MP gaúcho faz visita a assentamento e acampamento

Representantes do Ministério Público Estadual e Federal e parlamentares visitaram, nesta quarta-feira (6/7), um acampamento e um assentamento em Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre (RS). À convite de deputados, os magistrados foram conhecer a realidade precária das famílias acampadas e os benefícios trazidos pela reforma agrária na região.A visita ocorre pouco depois de um mês da divulgação de uma ata em que o Conselho Superior do Ministério Público Estadual determinou diversas medidas para desmobilizar quatro acampamentos de Sem Terra no interior gaúcho. No texto, promotores também sugeriram a dissolução do MST, parte que depois foi anulada pelo próprio órgão.

O Procurador-Geral do Estado, Mauro Henrique Renner, tentou rebater as críticas do MST de que o órgão “tem lado” e é contra os movimentos sociais. Durante a visita, ele argumentou que as ações civis que afetam os Sem Terra não representam a posição do órgão, mas sim de alguns promotores, que têm independência em legislar. No entanto, ele se comprometeu em encaminhar demandas das famílias acampadas, como a falta de pagamento aos professores das escolas itinerantes.

“Nesse sentido estamos abertos em buscar uma aproximação com a própria Secretaria de Educação, para verificar as carências e as omissões por parte do Estado que não tem repassado os salários. Por isso estamos aqui também, para receber essas carências”, afirmou.

O governo do Estado não paga os salários dos professores das escolas itinerantes desde o início deste ano. Os que ainda continuam atuando fazem por “trabalho voluntário”, dizem os Sem Terra. No acampamento Jair Antônio da Costa há 200 crianças. As 350 famílias também têm problemas em atendimento à saúde. Muitas delas deixam de ser atendidas pelo Posto de Saúde da Família do município de Nova Santa Rita por receberem benefícios sociais, como o Bolsa Família.

O Procurador-Chefe da Procuradoria Regional da 4ª Região, Humberto Jacques Medeiros, um dos representantes do Ministério Público Federal que esteve no local, diz que os promotores federais também têm responsabilidade nas condições precárias da população.

“Nas questões de direitos fundamentais, a União é co-responsável em vários deles, como a merenda escolar, o Fundef, recursos federais na área do SUS. E o quadro que a gente encontra levanta-nos a idéia de que há de se aferir se os recursos federais têm realmente chegado à ponta do sistema”, avalia.

Acampados

Vivendo há dois anos e meio no Acampamento Jair Antônio da Costa, às margens da BR-386, Vanice Terezinha Capeletti afirma que as famílias não são uma ameaça ao país, como aponta o documento dos promotores. Ela conta que trabalhava há 23 anos em uma fábrica de calçado em Novo Hamburgo, no Vale dos Sinos, quando foi demitida depois de ter machucado uma perna. Ficou desempregada por dois anos e decidiu acampar a fim de obter um lote para plantar, como fazia com seus pais durante a adolescência na zona rural de Porto Lucena, no Noroeste do Estado.

“Quero ter minha terra e um futuro para os meus filhos. É tudo o que eu quero. A gente só quer trabalhar e não ficar dependendo de governo para bóia [comida]. Queremos tirar o sustento da nossa terra para os nossos filhos”, diz.

O acampamento fica em uma das quatro áreas que está “congelada” pelas ações civis públicas do MP. Segundo as medidas, os acampados não podem realizar marchas ou manifestações públicas; suas lideranças não podem sair do local – caso saiam, não podem mais entrar; e até mesmo a visita de integrantes do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) estaria à cargo de inspeção dos promotores.

A integrante do MST, Micheline Michaelsen, espera que os representantes do Ministério Público se sensibilizem com a causa da Reforma Agrária e retirem as ações que criminalizam o Movimento. ”Exigimos que o MP reverta a decisão de tornar nossas quatro regiões de acampamentos como zonas especiais [nas cidades de São Gabriel, Carazinho, Pedro Osório e Nova Santa Rita], que portanto teriam legislação especial e que provocaria os despejos como ocorreu na região Norte, em que famílias foram retiradas de áreas cedidas e até mesmo compradas por apoiadores”, argumenta.

Assentados

A comitiva de magistrados e parlamentares visitou cedo da manhã o acampamento. Depois, seguiu para o Assentamento Capela, onde conheceu a produção de arroz agroecológico, de suínos, aves e de leite dos agricultores.

Somente de arroz, as famílias produzem 20 mil sacas em 200 hectares, uma produtividade de 100 sacas/ha. A cooperativa do assentamento, a COOPAN, ainda abate 70 porcos por dia. Das 100 famílias que vivem no assentamento, 30 trabalham em cooperativa. As demais produzem e comercializam em grupos ou individualmente. Dentro do assentamento ainda há uma escola, onde as crianças estudam até a 4ª série do Ensino Fundamental.

Os agricultores, assentados em 1994, também passaram anos lutando pela desapropriação da área e tiveram que ocupar terras para pressionar pela Reforma Agrária.

“Boa parte do Judiciário criminaliza os movimentos sociais e os tratam como caso de polícia ao invés de tratar como caso de Reforma Agrária e ter políticas de assentamentos para essas famílias. Que eles [os magistrados] possam conhecer a realidade do acampamento, que são famílias que vieram do campo e estão lutando por um pedaço de terra para trabalhar. E conhecer também a realidade do assentamento, que são as pessoas que já conquistaram a terra e hoje têm acesso à saúde, educação e podem produzir alimentos saudáveis para a sociedade”.

Além dos magistrados, estiveram presentes entre os deputados Dionilso Marcon, Raul Pont e Elvino Bohn Gass, do PT, Raul Carrion, do PC do B e Gilmar Sossella, do PDT.