Os sem terra e a “gota d`água”

Dr. Rosinha*

odos que temos vida pública, por qualquer posição política que tomamos, somos obrigados a dar explicações. Estejamos votando um projeto de lei, por exemplo, ou no caso de posições assumidas sobre qualquer outro tema, sempre somos cobrados.

Não me queixo disso. O problema é que, muitas vezes, o cobrador recebeu a informação pela metade, ou não a compreendeu. Já a discordância, com educação e inteligência, é salutar. Mas o que me deixa acabrunhado é a grosseria com que as cobranças, em algumas ocasiões, são feitas.
Dias atrás participei de um debate no programa “Espaço Aberto”, da Globo News, apresentado por Alexandre Garcia. O outro debatedor era o deputado Ronaldo Caiado, da UDR (União Democrática Ruralista). O tema era a violência no campo, a morte de quatro capangas em Pernambuco e as declarações dadas pelo ministro Gilmar Mendes sobre o MST.

Uma breve observação: não me lembro de ter visto Gilmar Mendes, em diversas ocasiões anteriores, quando trabalhadores sem-terra foram assassinados por fazendeiros ou a mando deles, ter feito alguma declaração condenatória, ou mesmo de a TV Globo ter promovido algum debate específico em seu canal de notícias.

Como resultado desse debate, recebi alguns e-mails. Comento aqui dois deles. Ambos discordam da posição que assumi durante o programa — um, com educação, e o outro, que transparece ódio. Para preservar seus autores, identifico-os somente pelas suas iniciais.

O senhor A.M. educadamente dirige-se a mim, discorda da minha posição política, critica parte das ações do MST e elogia Caiado e Mendes. Por mais de uma vez, afirma ver em mim “um homem de bem”. Agradeço.

Já L.C.P., que diz ser engenheiro, paranaense de Curitiba e eleitor do PT, afirma ter “vergonha” das minhas posições políticas. Diz que fui a “gota d’água” para ele mudar de lado e ir para o lado dos políticos “das elites”. Conclui o e-mail desejando que o autor deste texto “caia no ostracismo para sempre”.

Creio que ambos me dão a oportunidade de colocar em panos limpos, pelo menos aqui, a minha posição política sobre este tema. Sou a favor da reforma agrária, defensor dos direitos humanos e nunca defendi a violência, seja onde for, para a solução dos conflitos. Nas ocasiões em que a violência foi perpetrada, sempre cobrei publicamente a punição dos executores e dos mandantes.
Conforme dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada à CNBB (Confederação dos Bispos do Brasil), entre 1985 e 2008 foram assassinados no campo cerca de 1,5 mil pessoas. No Paraná, apenas durante o governo Jaime Lerner, foram cerca de 20.

Ainda segundo a CPT, em 2007 existiram 770 conflitos pela terra no país, com 28 assassinatos. No mesmo ano, foram libertados no Brasil 5.974 trabalhadores em situação análoga à escravidão. Sim, caro leitor ou leitora, quase seis mil pessoas viviam sob um regime de trabalho escravo imposto por fazendeiros.

A imprensa de uma maneira geral critica o MST, porém não escreve uma linha sobre os fazendeiros que invadiram as terras no Pontal do Paranapanema. São 400 mil hectares de terra pública invadida por fazendeiros, com sentenças judiciais já publicadas que determinam o despejo. O governo do Estado de São Paulo se nega a cumprir a sentença. Por que, nesse caso, o presidente do STF, Gilmar Mendes, não fica indignado e manda cumprir a lei?

No Brasil, temos hoje cerca de 105 ações de desapropriação paradas na justiça, a aguardar julgamento. Se fossem julgadas com rapidez, com certeza os conflitos no campo e o número de assassinatos seriam reduzidos. Por que Gilmar Mendes, defensor do Estado de Direito, e os fazendeiros da UDR não ficam indignados com a lentidão da Justiça nesses casos?

A violência histórica e a injustiça no campo, desde que o branco pisou neste continente, é que tem sido a gota d’água para muitos dos pobres sem-terra do país reagirem como reagem agora.

* Dr. Rosinha, deputado federal (PT-PR), é membro da Frente Parlamentar da Terra.