Dom Cappio encerra jejum, mas luta contra transposição continua

Depois de 24 dias, frei Luiz Cappio encerrou ontem, dia 20, a greve de fome contra o projeto de transposição do Rio São Francisco. Cappio passou mal na última quarta, quando foi internado. Na carta do fim do jejum ele diz que “uma de nossas grandes alegrias neste período foi ter visto o povo se levantando e reacendendo em seu coração a consciência da força da união”.

O anúncio do fim do jejum foi feito ontem, durante celebração da missa na Capela São Francisco, em Sobradinho (BA), local em que permaneceu em jejum. Na carta (leia abaixo), frei Cappio afirma que vai continuar a luta em defesa do São Francisco e contra o projeto de transposição.

Na quarta-feira, dia 19, o bispo foi internado na UTI do Hospital Memorial de Petrolina, após desmaiar. Na quinta, ele deixou a unidade e foi para um apartamento. Desde que iniciou do jejum, em 27 de novembro, até a última segunda-feira, dia 17, o bispo já tinha perdido oito quilos. Antes de desmaiar, em vez de soro, Dom Cappio vinha ingerindo apenas água.

Esta é a segunda vez que o bispo faz greve de fome contra a transposição. Em outubro de 2005, ele permaneceu 11 dias sem se alimentar em protesto contra o projeto. Na ocasião, o governo Lula havia se comprometido a abrir o diálogo sobre alternativas ao projeto de transposição, o que não foi cumprido.

Sobradinho, 20 de dezembro de 2007

Advento do Senhor

Aos meus irmãos e irmãs do São Francisco, do Nordeste e do Brasil
Paz e Bem!

“Fortalecei as mãos enfraquecidas e firmai os joelhos debilitados. Dizei às pessoas deprimidas: ‘Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus: é Ele que vem para nos salvar’. Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos”. (Isaías 35, 3-6)

No dia de ontem completei 36 anos de sacerdócio – 36 anos a serviço dos favelados de Petrópolis (RJ), dos trabalhadores da periferia de São Paulo e do povo dos sertões sem-fim do nordeste brasileiro. Ontem, vimos com desalento os poderosos festejarem a demonstração de subserviência do Judiciário. Ontem, quando minhas forças faltaram, recebi o socorro dos que me acompanham nesses longos e sofridos dias.

Mas nossa luta continua e está firmada no fundamento que a tudo sustenta: a fé no Deus da vida e na ação organizada dos pobres. Nossa luta maior é garantir a vida do rio São Francisco e de seu povo, garantir acesso à água e ao verdadeiro desenvolvimento para o conjunto das populações de todo o semi-árido, não só uma parte dele. Isso vale uma vida e sou feliz por me dedicar a esta causa, como parte de minha entrega ao Deus da Vida, à Água Viva que é Jesus e que se dá àqueles que vivem massacrados pelas estruturas que geram a opressão e a morte.

Uma de nossas grandes alegrias neste período foi ter visto o povo se levantando e reacendendo em seu coração a consciência da força da união, crianças e jovens cantando cantos de esperança e gritos de ordem com braços erguidos e olhos mirando o futuro que almejamos para o nosso Brasil querido. Um futuro onde todos, todos sem exceção de ninguém, tenham pão para comer, água para beber, terra para trabalhar, dignidade e cidadania.

Recebi com amor e respeito a solidariedade de cada um, próximo ou distante. Recebi com alegria a solidariedade de meus irmãos bispos, padres e pastores, que manifestaram de forma tão fraterna a sua compreensão sobre a gravidade do momento que vivemos. Através do seu posicionamento corajoso, a CNBB nos devolveu a esperança de vê-la voltar a ser o que sempre foi em seus tempos áureos: fiel a Jesus e seu Evangelho, uma instituição voltada às grandes causas do Brasil e do seu povo e com uma postura clara e determinada na defesa da dignidade da pessoa humana e de seus direitos inalienáveis, principalmente se posicionando do lado dos pobres e marginalizados desse país.

Ouvi com profundo respeito o apelo de meus familiares, amigos e das irmãs e irmãos de luta que me acompanham e que sempre me quiseram vivo e lutando pela vida. Lutando contra a destruição de nossa biodiversidade, de nossos rios, de nossa gente e contra a arrogância dos que querem transformar tudo em mercadoria e moeda de troca. Neste grande mutirão formado a partir de Sobradinho, vivemos um momento ímpar de intensa comunhão e exercício de solidariedade.

Depois desses 24 dias encerro meu jejum, mas não a minha luta que é também de vocês, que é nossa. Precisamos ampliar o debate, espalhar a informação verdadeira, fazer crescer nossa mobilização. Até derrotarmos este projeto de morte e conquistarmos o verdadeiro desenvolvimento para o semi-árido e o São Francisco. É por vocês, que lutaram comigo e trilham o mesmo caminho que eu encerro meu jejum. Sei que conto com vocês e vocês contam comigo para continuarmos nossa batalha para que “todos tenham vida e tenham vida em abundância”.

Dom Luiz Flavio Cappio