleo Vegetal, em Palmeira, Paraná. É um projeto da Rede Paranaense de Assistência Social (Repas) desenvolvido em parceria com o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar). Outros órgãos também participam como, o Instituto Cristão de Desenvolvimento (ICD), os Centros de Referência Social, o Departamento de Estudos Sócio-Econômicos Rurais (Deser) e Amas. O projeto conta com o apoio do governo do Paraná e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

De acordo com o pastor Werner Fuchs, da Repas, “o sistema permite a extração de vegetal a frio – máximo 55 graus de temperatura – mantendo as propriedades do grão e a baixo custo.” A pequena planta industrial permite regulagem para cada tipo de grão. Uma mini-usina com capacidade de processar 50 quilos de grãos por hora extrai cerca de 7,5 litros de óleo de soja, 20 litros de óleo de girassol ou de amendoim e 25 litros de óleo de mamona.

Fucks comenta que este sistema serve apenas aos pequenos agricultores, isto porque a extração de óleo a frio funciona apenas com pequenas prensas, por esta razão transnacionais do setor de agroindustrial, como Bünge e Cargill, não adotam tal projeto. Também lembra que esta é uma experiência que tem êxito na Alemanha que atualmente possui grandes redes integradas de mini-usinas. Ao todo, na Europa, 60 mil veículos atualmente são movidos a partir do óleo vegetal. “Este é o nosso sonho, formar redes no Brasil”, disse Fuchs.

Controle dos camponeses

A partir da integração entre alimento, meio ambiente e energia, a Cooperativa Mista de Produção, Agroindustrialização e Comercialização em Combustíveis (Cooperbio), desenvolve desde 2005 um projeto de auto-desenvolvimento pelos agricultores. Romário Rosseto, presidente da Cooperativa e integrante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) apresentou a experiência e afirmou que “o futuro da soberania alimentar e energética é o óleo vegetal”.

A Cooperbio foi criada com o objetivo de atuar no mercado de combustíveis alternativos e, como matéria-prima para produção de biodiesel e de óleo vegetal, são utilizadas oleaginosas como o girassol, mamona, colza, nabo forrageiro, soja, entre outras. “Além de serem naturais e os seus plantios não degradarem o meio ambiente, pois não são monoculturas e estão livres de agrotóxicos, eles fornecem mais óleo do que a soja. Do esmagamento da oleaginosa se obtém apenas 18% de óleo, enquanto que da mamona, por exemplo, se obtém mais de 50%,” explicou Rosseto.

Outro diferencial da Cooperbio é que o projeto consiste em produzir energia e alimento, fazendo com o agricultor participe de toda a cadeia produtiva e da venda. A cooperativa também detém produção própria da energia elétrica, realizada de modo sustentável. O controle da distribuição e da matriz vegetal completam a cadeia produtiva.

Rosseto explica que a tarefa da Cooperbio é “padronizar” o álcool produzido pelas diversas comunidades de associados. O mesmo processo é feito com os óleos vegetais. A partir daí, segundo ele, a produção serve em primeiro lugar ao sustento das famílias. O excedente é levado ao mercado para comercialização. No caso do biodiesel, a Cooperbio possui uma parceria com a Petrobrás, para a padronização do combustível.

Como exemplo da produção auto-sustentável, ele cita o caso da produção de girassol, cujas cascas de semente podem ser usadas para alimentar o gado. Por sua vez, o gado oferece adubo para o cultivo das oleaginosas.

“Nós estamos trabalhando aqui a idéia de energia e alimentos. No caso, do álcool e biodiesel. Trabalhar, inclusive, o álcool com a produção de leite. Por exemplo, você pode tratar o bagaço da cana, aumentando a produtividade do leite. Então perfeitamente dá para trabalhar a produção de energia com alimento.” disse.

Tomas Fendel, da Bioenerrede, apresentou sua experiência – o motor de carro movido a óleo vegetal, inspirado no invento do alemão Ludwig Elsbett. Afirmou que a Alemanha é o exemplo em energias renováveis. “Na Alemanha existem mais de vinte mil carros andando a óleo vegetal, locomotivas andando a óleo vegetal”, disse. Para justificar o uso de óleo vegetal, explicou que o mesmo “possui propriedades lubrificantes e com seu uso correto aumenta ainda mais a vida útil dos motores diesel e de seus componentes.”

A utilização dos óleos vegetais como combustível trariam, na opinião de Fendel, benefícios como: Independência energética, seqüestro de carbono, emprego, desenvolvimento, biofertilizantes, sustentabilidade, a volta do homem ao campo, dignidade política, exportações de bioenergias preferencialmente a preços justos, etc.

Experiência Negativa

Em meio aos relatos de êxito, Judson Barros, do NEAB apresentou como experiência negativa o Projeto Brasil Ecodiesel, implementado na área da Fazenda Santa Clara, no Piauí. Com o objetivo de produzir mamona para extração de óleo, numa parceira entre os governos estadual e federal, o projeto atualmente apresenta graves problemas.

Cerca de 700 famílias de pequenos agricultores foram levadas para a área destinada, que fica afastada 60 km da região central da cidade, com a promessa de auto-desenvolvimento “As famílias foram levadas para o alto da serra, ficando afastadas e ali começou a grande catástrofe das suas vidas, mas elas nem sabiam”, relata Judson.

O objetivo do projeto era que as famílias plantassem, colhessem e depois iniciassem processo de esmagamento da mamona para a extração óleo. Judson afirma que “o quadro atual da Fazenda é que pouco se produz mamona. Tem se produzido carvão por lá. Além disso, no processo de esmagamento do pouco de mamona que se colheu, muitos agricultores tiveram problemas de envenenamento pela falta de assistência no local.” Outro fato negativo da experiência foi o contrato precário de trabalho feito com os trabalhadores que hoje por família recebem o valor de R$ 150.

Judson acusa a política das transnacionais na região. Segundo ele, uma corporação como a Bünge possui isenção fiscal, e o Estado não recolhe o ICMS, deixando de arrecadar R$ 200 milhões por ano com essa situação. Ao mesmo tempo, a região é marcada pelo avanço do monocultivo da soja, grilagem de terras e perseguição contra os movimentos populares. O lucro estimado da Bünge para os próximos anos será de R$ 10 bilhões.