Um ministro em fúria

Por Edélcio Vigna Dia desses vi na TV o ministro Reinhold Stephanes, da Agricultura, irado contra a declaração do presidente da República, que garantia que ia publicar o Decreto atualizando dos Índices de produtividade das propriedades agrícolas. Estranhei, pois em geral os ministros cumprem as determinações do Presidente e, quando há divergências, resolve-se no silêncio do gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto.

Por Edélcio Vigna

Dia desses vi na TV o ministro Reinhold Stephanes, da Agricultura, irado contra a declaração do presidente da República, que garantia que ia publicar o Decreto atualizando dos Índices de produtividade das propriedades agrícolas. Estranhei, pois em geral os ministros cumprem as determinações do Presidente e, quando há divergências, resolve-se no silêncio do gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto.

Não entendi porque o ministro estava tão irritado se afirmava ao jornalista que “o novo índice de produtividade para fins de Reforma Agrária deve afetar apenas de 4% a 5% dos municípios produtores”. Se afeta tão pouco, porque tanta irritabilidade?

O ministro Stephanes e presidente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Carlos Speroto, vociferavam contra o que chamavam de “o fim da agricultura no país!”. Mas, de que agricultura falavam? Do agronegócio é que não é! Este não produz alimentos. Produz açúcar, suco de laranja, café, algodão, soja, milho, avicultura (estufa de galinha) e carne bovina (produção extensiva que desmata e toma lugar dos alimentos). Tudo com apoio financeiro do governo.

A agricultura comercial tem um orçamento de R$ 92,5 bilhões para a safra 2009/2010. A agricultura familiar, que produz 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros (70% do feijão, 84% da mandioca, 54% da bovinocultura de leite, 49% do milho, 40% de aves e ovos, 5,8% da produção de suínos e toda produção hortifrutigranjeira), com R$ 15 bilhões.

O ministro, a Farsul e a Bancada Ruralista reconhecem o favorecimento do governo e agradecem. Assim como agradecem todos os anos a rolagem da dívida agrícola. Aliás, este é o jogo: agradecer, defender os interesses da oligarquia fundiária e utilizar o nome da agricultura familiar quando interessa.

Os grandes beneficiários dos recursos para a agricultura é igualmente os grandes devedores do Estado. Assim, não têm porque investir contra o Presidente da República que se comprometeu em editar o Decreto, com os índices atualizados que já estão defasados há mais de trinta anos!

Na verdade, não investem contra os índices, mas no que a sua atualização representa. Uma brecha para o avanço – pequeno, mas um avanço – do processo de reforma agrária no país. Com os novos índices haverá mais disponibilidade de terras para serem desapropriados na região Sul e Centro-Sul do país.

A irritação do ministro é simbólica. Simbolicamente real. Expressa a exasperação do patronato rural contra a petulância dos sem-terra. Contra o arrombamento legal da porteira que da para os terrenos baldios do campo. O Decreto não ameaça o poder do latifúndio. Mas, para nós que advogamos os direitos dos que estão do lado de fora da porteira, esta parece ser uma vingança da cerca. Da cerca que oculta a improdutividade de tantos barões de coisa nenhuma.

O decreto, senhor Presidente, é bem-vindo e merece o aplauso de todos/as que lutam contra as desigualdades e por uma nação democrática e com justiça social.

* Edélcio Vigna é assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) http://www.inesc.org.br/