O corpo e a terra

Wilton Garcia*

Para pensar a relação corpo e terra, convido o leitor a um minuto de reflexão sobre os chakras como canais de comunicação da energia vital que pulsa na superfície da pele. Trata-se de uma breve leitura crítica que arrisco apontar um ideal como possibilidade de debate sobre o corpo contemporâneo.

Mais que uma mera cicatriz ou tatuagem, segundo a filosofia ioga, os chakras formam canais (nadis) que estão dentro do corpo humano por onde circula a energia vital (prana), que nutre órgãos e sistemas. Efetiva-se um encontro no esteio da carne aos vestígios da terra. Forma-se um tecido entre vida e morte, em uma fascinante integração sociocultural – do corpo à terra e vice-versa. Direciono o olhar do interno ao externo, do dentro pra fora. É um exercício que branda o respirar e sintoniza as vibrações.

Os chacras são sinalizadores de nossa compreensão existencial humana, pois somam componentes e orifícios do corpo em energia pulsante. Essa pulsão energética orienta a escolha e a constituição que transversaliza a vida, enquanto espaço dinâmico da vitalidade humana. É uma tentativa de (inter)mediação equilibrada entre o plano emocional, mental, espitirual e físico. Há, sim, um hiato (dis)juntivo entre corpo e terra!

Será no ambiente de trocas simbólicas e culturais que se perdura o desafio da representação da terra como máxima da economia contemporânea. Terra de enorme valor faz brotar a vida – com a certeza do viver. A interação terra e vida está na condição adaptativa de estender o corpo diante de um solo rico de potencialidades energéticas. Ao entrecruzar o percurso conceitual aqui inscrito, observo o Sem Terra.

Na enfática (re)dimensão do mercado global capitalista, pergunto: O que é produção, então? Como considerar a falta cotidiana? Por que a má distribuição de terra no país? Que ponto é possível, atualmente, otimizar na valorização humana? Como enfrentar o mundo com meu corpo? Diante desse quadro, como resgatar a dignidade?

As perguntas são muitas e atingem uma amplitude significativa. Na verdade, são inquietações que ajudam a pensar a comunidade Sem Terra e, algumas possíveis, estratégias de luta e sobrevivência. Da lógica mercantil às diretrizes político-econômicas, é preciso intervir sobre a desigualdade social que assola o Brasil.

Assim, faço desse olhar uma (des)construção poética dirigido à mãe natureza. Tento produzir uma reflexão que possa articular o Outro a partir (e pela) sensibilidade. Revolvo a interioridade, o afeto, a fim de (re)constituir uma imagem de comunhão humana. Diante da vida agitada, nos dias de hoje, provoco, reitero. Por isso, penso no enlace emblemático entre corpo e terra.

Falo de uma natureza agrícola que retira do solo a produção clara e rara da energia – a água, o alimento. Chão em que se pisa e planta torna-se parte integrante dos benefícios sociais na distribuição cooperativa dos territórios geográficos. Espandem-se os lugares do mundo. Pretende-se dividir e compartilhar com o Outro os resultados. É uma (re)distribuição da fortuna produzida pela terra. Ocupar um espaço na vida faz parte da sensibilidade descritiva do corpo!

Estudos contemporâneos

Ao descrever a dinâmica híbrida que relaciona corpo e terra, busco nos estudos contemporâneos contextualizar, estrategicamente, uma abordagem teórica para evidenciar as noções de atualização e inovação. Imagem, experiência e subjetividade elencam-se como categorias críticas, as quais são inscritas de modo diluído ao longo deste texto. Ou seja, é uma proposição emergente: algo novo, em discussão. Esses estudos investigam fundamentos, conceitos, teorias, métodos, técnicas e críticas para realizarem experiências, cujos aspectos sincréticos reforçam e revelam um registro aberto – em constante transformação.

Como artista visual e pesquisador, tenho desenvolvido investigações multidisciplinares acerca do corpo contemporâneo e suas (trans/de)formações no cotidiano, sobretudo a influência das tecnologias digitais interativas. Do telefone celular ao computador ou da cirurgia plástica à academia de ginástica, investigo caminhos que resignificam as implicações corporais e os objetos tecnológicos.

Observo as (trans/de)formações da imagem corpoal que equacionam alguns equívocos.
Parece que a moda, agora, é tentar rejuvelhecer cada vez mais a aparência. O que está em voga é somente uma casca – fina e frágil. Nota-se que, é uma mera tentativa de modificar a imagem corporal a partir de artifícios. A sofisticação que a riqueza do capital expõe deve ser compartilhada com um maior número possível de pessoas. Hoje, a sociedade tecnológica – junto aos efeitos do consumo – desprende-se da capacidade de assimilar a violência dessas (trans/de)formações corporais com ações invasivas, que afetam a utopia da vida. Aqui, mídia e mercado são responsáveis por esses equívocos.

No entanto, como fica a experiência humana diante da condição da terra? O filósofo Michel Foucault estudou o cuidar de si como possibilidade do sujeito olhar para si e o entorno social. Cuidar de si é estar atento ao desenvolvimento interno e externo das partes que constituem a vivência (i)material do corpo. Aspectos extrínsecos e intrínsecos (re)configuram uma dinâmica sincrética de (i)materialidades. Existem justificativas para se estabelecer uma leitura crítica sobre a energia que contextualiza um ser, um grupo ou uma comunidade. Salve as boas energias!

Neste caso, o corpo torna-se uma bioreferência em que desperta a vida – do nascimento à morte. Eis uma passagem significativa para se pensar a expressão da existência no planeta Terra. O que fazemos quando passamos, em alguns anos, por aqui? Qual o legado ativo da humanidade? Como prescrever a nossa conduta humana?

A vibração circular do humano

Chamo atenção para a energia flutuante do corpo que a gente não vê, mas sente nos poros a vibração. Evidencia-se um eixo de experimentações enigmáticas. É uma ação que se forma em circulação constante, mas que não se coloca como imagem. Algo que não páira, pois está sempre em deslocamento – um átomo e sua (re)ação modelucar.

Com o elemento terra não é diferente. Contém força! A intensidade energética eclode a partir da terra. Existem várias rotas diferentes e independentes por onde circulam essa energia, seja no corpo, no ar ou, até mesmo, na impregnação terrena. Aponto impressões sensíveis que, necessariamente, não se pode ver ou tocar, mas se arrepia quando coabita a natureza de cachoeira, praia, pedra, planalto. Logo, o que seria isto?

Os elementares apontados pelos alquimistas – água, fogo, terra e ar – podem ajudar na (re)composição que organiza um sistema flexível de anotações sensoriais. São posicionamentos estratégicos diante de alinhamentos ordinários, os quais coordenadam os eixos corporais em relação ao Universo. Tomar o alinhamento dos chacras com os elementos alquímicos, bem como a posição geográfica implica ativar uma condição adaptativa da experiência humana. O lugar certo, na hora certa, com a coisa certa!

Norte, Sul, Leste, Oeste são posições geográficas – como atribuições culturais e identitárias – que ajudam na localização técno-recursiva dos hemisférios Oriente e Ociedente. Leitor, acredito que nada é por acaso. Não é por acaso sua forma de luta, por exemplo, diante da posição geopolítica em que se encontra. Da mesma maneira, ocupar um espaço territorial requer aguçar o posicionamento do corpo em que se estabelece, diante da representação ativa da vida!

A direção do sol ou as fases da lua podem ser instâncias discutíveis, do ponto de vista da ciência, embora tornem-se inegáveis para os estudos agrônomos do plantio e da colheita. O espaço se relaciona com o tempo no preparo da terra: na ordem das sementes, no cultivo dos alimentos e na farda colheita, em consonância com um grau fecundo de prosperidade. A natureza (cor)responde aos seus próprios desafios imanentes / transcendentes – para não dizer, mágicos.

Portanto, falta-nos aprender a comunicar melhor pelos chacras. Deixar que a sensibilidade do corpo possa aflorar e que isso seja, também, um ato cognitivo de percepção e comunicação. É (inter)ligar o corpo à terra! Se o corpo comunica através da boca com a fala, o gesto e a performance com o físico, por que não pensar a inscrição do chacra na ordem sensível do cotidiano. Seria resgatar as funções distribuídas entre a (i)materialidade corporal e sua energia potente. Os corpos não estão soltos no planeta.

A gramática do corpo revolve a gramática da terra. É uma gramática que divide os chacras e, eletricamente, (des/re)carregam a energia acumulada entre corpo e terra, para quantificar maior equilíbrio. Faça um esforço: imagine que os chakras contenham eletricidade como uma tomada. Isso acende a chama da vida e indica uma boa quantidade de energia naquele instante específico; o que, também, pode ser utilizados na recarregem da energia do sistema. A posição dos chacras estabelece pontos específicos, em que essas rotas energéticas estão mais próximas da superfície do corpo: um plug – algo recoberto por uma quase camada da pele. Salve a diversidade dessa corrente viva!

*Wilton Garcia é doutor em Comunicação pela ECA/USP, autor do livro “Corpo, mídia e representação: estudos contemporâneos” (Thompson, 2005), entre outros.