CPT debate caminhos da Reforma Agrária no Brasil

Da CPT Reunidos em Goiânia (GO), cem participantes do Encontro Nacional de Formação da CPT, realizado entre 23 e 26 de novembro, debateram o tema "Uma nova conceituação de Reforma Agrária". Durante três dias, foram discutidos o processo histórico de Reforma Agrária feito até hoje e o que caberá daqui para a frente em um novo contexto sócio-político. A atividade foi assessorada por Carlos Walter Porto-Gonçalves, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), e pelo engenheiro agronônomo e assessor da Via Campesina Brasil Horácio Martins.

Da CPT

Reunidos em Goiânia (GO), cem participantes do Encontro Nacional de Formação da CPT, realizado entre 23 e 26 de novembro, debateram o tema “Uma nova conceituação de Reforma Agrária”.

Durante três dias, foram discutidos o processo histórico de Reforma Agrária feito até hoje e o que caberá daqui para a frente em um novo contexto sócio-político. A atividade foi assessorada por Carlos Walter Porto-Gonçalves, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), e pelo engenheiro agronônomo e assessor da Via Campesina Brasil Horácio Martins.

Ao final do encontro, os militantes divulgaram um documento em que refirmam seu compromisso com as lutas camponesas. “A Refroma Agrária está sendo desqualificada, quando não eliminada, da pauta das Reformas Estruturais indispensáveis ao nosso país”, denuncia o texto.

Leia abaixo o documento.

PARA OUTRA COMPREENSÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DA REFORMA AGRÁRIA

Os tempos que vivemos, no campo e nas cidades, nos convocam hoje a entender melhor esta época de mudanças. Novos conceitos e paradigmas marcam o nosso cotidiano com numerosas e grandes diferenças que nos deixam deslocados e perplexos. No meio destas mudanças, populações do campo e das cidades vêm sofrendo graves impactos e agressões convivendo com profundas incertezas diante do seu futuro e do planeta Terra.

Diante do poder destrutivo e devastador da expansão do capital, a Comissão Pastoral da Terra se coloca à escuta dos gritos que, na atual conjuntura, se unificam na histórica bandeira popular da Reforma Agrária. Ela está sendo desqualificada, quando não eliminada, da pauta das Reformas Estruturais indispensáveis ao nosso país.

Como nos anos 70, numa conjuntura de violenta expropriação dos pobres do campo, quando a CPT foi criada, hoje ela sente a responsabilidade de atentar aos atuais processos de violência expropriatória que estão sendo postos em prática. Não são isentos disso o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o IIRSA (Iniciativa de Integração Regional Sul Americana) a serviço dos que produzem para exportação, como os grandes latifúndios empresariais de monocultivo de cana, soja, eucalipto e outros e as mineradoras. Estas atividades, ao concentrarem o poder sobre a terra, a água e todos os bens naturais para a vida não só produzem essas e outras commodities como também produzem injustiças, exploração do trabalho em condições análogas ao trabalho escravo e crimes ambientais. Destroem a diversidade biológica, erodem solos e põem em risco o rico patrimônio de conhecimentos das populações nativas.

Assim sendo, assumimos a nossa responsabilidade como Comissão Pastoral da Terra e propomos uma profunda reflexão para a qual convidamos as igrejas, os camponeses e camponesas, os povos tradicionais (indígenas quilombolas, ribeirinhos…), os movimentos sociais e toda sociedade em geral para desencadear um movimento de “revalorização e ressignificação” da Reforma Agrária.

Temos a convicção que estamos vivendo um momento onde conceitos e valores estão sendo derrubados pela violenta expansão do capital, colocando em xeque a humanidade e o planeta Terra. Hoje ainda existem no mundo, cerca de 400 milhões de hectares de terras que podem ser aproveitados pela agricultura, a maior parte no Brasil. A expansão da agricultura no Brasil só ocorrerá, avançando-se sobre os biomas da Amazônia e Cerrado onde se encontra a maior biodiversidade do mundo e a maior quantidade de água doce disponível.

A maior parte das riquezas está sob o controle de empresas transnacionais, nacionais e do capital especulativo que provoca uma concentração territorial cada vez mais espoliadora sobre os camponeses e camponesas, as comunidades e as populações tradicionais e os deserdados do campo.

Continuam sendo de grande atualidade as palavras proféticas de Miquéias: “Ai daqueles que planejam a iniquidade praticam o mal porque o poder está em suas mãos. Cobiçam campos e os roubam, casas e as tomam; oprimem o homem e sua casa, o homem e sua herança (Miq 2,1-2)”.

Todas as propostas e programas apresentados até hoje para realização da Reforma Agrária – fruto, todos eles, das lutas e das reivindicações dos camponeses e camponesas, organizações e movimentos sociais do campo – não concretizaram os anseios e as demandas por terra e vida dos trabalhadores e trabalhadoras e do campesinato do nosso país.

O que tivemos foram desapropriações e assentamentos, inclusive incrementando as estatísticas com dados de regularizações fundiárias, que na maioria dos casos são programaticamente inviáveis. Criados com o específico objetivo de serem cooptados pela lógica do mercado, muitas vezes mostrados como exemplos negativos, para realçar o caráter benéfico e irreversível da grande pecuária e do agronegócio capitalista.

Reafirmamos a Missão da CPT de ficar à escuta atenta dos gritos, das esperanças e experiências bem sucedidas dos camponeses e camponesas do nosso país.

Celebramos a memória do testemunho dos e das mártires da terra e das lideranças indígenas, negras e camponesas que guiaram os povos da Pátria Grande em sonhos e lutas contra o colonialismo escravagista e expropriador. Interpela-nos a resistência dos povos originários e tradicionais, que nos indicam novos rumos para repensar a realidade da terra e dos territórios do Brasil.

O patrimônio ecumenicamente místico destes povos da Amazônia, do Cerrado, da Caatinga, da Mata Atlântica, do Pantanal e do Pampa, anima a caminhada para a construção de outros projetos que superarão criativamente aqueles até hoje construídos. Conseguir-se-á, então, enfrentar as ameaças do modelo civilizatório economicista e desenvolvimentista que está ameaçando a vida do planeta Terra.

Estes projetos requerem novas relações sociais, ecológicas, econômicas, de gênero e étnicas, e devem ser assumidos como uma outra posição frente à atual Reforma Agrária, além de se contrapor ao projeto dominante e à (ir)racionalidade do lucro que hegemoniza e coloniza o espaço e o tempo da vida.

Nós nos solidarizamos e caminhamos junto com os camponeses e camponesas que lutam contra o agro e hidronegócios e as mineradoras com todas as suas consequências, como o trabalho escravo, o desmatamento com suas carvoarias, a destruição de fontes e a poluição das águas entre outros. Na atual disputa entre os territórios camponeses e os territórios do capital, a desapropriação de latifúndios – mesmo quando considerados produtivos -, a retomada das imensas áreas griladas, o aproveitamento das terras públicas para a Reforma Agrária, e a definição de um limite para o tamanho da propriedade da terra, serão a oportunidade de avançar na territorialização e autonomia camponesa, no respeito e na valorização das diferentes campesinidades, possibilitando a produção de alimentos agroecólogicos, abundantes e sadios, garantindo a defesa da água e da biodiversidade, tão necessárias para o “bem viver”.

Neste contexto, a CPT aponta, também, para a urgência de denunciar todos os mecanismos que buscam cooptar e descaracterizar as comunidades tradicionais e os movimentos sociais do campo. Não são raros os assentamentos em que foram criadas associações burocráticas com o objetivo de receber e administrar recursos financeiros. Além de quebrar laços históricos de organização e solidariedade comunitária, este associativismo artificial provocou o atrelamento ao poder público, favoreceu a manipulação eleitoreira, facilitou o mau uso e o desvio de recursos e enfraqueceu a luta camponesa. Os assentados passaram a ser chamados de clientes ou beneficiários da reforma agrária, negando, assim, sua histórica resistência e luta.

É preciso resistir com firmeza diante das tentativas de atrelamento e de cooptação, e superar o corporativismo e a desunião para que possa, finalmente, ser implantada a reforma agrária que queremos.

Entendemos a Reforma Agrária como a reconquista dos territórios camponeses e a conquista de novos territórios, respeitando a diversidade, a cultura, a religiosidade, as etnias dos povos dos diferentes biomas brasileiros. Defendemos que a terra seja de fato daqueles e daquelas que nela vivem e trabalham, para que eles e elas possam reapropriar-se da natureza e decidir, com autonomia e respeito, sobre os seus territórios. Hoje, os povos tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhos…), os camponeses e camponesas são os guardiões do rico patrimônio de conhecimentos da terra, da água, das sementes, dos alimentos, enfim de toda a biodiversidade reafirmando um outro projeto de vida: a terra sem males.

A Comissão Pastoral da Terra reafirma seu compromisso de caminhar junto com as comunidades camponesas e os povos tradicionais para que se torne realidade o sonho do profeta Miquéias que nos acompanhou ao longo deste encontro:

“Cada um poderá sentar-se debaixo da sua videira e da sua figueira e não haverá mais quem os perturbe” (Mq 4,4).

Encontro Nacional de Formação da CPT,

23 a 26 de novembro de 2009, em Hidrolândia – GO