Bispo do Xingu é condecorado por defender a Amazônia

Dom Erwin Kräutler, Bispo de Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), recebeu nesta quarta-feira (18/3), do embaixador austríaco, Hans-Peter Glanzer, a Grande Insígnia de Ouro com a Estrela da Ordem do Mérito.

Na metade dos anos 60, o Bispo Dom Erwin Kräutler foi enviado ao Brasil, na região do Baixo Xingu, por sua Congregação na Áustria. Em 1980, foi nomeado Bispo pelo Papa João Paulo II e três anos depois foi eleito presidente do CIMI. A condecoração foi concedida devido ao trabalho do religioso em defesa dos povos indígenas e da preservação de seu território.

Bispo conhece de perto a realidade dos povos da Amazônia:

Em 1981, Dom Erwin assumiu a missão de bispo do Xingu. “Eu nunca esperava por isso e para mim foi uma situação totalmente nova”, confessa. “Cheguei a conhecer a maior diocese do Brasil, com seus 368 mil quilômetros quadrados.

“Os problemas do povo do Xingu estão se agravando cada vez mais. O número de desempregados na cidade de Altamira, no início do ano, era de 5 mil; agora, os dados falam de 20 mil. Eles chegaram à cidade atrás do sonho da construção da hidroelétrica de Belo Monte da pavimentação e asfaltamento da Transamazônica”.

Segundo a CPT Xingu, o aumento populacional se tornou um problema, pois na prelazia, há cerca de 2.500 famílias envolvidas em conflitos fundiários, com mais de um milhão de hectares de terra disputada. Considerando que cada família é composta, em média, de cinco membros, temos cerca de 12 mil pessoas envolvidas. A disputa pela posse da terra acontece entre os pequenos e médios agricultores, de um lado, e os grandes latifundiários, do outro. A ajuda do governo acaba claramente favorecendo estes últimos: enquanto, de 1991 a 2000, 10 mil famílias conseguiram 125 milhões de reais de investimento do governo federal para o financiamento de suas atividades agrícolas, do outro lado, 45 famílias, de 1997 a 2000, receberam 400 milhões.

De outro lado, as terras públicas, que poderiam ser objeto de distribuição nos programas de reforma agrária do governo, já foram todas ocupadas pelas madeireiras, pelas fazendas e pelas mineradoras. A tudo isso acrescente-se o descaso em que é deixada a formação no campo. Também os que têm acesso ao estudo recebem uma formação escolar de baixa qualidade, que não condiz com a realidade do País.

Um pouco da História do Bispo com os Trabalhadores:

Dom Erwin experimentou, na própria pele o drama dos trabalhadores no campo. Ele mesmo narra: “Em fevereiro de 1982, dois lavradores, Antônio e Manoel, foram assassinados no km 94 da Transamazônica, por altos funcionários da firma proprietária da usina de açúcar “Abraham Lincoln”, a CONAN. Os pedidos de justiça, encaminhados através da Igreja até as autoridades de Belém e Brasília, foram totalmente ignorados. Em setembro do mesmo ano, a CONAN mudou a tática: decidiu condenar o povo à morte lenta, retendo os pagamentos.

Em fevereiro de 1983, fui para a Transamazônica, visitei as comunidades de Medicilândia e vi a situação dos canavieiros que há meses não estavam recebendo o pagamento; também os funcionários da usina se encontravam na mesma situação. Tinham tentado tudo para conseguir o pagamento: nada! A Igreja do Xingu emitiu uma nota de denúncia e repúdio a todas essas atrocidades e injustiças, que, infelizmente, a grande imprensa negou-se a publicar. Então, os canavieiros, no dia de Pentecostes, 22 de maio de 1983, decidiram bloquear a Transamazônica.

Eu estava em Altamira e, quando soube, fui até lá. Não discuti a legalidade da iniciativa do povo. Todo mundo sabia que era “ilegal e inconstitucional” obstruir uma rodovia. Porém, todo mundo também sabia que era ilegal, inconstitucional o crime cometido por aqueles que não atendiam aos direitos do povo e lhe negavam o fruto do seu suor. Houve tentativas de diálogo, mas as autoridades se limitaram a fazer promessas vagas. Depois de sete dias, fiquei doente com quase 40 graus de febre e voltei a Altamira.

No dia 1.º de junho ligaram para mim, dizendo que a polícia chegaria para abrir a estrada. Pedi a um empregado nosso que me levasse no Fusca para o km 92. Encontrei o povo muito animado, porque parecia que, dentro de poucas horas, seria assinado um acordo entre a comissão que representava os trabalhadores e uma que tinha vindo de Brasília e assim a Transamazônica seria desobstruída. Infelizmente, porém, tudo fracassou na última hora, porque Brasília desautorizou seus representantes a assinarem o documento elaborado em conjunto.

Falei aos manifestantes, dizendo a verdade sobre o fracasso das negociações, expressando minha mais profunda tristeza, porque outra vez o povo era vítima do descaso das autoridades, mas convidando-os, ao mesmo tempo, a evitar qualquer tipo de violência. Todos, naquele momento, pouco a pouco, começaram a sentar-se no leito poeirento da estrada. Eu também me sentei. De repente, se ouviu o ruído de passos em cadência: um contingente da Polícia militar, seguido por um outro, empunhando fuzis, chegaram próximos dos manifestantes.

Estes ergueram as mãos para o alto e começaram a gritar alternadamente: “Queremos paz!”, “Queremos justiça!”. Os PM’s começaram a lançar granadas de efeito moral e bombas de gás lacrimogêneo. O pânico tomou conta do lugar. Eu fiquei deitado no meio da estrada. Quando a fumaça se dissolveu, um soldado me agarrou pela camisa, me atirou violentamente ao chão e me chutou nas costas; em seguida, me torceu o braço para trás e me levantou do solo. Eu lhe disse: ‘Acho que é a primeira vez que você prende um bispo!’. Respondeu que estava cumprindo ordens.

Junto com o presidente da associação dos canavieiros, fui levado dentro de um ônibus e ficamos presos durante 45 minutos. Depois fomos liberados e levados de volta ao povo. O Major nos apresentou como agitadores, que não mereciam a confiança e a consideração do povo. Pedi que nos respeitasse e protestei por aquela crueldade e covardia contra o povo indefeso. O Major ameaçou me prender de novo.. Muitos choravam. Finalmente, o Major resolveu nos colocar em liberdade. Uma semana depois, a CONAN efetuou o pagamento tanto aos canavieiros como aos funcionários da usina”.

Dom Erwin continua a narração de sua vida: “Logo em seguida teve a assembléia do Conselho Missionário Indigenista (CIMI) e me pediram se, dado que defendia os canavieiros, aceitava defender também os índios. Aconselhado por dom Aloísio Lorscheider, aceitei. Fiquei no mandato por oito anos, até 1991. Aprendi muito a respeito da causa indígena, sobretudo nas reuniões nacionais. Porém, aprendi mais no contato com os povos indígenas aqui, e em modo especial, com os kayapó. Embora não tenha possibilidade de ficar muito tempo com eles, porque minha agenda é carregada de compromissos, faço questão de ir às aldeias.

O relacionamento com eles é muito amistoso: inicialmente me chamavam de parente, mas, a última vez que estive lá, a mulher do cacique disse que era seu filho. Os políticos não entendem o trabalho da Igreja com os povos indígenas. Em 1965, um deles me disse: “A questão indígena estará resolvida dentro de 20 anos”, entendendo que, para ele, os índios iriam desaparecer. Mas, graças a Deus, aquela profecia não se realizou; ao contrário, os índios hoje aumentaram e se tornaram mais fortes. No Xingu, os índios aldeados são quase 4 mil. Mas, podemos calcular outros 2 mil ou mais, que moram na cidade. São, no total, 9 etnias”.