Nota da Via Campesina de Pernambuco à sociedade brasileira

PESQUISA PRA QUEM?

Dia 10 de junho a Via Campesina Brasil deu inicio a sua Jornada Nacional de Luta Contra o Agronegócio e em Defesa da Agricultura Camponesa.

Em Pernambuco, dentre as várias ações realizadas durante a semana passada, uma protestava contra a produção de agrocombustíveis em larga escala, em específico o avanço da monocultura da cana-de-açúcar. O ato foi realizado na EECAC (Estação Experimental de Cana-de-Açúcar) no município de Carpina, Zona da Mata Norte de Pernambuco. A Estação Experimental é uma Parceria Público-Privada entre o Sindaçúcar (Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool), que reúne as 20 maiores usinas do Estado, e a UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco), que há 38 anos desenvolve pesquisas para o desenvolvimento genético de cana, inclusive transgênica.

O objetivo da ação política não foi um ataque à universidade ou às pesquisas acadêmicas em geral. Mas sim demonstrar à sociedade que os camponeses e camponesas do Brasil são contra este modelo que privilegia a monocultura exportadora, utilizando nossas riquezas naturais, nossas terras e mão-de-obra barata, destruindo o meio ambiente e produzindo trabalho escravo. Entendemos que o papel da universidade não é usar recursos públicos para pesquisas que beneficiam usineiros, mas sim, para pesquisas que construam uma alternativa de desenvolvimento para região e que possam servir à grande maioria.

A Estação Experimental de Cana-de-Açúcar recebe cerca de 6 milhões de reais por ano para investir em pesquisa de “melhoramento genético” de cana-de-açúcar. Metade desse recurso – R$ 3 milhões – são provenientes de usinas ligadas ao Sindaçúcar, o que prova a estreita relação entre a Estação, a UFRPE e os usineiros. Os outros R$ 3 milhões são captados por projetos de pesquisa vinculados à UFRPE – ou seja, é dinheiro público.

Segundo o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), o custo médio para o assentamento de uma família na região nordeste é de R$ 25 mil por família. Isso quer dizer R$ 6 milhões poderiam assentar pelo menos 240 famílias por ano no nordeste, que estariam produzindo alimentos saudáveis para elas e para a população local. Ao invés disso, esse dinheiro é utilizado para beneficiar 28 usinas e destilarias nos estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte,
e para promover ainda mais o avanço do monocultivo de cana-de-açúcar, causando a elevação dos preços dos alimentos e a concentração da propriedade da terra por empresas estrangeiras.

A diminuição sucessiva da área plantada de alimento terá, em breve, conseqüências gravíssimas para toda população mundial. Hoje a população urbana já está sofrendo em função do aumento dos preços dos alimentos, conseqüência principalmente da utilização da soja brasileira para produção de biodiesel e do milho dos Estados Unidos para produção de etanol.

Nós, da Via Campesina, somos aqueles que foram despojados de toda e qualquer sorte e possibilidade em conseqüência da ação devastadora da monocultura da cana-de-açúcar, concentradora de terra e riqueza. Somos pobres, fomos durante toda história escravos do setor
sulcroalcooleiro, que sempre dominou a Zona da Mata Pernambucana, que chega até a ser chamada por alguns pesquisadores de ”região canavieira”. Somos filhos desta terra e ao longo da história fomos construindo a consciência de que nesta região podemos construir um outro modelo de agrícola e de desenvolvimento econômico.

Queremos fazer entender que a responsabilidade da universidade publica é para com o povo e não com o agronegócio e o capital financeiro, que querem transformar os alimentos, as sementes e todos os recursos naturais em mercadoria para atender os interesses, o lucro e a ganância das grandes empresas transnacionais.

Os recursos financeiros e humanos de uma instituição pública como a Universidade Federal Rural de Pernambuco devem ser usados para ajudar a resolver os problemas do povo brasileiro. E a fome é um deles. Portanto, que pesquisem desenvolvimento de milho, de feijão, de macaxeira. Se os usineiros querem fazer pesquisa para aumentar seus lucros, que façam em suas terras e contratem seus técnicos.

Certamente quando a universidade pública entender seu papel social ela poderá contribuir muito utilizando o conhecimento acumulado e os técnicos servidores públicos que se apropriaram destes conhecimentos, com recursos públicos do povo brasileiro, para a melhoria das condições de vida da maioria e a produção de alimentos saudáveis e baratos. Esse é certamente o anseio da maioria do povo brasileiro e de inúmeros professores e alunos da UFRPE e da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco)que nos parabenizaram pela ação e continuam nos prestando sua solidariedade.

Via Campesina