Círculo vicioso dos transgênicos

Gabriel Fernandes*

Os defensores dos transgênicos sempre usam do recurso de dizer que a ciência está do lado deles, seja para dar autoridade a seus argumentos, seja para acusar de anti-ciência ou obscurantistas os críticos dos transgênicos. Enviamos uma mensagem eletrônica a Xico Graziano, depois da publicação de seu artigo, pedindo as referências de pesquisas realizadas por entidades públicas que comprovariam as suas teses. A resposta foi: “Dez minutos de Google o informarão fartamente. Sobre algodão, vá a Primavera do leste e veja ao vivo”.

O que dizem os dados das entidades públicas no Brasil? De 2000 a 2004, o consumo de glifosato (ingrediente ativo do agrotóxico aplicado na soja transgênica) cresceu 95% no Brasil, enquanto a área plantada de soja avançou 71%, segundo dados do Ibama. No Rio Grande do Sul, principal pólo nacional de soja transgênica, o consumo de glifosato cresceu 162% e a área total, 38%.

A disseminação do plantio da soja transgênica no país tem provocado uma forte elevação no uso de agrotóxicos nos últimos anos, de acordo com dados oficiais. Dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) mostram que entre 2000 e 2005, no Rio Grande do Sul, primeiro Estado a plantar transgênicos, o consumo de glifosato cresceu 85%. O valor ficou bem acima da expansão da área plantada (30,8%) e desproporcional em relação a outros herbicidas. No Paraná, o crescimento dos agrotóxicos foi de apenas 6,8% no mesmo período.

Até a indústria reconhece que a adoção de plantas transgênicas leva a um aumento do uso de venenos. Um porta-voz do EuropaBio, grupo de lobby da indústria biotecnológica, admitiu que “os cultivos Roundup Ready levaram as plantas invasoras a se tornarem resistentes ao Roundup, o que resultou em maiores aplicações do produto, comumente em combinação com outros químicos”.

Um estudo recente de pesquisadores da unidade de Jaguariúna da Embrapa listou nove espécies de plantas capazes de driblar o glifosato. Quatro delas já desenvolveram resistência ao veneno nas lavouras brasileiras de soja transgênica e apresentam “grande potencial de se tornarem um problema”.

Um banco de dados internacional que reúne informações sobre plantas resistentes a herbicidas registra 13 espécies resistentes ao glifosato, com sua maior parte ocorrendo em áreas semeadas com plantas transgênicas resistentes ao glifosato.

A coisa funciona como explicou um agricultor de Vacaria (RS), que cultiva soja transgênica, em entrevista ao programa Globo Rural: “Tivemos problemas com o glifosato de um litro e meio por hectare. A gente viu que ficou alguma mancha na lavoura, reaplicamos e mesmo assim não controlou. Aí tivemos de trocar o produto”.

Nossos 10 minutos de pesquisa na internet ainda mostraram que o lucro da Monsanto (que tem 90% do mercado de glifosato no Brasil) cresceu 42% no 3º trimestre fiscal deste ano, com as vendas do herbicida Roundup e de outros herbicidas à base de glifosato disparando 54%, e que a Câmara de Comércio Exterior (Camex) barateou a importação de glifosato da China, reduzindo de 11,7% para 2,9% a tarifa antidumping aplicada ao produto.

Graziano também ignora o crescente problema da contaminação provocada pela soja transgênica, que vem causando prejuízos a produtores orgânicos e convencionais. Para quem não for do Mato Grosso e não puder ir ao Estado observar o uso de agrotóxicos ao vivo, vale a pena conferir a série de reportagens feita pela Radiobrás (na internet, em www.radiobras.gov.br ), que mostra os impactos do agronegócio na região, dando destaque para os estragos causados pela pulverização aérea de venenos nas lavouras, que banha pequenas cidades e as comunidades rurais que ficam ilhadas em meio às monoculturas.

Os herbicidas que vêm sendo usados para substituir o Roundup são o 2,4-D (que dá origem às dioxinas, conhecido grupo de compostos que provocam contra), o paraquat (associado ao aumento dos riscos de desenvolvimento de mal de Parkinson) e a atrazina (proibido na Europa). Ou seja, é um verdadeiro círculo vicioso onde só quem ganha são as empresas que vendem os venenos.

*Agrônomo e consultor da Assessoria e Serviço a Projetos em Agricultura Alternativa