Mulheres do campo e da cidade acampam na Assembléia Legislativa de MG

Mulheres da Via Campesina e dos movimentos urbanos de Minas Gerais, Marcha Mundial de Mulheres, Assembléia Popular e Brigadas Populares estão acampadas na praça da Assembléia Legislativa,seu espaço por direito. Durante os dias 6, 7 e 8 , 500 mulheres se mobilizam para denunciar a situação de opressão em que vivemos por causa do agronegócio, da violência, do machismo, da criminalização e acima de tudo do sistema capitalista.

Mulheres da Via Campesina e dos movimentos urbanos de Minas Gerais, Marcha Mundial de Mulheres, Assembléia Popular e Brigadas Populares estão acampadas na praça da Assembléia Legislativa,seu espaço por direito. Durante os dias 6, 7 e 8 , 500 mulheres se mobilizam para denunciar a situação de opressão em que vivemos por causa do agronegócio, da violência, do machismo, da criminalização e acima de tudo do sistema capitalista.

Neste oito de março, querem dialogar com a sociedade, estar junto à cidade para denunciar as mazelas que o sistema capitalista tem trazido para os povos, para a natureza, e em especial para a vida das mulheres.

Confira abaixo o manifesto das mulheres acampadas:

CARTA ABERTA AS MULHERES DO POVO

Nós mulheres da Via Campesina e dos movimentos urbanos de Minas Gerais, Marcha Mundial de Mulheres, Assembléia Popular e Brigadas Populares viemos nos 100 anos do 8 de março acampar na praça da Assembléia Legislativa, ocupando as praças e as ruas que são o nosso espaço por direito. Através das nossas palavras, falam as mães, esposas, filhas, avós; a quem falta terra, moradia, saúde, alimentação, educação. A quem falta tudo, menos a vontade de nos libertarmos da situação de opressão em que vivemos. Por isso denunciamos o latifúndio, o agronegócio, a violência, o machismo e acima de tudo o capitalismo.

O sistema capitalista, o latifúndio e o agronegócio são culpados sim!
Esse modelo é culpado por não termos terra pra cultivar, sementes pra plantar, comida pras crianças e termos que voltar pra casa de cabeça baixa por não conseguirmos emprego, mais uma vez.

Pro latifúndio não importa se a produção é comida ou mesmo eucalipto. Eucalipto tem outro nome pro agronegócio, tem nome de dinheiro. Dinheiro que são as enormes plantações de café, soja, cana, gado, eucalipto, cada um num canto do nosso país, mas todos com o mesmo objetivo: produzir mais lucro, independente do quanto isso custa.
E custa muito, ah, como custa!

Custa as nossas riquezas naturais, como as florestas e os minérios, enviados para fora do país e nos colocando sempre na posição de exportadores de recursos. Custa o nosso acesso
à saúde, á educação de qualidade, pois o governo e a justiça preferem ficar do lado desse lucro privado ao invés de defender os direitos humanos. E acima de tudo custa a nossa vida. São as mulheres quem principalmente produz e prepara o alimento, seja no campo ou na cidade. O alimento envenenado dos grandes latifúndios prejudica a mulher que trabalha com o veneno espalhando pela plantação; prejudica a pequena camponesa, que vê sua colheita morrendo quando não usa os pesticidas; prejudica a mulher da cidade, que vai as compras e não tem nenhuma opção diferente do que comprar um alimento envenenado, e com isso alimentar a si mesmas e as suas famílias. Hoje, até o leite das mães é envenenado.

Os mesmos donos da terra são também donos das fábricas que produzem o agrotóxico que se joga na plantação e das sementes transgênicas. São eles também os responsáveis por embalar os alimentos com um outro tipo de veneno, que eles dão o nome de conservantes. Ou seja, controlam toda a produção e comercialização dos alimentos que comemos. São cerca de 40 empresas transnacionais que controlam toda a produção e comércio agrícola do mundo, como o a Nestlé, a Sadia e grandes redes de supermercado como o Carrefour e o Extra. O Brasil é o país que mais consome veneno no mundo, chega a 7 Kg por pessoa ao ano. Com esse alimento contaminado que vendem, as empresas passam a trabalhar em mais um ramo do mercado: a indústria farmacêutica, que se aproveita para vender mais remédios e cosméticos, como quem vende a felicidade e a aceitação, impondo dietas e padrões de beleza que somente oprimem as mulheres.

As cidades reproduzem o mesmo padrão conservador e concentrador do campo. Neste sentido, a Reforma Urbana Popular propõe a reformulação das cidades, para que na mesma caibam todas e todos. Moradia, transporte, saneamento, equipamentos públicos (escolas, postos de saúde, centros culturais, etc) são necessidades que ainda não foram satisfeitas nas grandes cidades brasileiras.

O capitalismo e o machismo são um crime sim!
Crimes pois tratam a mulher como um ser invisível, como se ela não fosse também responsável por produzir a riqueza do Brasil. Não se nasce mulher, torna-se! E não é só nossa a responsabilidade de cuidarmos da casa, dos filhos, dos doentes. É de toda a sociedade, de todos os companheiros! O que o capitalismo e o machismo fazem, é dar como naturais uma série de tarefas para as mulheres, como o cuidado com a roupa de trabalho do marido. Ao invés do patrão e do latifundiário pagarem pela comida e pela saúde dos seus funcionários, o que eles fazem é fingir que nada disso é necessário. Como se a comida se fizesse sozinha e os doentes melhorassem sem cuidados! Esquecem que quem faz a comida é a esposa, que antes dela mesma ir trabalhar, tem que acordar ainda mais cedo pra preparar a marmita da família. O machismo também é um crime quando força as mulheres a serem a esposa e mãe prendadas que foram as nossas avós, tirando das próprias mulheres o direito a viverem o amor nas suas mais diversas formas, e quando elas assim o desejarem. Por isso, não basta lutarmos contra o capitalismo que maltrata toda a nossa classe. Precisamos lutar também contra o machismo e a opressão do homem sobre a mulher. Nada, absolutamente nada, justifica a violência doméstica. Uma bebedeira, um feijão queimado, o não desejo sexual – nada disso é motivo pra que um homem levante a mão em direção a uma mulher, seja ela sua esposa, sua filha, namorada ou uma desconhecida. E nós, mulheres, quando presenciarmos uma situação de violência contra a mulher, vamos meter a colher, vamos denunciar!

E somos nós as criminosas? Não!!!!!!!!!
A criminalização da pobreza existe no campo e nas cidades. O Estado revista, sentencia, prende, tortura, humilha e mata em seu esforço de conter a pobreza dentro das favelas e proteger os ricos. Dão a isso o nome de manutenção da ordem, mas na verdade mantêm o controle social, encarcerando os movimentos populares, a juventude, as não-consumidoras, as desempregadas, as que abortam ou aquelas que ousam levantar a voz contra a exploração e opressão. Não somos criminosas ou preguiçosas. Nosso maior orgulho é mostrar o fruto do nosso trabalho. O que Estado e a mídia querem é criar as condições legais e, se possível, legítimas perante a sociedade para impedir que a classe trabalhadora tenha conquistas econômicas e políticas; para restringir, diminuir ou dificultar o acesso as políticas públicas; isolar e desmoralizar os movimentos sociais junto à sociedade e, por fim, criar as condições legais para a repressão física aos movimentos sociais.

Erguemos nossos punhos de luta, nossos filhos, os alimentos que produzimos, nosso estudo, nosso trabalho. Estamos em luta, mulheres do campo e da cidade, pois sabemos que somente será possível a mudança, com a mobilização de todo o povo organizado, e por isso seguimos lutando até que nenhuma mulher trabalhadora seja vítima das injustiças do capital. Até que todas nós sejamos livres.
8 de março de 2010 – Via Campesina e Parceiros

“A primeira provocação ela aguentou calada. Na verdade, gritou e esperneou. Mas todos os bebês fazem assim, mesmo os que nascem em maternidade, ajudados por especialistas. E não como ela, numa toca, aparada só pelo chão.
A segunda provocação foi a alimentação que lhe deram, depois do leite da mãe. Uma porcaria. Não reclamou porque não era disso. Outra provocação foi perder a metade dos seus dez irmãos, por doença e falta de medicamento. Não gostou nada daquilo. Mas ficou firme. Era de boa paz. Foram provocando por toda a vida.
Não pôde ir à escola porque tinha que ajudar na roça. Tudo bem, ela gostava de roça. Mas aí lhe tiraram a roça. Na cidade, para onde teve que ir com a família, era provocação de tudo que era lado. Resistiu a todas. Morar em barraco. Depois perder o barraco, que estava onde não podia estar. Ir para um barraco pior. Ficou firme, firme. Queria um emprego, só conseguiu um subemprego. Queria casar, conseguiu uma submarido. Tiveram subfilhos. Subnutridos. Os que morriam eram substituídos por outros.
Estavam provocando. Gostava da roça. O negócio dela era a roça. Queria voltar pra roça. Ouvira falar de uma tal de reforma agrária. Não sabia bem o que era. Parece que a idéia era lhe dar uma terrinha. Se não era outra provocação, era uma boa. Terra era o que não faltava. Passou anos ouvindo falar em reforma agrária. Em voltar à terra. Em ter a terra que nunca tivera. Amanhã. No próximo ano. No próximo governo. Concluiu que era provocação. Mais uma.
Finalmente ouviu dizer que desta vez a reforma agrária vinha mesmo. Pra valer. Garantida. Se animou. Se mobilizou. Pegou a enxada e foi brigar pelo que pudesse conseguir. Estava disposta a aceitar qualquer coisa. Só não estava mais disposta a aceitar provocação. Aí ouviu que a reforma agrária não era bem assim. Talvez amanhã. Talvez no próximo ano… Então protestou. Na décima milésima provocação, reagiu. E ouviu, espantada, as pessoas dizerem, horrorizadas com ela: Violência não!”.

Autor desconhecido