Governo demonstrou subserviência ao agronegócio em Doha

O integrante da Direção Nacional do MST João Pedro Stedile comemorou o fracasso das negociações da Rodada de Doha na OMC, indicando que é uma boa notícia para os pobres dos países subdesenvolvidos. “O fracasso da Rodada de Doha, apesar do governo brasileiro aceitar de forma vergonhosa a proposta dos países ricos, foi positiva para os pobres dos países subdesenvolvidos”, afirmou Stedile, da coordenação nacional do MST.

Após nove dias de discussões em Genebra, as negociações destinadas a definir o futuro da Rodada de Doha, para a liberalização do comércio mundial, falharam terça-feira (29/07) após a falta de acordo sobre a agricultura entre os países ricos e países subdesenvolvidos.

Nas negociações, o Brasil propôs a abertura de setores da sua economia em troca da flexibilização dos mercados agrícolas dos países ricos, enquanto os europeus e os norte-americanos reclamaram o acesso dos seus produtos industriais e dos seus serviços aos mercados dos países em vias de desenvolvimento.

“Alimentos não podem ser tratados como uma mercadoria, deixando de lado as necessidades das populações, para assegurar o lucro das empresas multinacionais”, disse Stedile, retomando a linha política da organização internacional de movimentos camponeses Via Campesina, da qual o MST faz parte.

Segundo ele, os produtos alimentares devem ser considerados “como um direito de cada pessoa” e os governos “têm a obrigação” de aplicar políticas públicas para assegurar a produção de alimentos em quantidade suficiente. Ele considerou “visão errada que trava o desenvolvimento nacional” o Brasil ter aceitado uma maior abertura do mercado para os produtos agrícolas e matérias-primas sem valor agregado em troca da liberalização do mercado brasileiro aos produtos industriais e aos serviços representa uma .

“É uma posição de subserviência total aos interesses do agronegócio e das empresas multinacionais que controlam os produtos agrícolas”, concluiu.

(Com informações da Agência Lusa)

A seguir, leia também a nota da Rebrip (Rede Brasileira Pela Integração dos Povos) sobre a Rodada de Doha.

Movimentos sociais comemoram mais um fracasso da Rodada de Doha da OMC

Organizações e movimentos sociais do Brasil e do mundo inteiro comemoram mais um colapso das negociações para a conclusão da Rodada de Doha da OMC (Organização Mundial do Comércio). Desde que a OMC foi criada, no auge do neoliberalismo dos anos 90, estas organizações vêm questionando a validade das premissas da instituição e denunciando as graves conseqüências que a conclusão desta rodada poderia causar para os povos em diversas partes do mundo.

Essas conseqüências dizem respeito, principalmente, a liberalização do comércio de bens industriais e serviços por parte dos países do Sul, em troca da abertura de mercados no Norte para exportações agrícolas. Isto significaria a cristalização de um modelo em que os países em desenvolvimento continuariam como exportadores de commodities agrícolas – com uso intensivo de água e outros recursos naturais na sua produção, concentração fundiária e utilização de insumos químicos que resultam em um agravamento da crise sócio-ambiental -, enquanto os países desenvolvidos se manteriam como fornecedores de tecnologia e bens e serviços de alto valor agregado, bloqueando assim as perspectivas de desenvolvimento industrial e a geração de empregos de qualidade para homens e mulheres dos chamados países em desenvolvimento. E seria um golpe contra os direitos dos povos e a soberania dos países em relação à capacidade de formularem suas políticas públicas.

Ao longo da semana, cerca de trinta países tentaram sem sucesso chegar a uma fórmula que fosse capaz de acomodar os interesses em temas tão complexos como as políticas de agricultura, indústria e serviços. Mais uma vez o formato restrito e anti-democrático de tomada de decisões na OMC se revelou esgotado: dos 153 países-membro da OMC apenas pouco mais de trinta estavam presentes nas reuniões de Genebra e, na verdade, entre estes, apenas sete – Estados Unidos, União Européia, Brasil, Japão, Austrália, China e Índia – tentaram conduzir de fato o processo decisório enquanto os demais aguardavam em protesto as decisões na ante-sala.

O Brasil manteve a sua já conhecida posição, que prioriza a abertura dos mercados dos países do Norte para as exportações do agronegócio, concordando em troca em fazer importantes concessões nas áreas de redução de tarifas industriais e no setor de serviços. A insistência do Brasil em manter esta posição acabou tendo graves conseqüências políticas. Uma delas foi o estremecimento do G20, importante coalizão de países em desenvolvimento criada em 2003 durante uma reunião ministerial da OMC realizada em Cancun, quando o Brasil liderou uma posição de resistência destes países e com isso alterou a balança de poder e a correlação de forças na OMC. Desta vez, no entanto, o Brasil acabou esvaziando a sua liderança por ter se distanciado de preocupações e interesses de parceiros estratégicos da coalizão.

Este foi o caso da Argentina, que vinha liderando uma importante posição de resistência nas negociações de NAMA – a sigla em inglês para as tentativas de acordo sobre reduções nas tarifas de importação de produtos industriais que tanto interessam aos Estados Unidos e União Européia. A falta de compromisso do Brasil com os nossos vizinhos poderá ter repercussões políticas negativas nos processos de integração regional em curso na América do Sul. O Mercosul, por exemplo, possui uma Tarifa Externa Comum (TEC) que seria bastante prejudicada caso as propostas que estavam em curso nas negociações de Doha fossem aprovadas, tornando ainda mais difícil que nossa região pudesse estabelecer preferências comerciais internas ao bloco.

A estratégia negociadora brasileira também abalou as alianças do Brasil com Índia e China. Refletindo o peso econômico que o agronegócio exportador tem na balança comercial brasileira, o Brasil não deu a devida importância a temas importantes para estes países parceiros e para a agricultura familiar e camponesa. O tema das salvaguardas e outros mecanismos de defesa e promoção da agricultura que garante a segurança e soberania alimentar, no Brasil e no mundo, não foi priorizado pelos negociadores brasileiros, ao passo que se mostrou um tema central para estes parceiros chave do Brasil.

Neste momento, os movimentos sociais do mundo todo estão comemorando. Mais uma vez está provado que o modelo baseado na liberalização progressiva promovido pela OMC caducou. Agora é hora de pensar em alternativas a este sistema de comércio global e este debate deve se orientar pelos processos de integração regional e por novas instâncias globais voltadas para os interesses dos povos. Chegou o momento de construirmos um sistema de comércio verdadeiramente voltado para a justiça econômica, social e ambiental e não para os interesses das corporações transnacionais.

REBRIP – Rede Brasileira Pela Integração dos Povos