Prejuízo cultural às crianças do campo

Um acordo entre o governo de Yeda Crusius, no Rio Grande do Sul, e o Ministério Público Estadual para impedir que as escolas itinerantes do MST continuem a educar as crianças e adolescentes das áreas rurais é uma atitude que beira a criminalidade educacional à medida que não conseguirá proporcionar uma educação semelhante. O governo estadual sequer consegue dar às crianças urbanas uma educação adequada, que dirá às crianças moradoras em zonas rurais.

A educação da população é um dever do Estado, mas este não necessita fazê-la sozinho. Os governos compreenderam que não há compromisso nacional que possa ser realizado unicamente com os instrumentos dos Estados. O Estado é rico em burocracia e pobre em eficiência. É ágil na cobrança de impostos e moroso no atendimento dos programas sociais.

Ao determinar o fechamento de escolas itinerantes rurais do MST, de anunciar o rompimento do convênio, devido ao perigoso “recrutamento de novos militantes dispostos a ações que ameaçam a ordem pública” ou porque “é uma medida em defesa das crianças acampadas”, como declarou o procurador de Justiça, tanto o MP como o governo estadual dão mostras da mais perversa discriminação social a partir de uma posição de classe e da mais cínica justificativa oficial. O que ameaça a ordem pública é o aprofundamento da miséria e da desigualdade de oportunidades entre os diversos segmentos da população.

Esse ato do governo e do MP gaúcho é um ato criminoso para com as crianças e suas famílias. Pior é o método e o momento: primeiro o governo estadual coloca a fatura de despejo escolar nas mãos do Ministério Publico; segundo, o faz em um período de início de ano letivo, quando as classes das escolas já estão formadas. Sofrendo uma demanda maior que podem suportar. Com prédios precários, professores mal pagos e funcionários em falta.

Qualquer testemunho do padrão educacional e físico das escolas públicas brasileiras envergonha qualquer cidadão, menos os responsáveis pelos programas que gesticulam, em defesa, com dados e circunstâncias criadas pela escassa responsabilidade governamental diante da sua população. O MP gaúcho deveria realizar uma vistoria nas escolas municipais que deverão receber as quinhentas crianças que virão das escolas itinerantes do MST. Como defensor da população o MP deveria estar monitorando as execuções orçamentárias e físicas dos programas educacionais dos estados e não acirando o confronto das classes sociais. Pois, como é de conhecimento público o Conselho Superior do Ministério Publico gaúcho aprovou relatório propondo “ação civil pública com vistas à dissolução do MST e declaração de sua ilegalidade” e a “intervenção nas escolas do MST”, pois “as bases pedagógicas veiculadas nas escolas mantidas ou geridas pelo MST são nitidamente contrárias aos princípios contidos na Constituição Federal”.

Ao ver, nos meios de comunicação, uma promotora pública dizendo que os municípios vão fornecer transportes para as crianças do campo para estudarem nas escolas da periferia da cidade, perguntei-me se aquela juíza estava se referindo aos pequenos municípios gaúchos. A observação do transporte público e escolar nas capitais brasileiras, que deveriam ser vitrines da Nação, é trágica. Caso houvesse uma vistoria rigorosa nas frotas de ônibus de Brasília, provavelmente, a população da Capital Federal ficaria sem transporte público. Pense os municípios pequenos perdidos nos rincões gaúchos.

Por estes motivos, o Inesc associa-se a indignação dos movimentos sociais campo e, em especial da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que em nota denominada “Terrorismo cultural no Rio Grande do Sul: fechamento de escolas em Acampamentos” declara: “sua inconformidade e indignação contra a determinação do Ministério Público Estadual e do Governo do Rio Grande do Sul de fechamento da Escola Itinerante do MST (…). A medida nefasta, primeira entre outras que se seguirão, é um verdadeiro terrorismo cultural, pois a alternativa que se oferece às crianças é ficarem sem aula ou passarem o dia todo fora de casa, parte nos transportes precários, parte em escolas urbanas estranhas à sua cultura”.

Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)