Justiça ordena despejo de ocupação em Belo Horizonte

Na tarde desta segunda-feira (8/6), a comissão jurídica da Ocupação Dandara foi informada de que o desembargador Tarcísio José Martins Costa cassou o recurso que suspendia a liminar de despejo da área. A medida permite que as cerca de mil famílias que residem no local há dois meses sejam despejadas pela Polícia Militar.

Segundo o advogado e professor da PUC-MG Dr. Fabio Alves dos Santos, a conduta do desembargador é no mínimo extravagante, e deixa dúvidas quanto a vários aspectos processuais. “Sobretudo sobre a fundamentação do Agravo de Instrumento e da própria liminar concedida pelo Desembargador Mota e Silva. Parece que ele (Tarcísio) simplesmente a desconsiderou. Por sua vez, a liminar de reintegração de posse concedida pelo juiz de primeira instância carecia de amparo nas disposições do Código de Processo Civil. Não somente no que diz respeito ao juízo competente, como no que tange à própria posse da Construtora Modelo.”

Para Joviano Mayer, das Brigadas Populares, que coordena a ocupação juntamente com o MST, houve ingerência da Construtora Modelo na decisão. “O Desembargador segurou o processo por dois meses não abrindo vistas nem mesmo para as contra-argumentações da construtora. E agora dá uma sentença dessas revendo a decisão de um colega. Nós conseguimos provar que não havia posse do terreno, que foi sempre abandonado, mas vai saber o que aconteceu nos bastidores nestes dois meses”.

Além disso, segundo Joviano, existe problemas quanto à competência da ação impetrada pela construtora. “Existe um agravo do Ministério Público Estadual questionando a competência, o que anularia o pedido da Construtora Modelo, mas este também foi solenemente ignorado”. “A justiça em Minas Gerais, conduzida sob os olhares e a voz do poderio econômico, está rasgando os códigos legais, atuando ao arrepio de todos os princípios do bom direito”.

O Desembargador Tarcísio José Martins Costa, de 67 anos, entrou na magistratura mineira em 1980, tendo atuado na Vara de Infância e Juventude defendendo ativamente os menores abandonados durante muitos anos, evitando sua criminalização. A sua decisão no caso Dandara vai na contramão de sua trajetória histórica, colocando na rua cerca de 800 crianças que não tem para onde ir, em tempos de crise financeira e desemprego.

Um histórico de abusos

A Ocupacao Dandara esta sendo organizada desde o ultimo dia 09 de abril, em um terreno de 40 hectares no bairro Céu Azul, região Norte de Belo Horizonte. Organizada pelo MST e Brigadas Populares, a ocupação começou com 150 famílias mas hoje conta com mais de mil acampadas e cerca de quinhentas em lista de espera. A ação tem como objetivo denunciar a falta de políticas públicas referentes ä moradia e reivindicar as Reformas Urbana e Agrária, como meios capazes de superar as desigualdades existentes na cidade e no campo.

A área ocupada foi reclamada pela Construtora Modelo, com sede em Belo Horizonte, que na petição inicial foi incapaz de comprovar a posse efetiva do terreno, se limitando a anexar um pretenso projeto de conjunto habitacional. Contudo, sob um olhar atento o mesmo demonstrava pertencer à outro terreno de situado em bairro distinto. Ainda em relação ao processo, figura em dúvida a origem da propriedade do terreno e a situação fiscal do mesmo.

No primeiro dia da ocupação, em que as famílias ainda estavam se instalando, a advogada Márcia Frois, representando a Modelo chegou a ameaçar as lideranças do movimento. Segundo ela o acesso da construtora à justiça seria “muito fácil, pois o meu marido é desembargador”. Ao longo destes dois meses as famílias têm sofrido constantes ameaças e pressões por parte da polícia militar, extrapolando muito de suas funções.

A comissão jurídica que acompanha a Dandara levantou o histórico da construtora, constatando que ela pertence ao mesmo grupo que através da COJAN deu calote em centenas de consumidores no mercado imobiliário na década de 80. O grupo trabalha com duas personalidades jurídicas, uma para construção e outra para venda dos imóveis. Na prática atuam conjuntamente a Construtora Modelo LTDA e a Lótus Empreendimentos e Participações S/A. Em consulta ao sistema do TJMG, é possível verificar que as duas juntas somam 2577 processos em aberto (comarcas de BH e Betim), entre execuções do poder público, despejos e outras ações em que figuram como autores e réus.

Pode-se constatar também alguns processos que chegaram até o STF, como o caso das cláusulas abusivas cobradas pela Lótus aos seus mutuários, retendo 75% do valor pago por estes em caso de inadimplência. Ou seja, a Lótus arrecadava (roubava) praticamente todo o montante já pago pelo imóvel, simplesmente porque alguém lhes atrasava o pagamento de uma boleta. A coordenação da ocupação acredita que pessoas capazes de manipular as condições legais de um contrato são também capazes de manipular a Justiça para fazer valer seus interesses.

(Texto do Blog da Ocupação Dandara)