Um camponês defendendo os camponeses

Do IHU-On line

Falecido na última quinta-feira (5/2), o deputado federal gaúcho Adão Pretto foi sepultado na manhã de ontem, sexta-feira, no cemitério Jardim da Paz, em Porto Alegre, com depoimentos emotivos de várias pessoas que estavam presentes. Segundo frei Sergio Görgen, que conversou brevemente com a redação da IHU On-Line por telefone, além de ser uma pessoa importante, Adão Pretto era uma pessoa muito querida, muito alegre. “Foi um momento muito tocante, muito forte”, descreve. Ao relembrar o convívio com o amigo e companheiro na luta pela reforma agrária, frei Sérgio lembra que Adão Pretto representou a classe popular de cabeça erguida, tornando-se “o símbolo dos pobres” por participar “diretamente na política e não por intermédio de representantes”. Para Görgen, ex-deputado estadual e integrante da Via Campesina do Rio Grande do Sul, “Adão mostrou que é possível fazer política de maneira diferente”.

Leia, a seguir, como ele descreve a personalidade do “deputado do seguro agrícola”.

Qual o maior legado e a maior herança que Adão Pretto deixa como liderança política e como pessoa?

Como político, ele levou para a institucionalidade o jeito de ser camponês e o jeito dos movimentos sociais. Foi um ganho para democracia brasileira, ainda muito frágil, muito incompleta, limitada. Mas Adão representou a classe popular de cabeça erguida, ainda que minoritariamente, mas com muita dignidade, dentro de uma pequena parte do Estado brasileiro. Ele fez isso sempre com muita coerência e dedicação, com fidelidade à classe e aos pobres. Esse é um dos legados que ele deixa para a política nacional. Adão é o símbolo dos pobres participando diretamente na política e não por intermédio de representantes.

Qual sua maior contribuição para a luta da reforma agrária e dos pequenos agricultores?

Adão tinha duas quase obsessões, enquanto líder sindical e popular e como parlamentar. As duas ele viu realizadas parcialmente: a reforma agrária, a distribuição da terra, que era algo que corroia ele; e o seguro agrícola. Ele até ficou conhecido como o deputado do seguro agrícola, por não aceitar que os agricultores sujeitos às intempéries não possuíam nenhuma proteção do Estado. Esse foi o primeiro projeto que ele apresentou e que foi constituído no governo Lula. Foi uma grande vitória na sua história pessoal.

O que o senhor guarda de mais valioso no convívio com Adão Pretto, principalmente em relação ao MST, desde sua fundação?

Eu e Adão nos conhecemos antes do surgimento do MST, na Romaria da Terra, em 1978, em São Gabriel. O que mais me impressionava no Adão era sua simplicidade, mas que não o deixava se intimidar, sua profunda inteligência, embora com pouca oportunidade de estudo, já que teve apenas quatro anos de escola e aprendeu a ler muito precariamente. Ele tinha uma inteligência auditiva muito forte. Ouvia e “pegava no ar” o que estava acontecendo. O terceiro aspecto que quero destacar é a pedagogia do Adão. Ele pegava questões complexas da conjuntura política ou mesmo concepções científicas e traduzia para uma linguagem extremamente simples, que qualquer camponês entendia. Era uma pessoa muito sagaz, mas muito pura. Não vinha com golpes sujos ou com sacanagens, mesmo para seus adversários. Ele defendia seus princípios com simplicidade, tranqüilidade, com fineza, sem usar nenhum estratagema.

Como o senhor define a atuação dele na Câmara de Deputados?

O Adão era um camponês defendendo os camponeses. Ele só via sentido para estar lá por causa disso. Era esse o sentido da vida dele e da sua ação política. Ele não era um político que apoiava os camponeses. Era um camponês que estava lá para defender eles mesmos. Era um representante direto e legítimo da classe. Adão mostrou que é possível fazer política de maneira diferente. É possível que a política seja uma forma de representação dos setores da sociedade e não uma forma de pegar o voto para representar interesses particulares ou de pequenos grupos.

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