O MST e a luta pela redução da jornada

Por Vanderlei Martini*

Por Vanderlei Martini*

Historicamente, assim como foi a luta pelo sufrágio universal, pela garantia de direitos humanos fundamentais, em defesa dos direitos trabalhistas, a luta pela redução da jornada de trabalho sem redução dos salários tem sido uma bandeira árdua para a classe trabalhadora. Desde a gênese do movimento operário, em meados do século XVIII, na Inglaterra, esta bandeira vem sendo empunhada e defendida por aqueles e aquelas que sobrevivem da venda de sua força de trabalho. Neste período, os operários das minas e da nascente indústria tecelã trabalhavam 16 horas por dia. A primeira grande vitória da classe trabalhadora neste país foi a redução da jornada de trabalho para 10 horas por dia, em finais de 1847.

No Brasil, a primeira batalha neste campo ocorreu no final do século XIX, ou mais precisamente no ano de 1895. A primeira conquista veio com a Constituição de 1934, já na era Vargas, com a jornada de 8 horas diárias e 48 horas semanais. Com a efervescência do movimento operário no ABC paulista no final da década de 70 e início dos anos 80, novamente a bandeira era empunhada, e a Constituição de 1988 estipulou a redução de 48 para 44 horas semanais.

Desde 1995 tramitava no Congresso um projeto de redução da jornada para 40 horas semanais. Este projeto foi aprovado no dia 30 de junho deste ano, por uma comissão especial da Câmara. Mas a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ainda precisa ser aprovada na Câmara, para depois seguir para votação no Senado.

Ainda hoje os trabalhadores e trabalhadoras se encontram à mercê dos interesses de muitas empresas capitalistas que se negam a cumprir com a determinação do projeto. As alegações por parte dos capitalistas são as mesmas de outrora: dizem que os custos de produção aumentarão, que terão de demitir, contratar menos, baixar os salários…

Estes argumentos contradizem os dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que mostram que a carga de 40 horas semanais, seguida da manutenção do patamar salarial, significará um crescimento de apenas 1,99% no custo da produção. Ou seja, esta redução não acarretará grandes mudanças para a indústria e o capital de maneira geral. Ainda pelos cálculos do Dieese, a redução da jornada teria o impacto de gerar em torno de 2,2 milhões de novos postos de trabalho. Com o fim ou limitação das horas-extras, mais 1,2 milhões de novas vagas. Ou seja, pelo menos 3,4 milhões de novos empregos poderiam ser criados.

Entre o excesso e a falta

O velho Marx, em “Trabalho Assalariado e Capital”, escrito há 150 anos, já nos chama a atenção para a “questão trabalho”. Dizia ele: “a força de trabalho em ação, o trabalho, é a própria atividade vital do operário, a própria manifestação da sua vida. E é essa atividade vital que ele vende a um terceiro para se assegurar dos meios de vida necessários. A sua atividade vital é para ele, portanto, apenas um meio para poder existir. Trabalha para viver. Ele nem sequer considera o trabalho como parte da sua vida, é antes um sacrifício da sua vida…”

Este problema, de excesso de trabalho para uns e nada para outros, nos faz refletir e indagar: como esta problemática do desemprego, sobretudo nos grandes centros urbanos e as mortes por exaustão nos canaviais, não reflete nas consciências e nos ouvidos de nossos moucos governantes? Por que esta situação não serve de amálgama para as lutas da classe trabalhadora?

Neste momento histórico em que vivemos, em que estas questões objetivas estão colocadas, não deveríamos apenas ficar vendo “a banda passar”, mas sim construir um amplo movimento nacional, sobre esta bandeira, e impor ao Estado esta conquista. Não é compreensível, e chega a ser inadmissível que, em pleno século XXI, com as inúmeras revoluções tecnológicas que tivemos, com o avanço das forças produtivas e o desenvolvimento das técnicas, esta contradição – de um lado, milhares de seres humanos não terem como sobreviver de seu próprio trabalho, porque lhes é negado este direito, e de outro lado, centenas de pessoas que morrem por excesso de trabalho – perdure. Daí a relevância desta luta. Já é hora de o “ser” sobrepor-se ao “ter”. A redução da jornada vai permitir mais tempo livre para os trabalhadores.

No momento conjuntural em que vivemos, de lutas isoladas, sem grandes mobilizações populares, de massas apáticas e da carência de um projeto unitário que de fato atenda aos anseios da classe trabalhadora, sobra espaço para a valorização da pequena política, como diria Gramsci, o pensador italiano. Assim, o tema da redução da jornada de trabalho é cenário de grandes lutas, é terreno fértil da grande política, pois evidencia a contradição de classes que existe no seio da sociedade brasileira.

É o momento de começarmos a separar o joio do trigo. Trabalho não é sinônimo de capital, ao contrário, são pólos antagônicos que estão em luta constantemente. É o momento de o trabalho se sobrepor ao capital.

Já dissemos, sem sermos simplistas, que os problemas estruturais do Brasil se resolvem com medidas simples. Um exemplo cabal é a redução da jornada sem reduzir salários, pois com isso milhares de empregos seriam criados, já que seriam necessárias mais contratações para manter o mesmo nível de produção. Precisamos transformar o trabalho precarizado do Brasil em trabalho humanizado, ou seja, aquele trabalho que estimule a criatividade e o desenvolvimento das potencialidades humanas. Precisamos acabar com o trabalho escravo, com o trabalho infantil, com o desemprego e com as mortes por exaustão. Estes são ascos de nossos tempos.

Os trabalhadores e trabalhadoras do campo se juntam nesta luta, aliás, temos feitos várias lutas em conjunto com as centrais sindicais, e defendido, como camponeses trabalhadores que somos, esta bandeira tão importante para a classe. Acreditamos nas grandes lutas, na formação e na organização autônoma dos trabalhadores e trabalhadoras, como meio de conquistarmos mais esta vitória, que é uma necessidade da classe trabalhadora e uma possibilidade histórica neste primeiro decênio do século XXI. Por isso nos somamos à mobilização nacional no dia 11 de novembro, em Brasília, para pressionar o Estado a cumprir as demandas dos trabalhadores.

Viva a luta pela redução da jornada de trabalho sem redução dos salários!

*Vanderlei Martini é da coordenação nacional do MST. (Artgo publicado originalmente no Jornal Sem Terra nº 298)