Integrar para transformar

Por meio de luta e enfrentamento, os povos da América Latina conseguiram barrar o processo de anexação comercial proposto pelos Estados Unidos, a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). Agora se articulam em torno de um projeto de integração que, para além de trocas comerciais entre os governos, possa promover a soberania e a auto-determinação dos povos, através da integração regional. O membro do coletivo de Relações Internacionais do MST, Joaquin Piñero, explica mais detalhes sobre o processo de construção da ALBA (Alternativa Bolivariana para os povos da América).

Como se iniciou o processo de construção da Alba?

Joaquin Piñero – A ALBA (Alternativa Bolivariana para os povos da América) é uma iniciativa que foi desenhada pelos presidentes da Venezuela e de Cuba como oposição, como uma alternativa à proposta dos EUA que é a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). A ALBA tem como princípio resgatar pensadores e lutadores do nosso continente como Bolívar, Sandino, Martí, Che, Paulo Freire, enfim, todos estes pensadores e lutadores que ajudaram, com idéias e com lutas, para a resistência dos nossos povos frente à colonização, frente à opressão de outras nações aqui nestas terras.

Como se dá a participação dos movimentos sociais neste processo?

JP – Inicialmente a ALBA é uma iniciativa de governos, porém com todo este processo desenvolvido por movimentos sociais, redes e campanhas, que estavam lutando contra a implantação da ALCA em nossos países, todo este movimento levou com que também começasse a se discutir alternativas, e de certa forma houve uma convergência de idéias com a proposta da ALBA. Na cúpula dos países em Mar del Plata, na Argentina, nós conseguimos, os movimentos sociais aliados aos governos, enterrar a proposta da ALCA que vinha sendo imposta pelo governo dos EUA. Então, os movimentos começaram a fazer este diálogo com os governos que estavam discutindo este processo de integração, que não fosse a integração somente pelo ponto de vista comercial, mas que levasse em consideração a auto-determinação dos povos, a questão da soberania energética, alimentar, cultural. Entram aí outros princípios de integração que nós entendemos como mais importante para o avanço das lutas dos nossos países, no nosso continente.

E como tem sido a participação do Brasil?

JP – Desde o início, as articulações que vêm sendo feitas para a integração dos países do processo da ALBA, se dão principalmente com os governos da Venezuela e de Cuba. Agora já fazem parte a Bolívia, Nicarágua, Honduras, Dominica. E gradativamente, os países vão se identificando com esta proposta de identificação. Evidentemente, o Brasil vem sendo convidado a participar, mas acredito que por conta de suas táticas e estratégia de integração, o Brasil tem priorizado a integração a partir do Mercosul, e, mais recentemente na proposta da Unasur. Aqui no Brasil o que tem se percebido de discussão sobre a ALBA se dá mais a partir dos espaços dos movimentos sociais.

Qual a importância de se articular em torno do projeto da ALBA, os meios de comunicação?

JP – O que se tem de diagnóstico dos meios de comunicação, muito geral e que são semelhantes em muitos países, é que os principais meios de comunicação estão concentrados em mãos de poucos grupos e que se estendem para outros ramos, inclusive da economia. Esta é uma realidade dos nossos países e também é uma realidade que vários movimentos sociais têm se articulado, têm procurado criar alternativas na comunicação para levar uma outra mensagem para a população. Quando se fala em integração continental, é importante buscarmos esta integração com os meios de comunicação dos movimentos sociais e de outras organizações e setores. Somente assim vamos fazer frente a estes grandes conglomerados que são a ponta de lança do projeto desta integração que visa apenas a parte comercial e não a verdadeira integração dos povos do nosso continente. Em muitos países, os grandes meios de comunicação funcionam como uma espécie de partido, que são os principais promotores deste projeto que tem levado a destruição do meio ambiente, a criminalização dos movimentos sociais. Portanto, é mais que urgente a articulação dos meios de comunicação social que acreditam nestas propostas de integração baseadas na solidariedade e na soberania dos povos.

Quais as ações e projetos que já estão em curso na idéia de fortalecer a ALBA?

JP – Quando se fala de integração é importante lembrar que esta não é uma proposta que vem sendo desenhada agora. O que nós estamos fazendo é potencializar os processos de integração que já existem, como as missões de educação e de alfabetização que vêm sendo feita pelos cubanos nas regiões do nordeste brasileiro, na Venezuela, Bolívia. A Venezuela é considerada pela Unesco um país livre do analfabetismo, e a Bolívia recentemente também foi reconhecida assim. Graças a esta nova forma de integração que é a solidariedade, a partir do governo de Cuba e à missão chamada “Sim, eu posso”. Do ponto de vista de produção, existem missões e brigadas em outros países fortalecendo a agroecologia. E agora, existe agora um compromisso importante dos meios de comunicação em fazer um trabalho integrado das informações em todos os países a partir de construção de redes.

Quais as perspectivas para este ano?

JP – O que nós temos bastante claro é que vivemos um momento complexo porque se avizinha uma crise do sistema capitalista que cada vez mais tende a descarregar a conta em cima dos trabalhadores do todos os países. A perspectiva que nós temos é de luta e este processo de integração pode nos ajudar a fazer um enfrentamento cada vez mais unificado e coordenado. Diversos movimentos sociais, não somente do nosso continente, mas de todo o mundo, acertaram no Fórum Social Mundial uma agenda de mobilização frente à crise que estamos vivendo e também contra a guerra que é uma das formas do capitalismo de ampliar seus espaços e se fortalecer. Entendemos que nesta semana que vai do dia 27 de março a 4 de abril, aqui no continente estamos priorizando o dia 30 de março como Dia Internacional de Luta contra a crise e a guerra. Do ponto de vista dos movimentos sociais estamos planejando para o próximo semestre uma assembléia ou uma reunião de todos os movimentos sociais do continente para ampliar e discutir ações de integração que possam constituir este projeto da ALBA.