A luta pela terra continua na Baixada Fluminense

Por Justiça Global

Do alto de um pequeno monte no município de Paracambi, na Baixada Fluminense, é possível avistar um extenso pedaço de terra sem plantação, animal ou vegetação nativa. São muitos quilômetros quadrados de mato. Entre os morros comidos pela erosão, um bambuzal se destaca. Dali, no dia 16 de agosto do corrente ano, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) retiraram a matéria-prima para levantar o acampamento Marli Pereira da Silva. Logo começaram a surgir as primeiras mudas de feijão e aipim, plantadas pelas cerca de 150 famílias de trabalhadores rurais acampadas. Na última quinta-feira, dia 17 de setembro, a pequena lavoura teve que ser abandonada. Representantes do proprietário da fazenda Rio Novo chegaram ao local acompanhados de policiais e de oficiais de justiça que traziam uma ordem de reintegração de posse expedida pela juíza Regina Coeli Formisano, da 6ª Vara Federal.

A negociação para a desocupação da área começou por volta de 7h30. A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) intermediou as conversas, que foram tensas. Os representantes do fazendeiro não aceitaram a proposta dos trabalhadores, que tentaram negociar um prazo para a saída. “Não tínhamos para onde ir e pedimos uma semana para encontrar um lugar que garantisse as mínimas condições aos idosos e às crianças, mas os representantes do proprietário foram intransigentes”, disse Elisangela Carvalho, integrante do MST e coordenadora do acampamento.

Trabalhadores negociam com advogado do proprietário

Por volta de 13h, os barracos de bambu e lona preta começaram a ser desarmados. Os poucos pertences dos trabalhadores foram retirados. No fim da tarde, um grupo organizado pelo proprietário entrou com tratores para limpar o terreno que havia sido desocupado e houve discussão quando os homens incendiaram os bambus dos trabalhadores que estavam do lado de fora. Já anoitecia quando as famílias se instalaram na beira da estrada, em um barracão coletivo que foi construído às pressas, à margem da propriedade.

O despejo sem um prazo adicional para a reorganização do acampamento gerou uma situação delicada. As crianças não puderam ir à escola, as pessoas não têm onde tomar banho e a água potável está acabando. “Vamos construindo a infra-estrutura aos poucos, na medida do possível. O maior problema é mesmo a falta d’água, mas exigimos da prefeitura de Paracambi uma solução, uma vez que é um direito nosso”, disse Elisangela. “O importante é não enfraquecer a mobilização, mas esse povo de luta não se cansa fácil.”

INCRA: “GRANDE PROPRIEDADE IMPRODUTIVA”

A Fazenda Rio Novo tem mais de 696,6 hectares, o que equivale a cerca de 700 campos de futebol com dimensão oficial. Em 2007, o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) vistoriou a área e atestou que a terra era improdutiva. O laudo expedido após a vistoria foi o que incentivou os trabalhadores a ocuparem a terra como forma de pressionar o Governo Federal e a Justiça para a desapropriação da fazenda. Durante a negociação do despejo desta quinta-feira, o advogado do proprietário insistiu que os trabalhadores estariam sendo enganados por representantes do INCRA e que o laudo era inválido. O advogado chegou a afirmar que o documento só existia porque o fazendeiro se negou a dar propina a fiscais do INCRA.

A afirmação gerou confusão. O representante do proprietário não sabia que Pablo Alves Pontes, Chefe do Serviço de Meio Ambiente e Recursos Naturais do INCRA, estava presente. “Ele vai ter que provar o que está falando. Isso é um desrespeito com um servidor público”, disse Pontes, que completou dizendo que o processo de desapropriação da área é válido e no momento se encontra na Diretoria de Obtenção de Terras e Implantação de Projetos de Assentamento do INCRA, em Brasília. “É um processo público, qualquer pessoa que for à sede do INCRA terá acesso aos autos.”

Pontes explicou que a fazenda Rio Novo ainda não foi desapropriada em função de um mandado de segurança pedido pelo proprietário da área, mas deixou claro: “Administrativamente, a questão da produtividade está encerrada: o imóvel é improdutivo, ao menos que o proprietário consiga trazer aos autos provas que mostrem um erro grave no processo.” Para Elisangela, o trâmite em Brasília está demorando mais do que deveria: “Por um lado,os órgãos do Governo – inclusive o INCRA – atuam sem agilidade e compromisso; por outro, a Justiça brasileira muitas vezes parece trabalhar na defesa explícita dos latifundiários”.

Elisangela Carvalho e o laudo do INCRA

Elisangela comentou que a improdutividade da fazenda é tão evidente que mesmo uma pessoa sem um conhecimento específico pode constatar a improdutividade da propriedade. O representante do INCRA ressaltou que todo o procedimento técnico e jurídico foi cumprido, e concordou que o cenário que se avistava do alto do acampamento Marli Pereira da Silva já denunciava a improdutividade da fazenda. “Tudo isso é pasto ‘sujo’ e os morros estão marcados por processos erosivos. Isto indica que o solo foi explorado de forma errada e depois abandonado, violando, inclusive, a legislação ambiental.”

A REFORMA AGRÁRIA NA BAIXADA

A Baixada Fluminense já teve um papel de protagonismo na luta pela reforma agrária e contra o latifúndio no Brasil. Na década de 1980, fazendas improdutivas foram desapropriadas em municípios como Nova Iguaçu e Queimados. Os pais de Elisangela participaram do acampamento Campo Alegre, que em 1984 resultou no assentamento de 600 famílias em Nova Iguaçu. “As pessoas têm que entender que a ocupação destas terras paradas por trabalhadores dispostos a produzir vai contribuir com o desenvolvimento e a qualidade de vida no município de Paracambi e em toda a região”, disse. “Estamos voltando a nos fortalecer. Esse resgate da luta pela terra na Baixada é fundamental.”