UFRJ recebe MST para Aula Magna

Do Olhar Virtual
Por Aline Durães

“O MST já se sente em casa nessa universidade”. Foi com essa frase que João Pedro Stédile, economista, ativista social e atual dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), demonstrou a satisfação diante do convite do reitor Aloísio Teixeira para proferir a Aula Magna 2008. O evento, realizado nesta quarta-feira (19), no auditório Roxinho (CCMN), problematizou o tema Terra, saberes e democracia.

Por mais de duas horas, Stédile traçou um histórico da relação do homem brasileiro com a terra e contextualizou as lutas por uma melhor distribuição dos imóveis rurais no país. Para comentar o período pré-colonial, o economista recorreu ao livro O povo brasileiro, no qual Darcy Ribeiro explicita que, na visão do índio, a terra era um bem da natureza pertencente a todos. O modo de produção dos nativos era o comunismo primitivo, organizado de tal forma que sequer o conceito de propriedade coletiva existia.

Com a vinda dos portugueses, explica didaticamente Stédile, chega também o Capitalismo comercial que, além de ter destruído as formas naturais da economia nativa, transformou a terra em monopólio da Coroa Portuguesa. O Capitalismo não dividiu as terras. Ele apenas implantou a concessão de uso, e a Coroa passou a ceder porções do território aos portugueses que detinham capital suficiente para investir no cultivo. Instaurou-se então o sistema de plantation, pautado na produção voltada ao mercado externo de uma monocultura cultivada em latifúndios e com a utilização de mão-de-obra escrava, observou.

A partir da implantação da Lei 601/1850, que instituía a terra como uma propriedade privada, e principalmente depois da abolição da escravatura, inicia-se no Brasil uma política de incentivo à imigração que não só trouxe para o país mais de um milhão de imigrantes em um período de trinta anos, como também propiciou o nascimento de uma classe inexistente até então: os camponeses.

Na contramão da maior parte das nações desenvolvidas, que, com o advento do Capitalismo industrial, promoveu reformas agrárias para aumentar o poder de compra do campesinato e aquecer a economia capitalista, as elites brasileiras mantiveram o controle das terras em suas mãos.

Em 1961, Celso Furtado, ministro do Planejamento da época, elegeu a reforma agrária como a saída para a crise do Capitalismo industrial brasileiro. Isso impulsionou o então presidente João Goulart a fazer a lei de reforma agrária que é, até os dias atuais, a legislação mais radical no que tange à terra, conta João Pedro Stédile, ressaltando que essa lei foi um das medidas que impulsionaram como contra-resposta a articulação do golpe militar de 1964.

O controle da terra em tempos de Neoliberalismo

A partir da década de 1990, pontua Stédile, a economia brasileira passa a ser subordinada ao capitalismo financeiro internacional, o que causa significativos impactos sobre o campo. Segundo o economista, as empresas transnacionais controlam, gradativamente, o mercado brasileiro de produtos agrícolas: Essas empresas oligopólicas realizam acordos com os proprietários de terra.

Nesses tratos, eles fornecem a terra para cultivo, enquanto elas fornecem as sementes, os insumos agrícolas e as máquinas. Isso é o que a imprensa chama de agronegócio: um casamento diabólico onde não existe espaço para o camponês e onde a responsabilidade ambiental não é, de forma alguma, prioridade, alerta.

Por conta disso, as multinacionais são, na opinião do MST, os principais atores a serem combatidos no caminho da solução dos problemas de concentração de terra no Brasil. O movimento não encara a atual política de assentamento como uma efetiva reforma agrária. Esses trabalhadores reivindicam a democratização da terra, da água e das sementes, além de defenderem a produção de alimentos sadios, isentos dos malefícios causados por agrotóxicos e inseticidas.

Stédile lembrou também que a implantação de pequenas agroindústrias nos assentamentos para proporcionar melhorias na distribuição de renda e na condição de acesso dos jovens ao mercado de trabalho é outra bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

O MST e a Educação

Ficou claro para o público a dimensão dada pelo MST à Educação. As lideranças do movimento estimulam os trabalhadores a participarem de diversas iniciativas educacionais. Reflexo disso é que existem hoje mais de 2.800 militantes cursando a Graduação e cerca de 180 no Mestrado e Doutorado de universidades brasileiras.

O MST firmou também parcerias com cinco instituições de Ensino Superior com o objetivo de formar uma nova geração de engenheiros agrônomos. As faculdades de Agronomia pouco sabem sobre agroecologia, pois ainda trabalham na lógica das transnacionais. Nossa concepção então é a de unir reforma agrária e conhecimento, destacou Stédile. Na UFRJ, está em discussão a criação de um curso de especialização em Filosofia para os membros do MST.

O reitor Aloísio Teixeira destacou que a escolha de Stédile como personalidade a proferir a Aula Magna, evento que abre oficialmente o ano letivo de 2008, foi um reconhecimento da importância de saberes distintos, que não aqueles produzidos e disseminados na universidade: o que nós, universidade, fazemos não é único. Há uma série de outras formas de conhecimento que não dominamos e que só o faremos quando derrubarmos os muros invisíveis que cercam a universidade.