Mulheres do campo doam sangue em MT

Vanderléia da Silva Santos, 34 anos, casada, dois filhos, mora no pré-assentamento Keno, em Cláudia (a 620 quilômetros de Cuiabá). Ela foi a primeira a doar sangue no ato público realizado pelas mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Via Campesina e Movimento de Mulheres do Campo (MMC), na manhã desta segunda-feira (8/3), na praça da República, centro de Cuiabá.

Vanderléia da Silva Santos, 34 anos, casada, dois filhos, mora no pré-assentamento Keno, em Cláudia (a 620 quilômetros de Cuiabá). Ela foi a primeira a doar sangue no ato público realizado pelas mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Via Campesina e Movimento de Mulheres do Campo (MMC), na manhã desta segunda-feira (8/3), na praça da República, centro de Cuiabá.

“Com esse ato de doação e solidariedade, vamos poder ajudar a salvar algumas vidas”, disse Vanderléia, que cria galinhas na área onde espera pela posse definitiva da terra. Ela, que é padeira, planeja montar uma panificadora no local quando se fixar definitivamente.

O pré-assentamento onde Vanderléia mora leva o nome do Sem Terra assassinado em 21 de outubro de 2007, no Paraná, por uma milícia particular de mais de 40 pistoleiros que desmantelou a tiros o acampamento Terra Livre, montado em área de experiências com transgênicos, da Syngenta. Na violenta ação, Valmir Mota de Oliveira, o Keno, morreu e outros cinco Sem Terra sofreram ferimentos e foram levados ao hospital.

“Não somos pessoas violentas, essa é uma falsa idéia. Muitas de nós somos de famílias da zona rural, muitas de nós somos tímidas. Apesar disso não ficamos paradas, lutamos pelo nosso ideal de justiça”, explica Vanderléia. “Para haver reação, é porque chegamos ao nosso limite, passamos do nosso limite e não suportamos mais”.

Mídia ignora ato de solidariedade

Apesar do ato positivo, nenhum meio de comunicação compareceu ao evento para fazer a cobertura. Na luta por Reforma Agrária, essas mesmas mulheres costumam aparecer nos jornais e TVs sempre em situação de conflito, o que constrói uma imagem de agressividade.

Para Solange Serafim dos Santos, da coordenação estadual do MST, essa ausência tem um porquê. “Essa imprensa burguesa não aparece nesse momento bonito de luta, de luta solidária, quando estamos aqui para dar o exemplo de solidariedade. Só aparece para denegrir e criminalizar, porque atende só aos interesses do agronegócio e dos politiqueiros”.

A doação de sangue foi feita no ônibus de coleta do Hemocentro de Mato Grosso. A técnica em enfermagem Emerinda Feliciano informa que cada doadora respondeu a um questionário e só foram liberadas as menores de 18 anos, as que pesam menos de 50 quilos e as que já tiveram doenças como hepatite e hanseníase. As regras valem para todas as pessoas que se dispõem a doar sangue. “Essa ação é muito importante. O sangue é uma gota que ainda não se faz em laboratório”, explica Emerinda.

O ônibus coletor do Hemocentro fica na praça da República às segundas, quartas e sextas-feiras.

O ato das mulheres do campo pretende ser um estímulo para que outras mulheres e homens, do campo e da cidade, também doem sangue.

Vida melhor

Outra que doou sangue foi Elismar da Silva Santana, 32 anos. Ela tem três filhos e adotou também um enteado. Morava em Sinop (a 500 quilômetros de Cuiabá). Trabalhava como doméstica e o marido, serralheiro. “Trabalhava muito e o dinheiro não dava nem para alimentar direito minha família. Chegou a um ponto que adoeci. No hospital peguei atestado. Mas minha patroa me ligou e disse: ‘uma pessoa doente não me serve’. Chorei muito, fiquei muito magoada, muito sentida e humilhada. Não tinha carteira assinada; saí do emprego sem direito a nada. Juntei a família e há dois meses fomos morar na roça. Meu pai e minha mãe eram da roça, no Maranhão. Eu sei plantar de tudo: café, arroz, feijão. A vida vai melhorar”, afirma.

Na fila para doar sangue, Luzia Fernandes, 46, comentava que achou muito bonito esse ato de doar sangue. “Nunca doei, porque não tive oportunidade”, diz ela.

Itelvina Masioli, da coordenação nacional do MST, veio para o Encontro Estadual das Mulheres do Campo e participou do ato de hoje. Segundo ela, “a grande imprensa mostra apenas um lado do Movimento, descaracterizando nossos direitos, nossas lutas. Por isso, além de denunciar toda a situação de violência que vivemos, sob os efeitos do capitalismo, do patriarcado e do agronegócio, resolvemos doar sangue, para reforçar que somos solidárias. Sangue é vida e queremos salvar vidas”. Itelvina lembra que a luta do MST é por soberania alimentar e vida. “O agronegócio não produz alimento saudável, produz veneno. Então, vamos ficar até quando comendo veneno, ingerindo doença?” – questiona.

Doar sangue, para Inácio Werner, do Centro Burnier Fé e Justiça, é a demonstração de um compromisso social que o MST tem com a humanidade.

A professora Marli Keller, do Sindicato dos Professores do Estado de Mato Grosso (Sintep-MT), deu parabéns a todas as mulheres que resistem, apesar das pressões. E pediu salva de palmas para Zilda Arns, pelo trabalho dela contra a fome, e Maria da Penha, por ter inspirado a Lei que pune a violência contra a mulher.

Emocionada, Carmen Silva, da Economia Solidária, homenageou a própria mãe, que faleceu há seis meses. “Ela era uma guerreira e me ensinou a nunca desanimar diante dos desafios”.

(Texto e fotos de Keka Werneck)