Ex-fabricante de suco de laranja denuncia Cutrale por formação de cartel

Ex-empresário do setor de suco de laranja, Dino Tofini, 72, decidiu revelar como surgiu e como operava o cartel da indústria de suco de laranja do qual participou e que ajudou a montar no início da década de 90. A suposta prática de cartel está sob investigação da SDE (Secretaria de Direito Econômico) desde 2006, quando os fabricantes de suco foram alvo da operação Fanta, feita por policiais e técnicos da secretaria. Ex-dono da CTM Citrus, Tofini afirma que ganhou muito dinheiro com a combinação de preços para a compra da laranja e também para a venda do suco no mercado internacional.

Ex-empresário do setor de suco de laranja, Dino Tofini, 72, decidiu revelar como surgiu e como operava o cartel da indústria de suco de laranja do qual participou e que ajudou a montar no início da década de 90.

A suposta prática de cartel está sob investigação da SDE (Secretaria de Direito Econômico) desde 2006, quando os fabricantes de suco foram alvo da operação Fanta, feita por policiais e técnicos da secretaria.

Ex-dono da CTM Citrus, Tofini afirma que ganhou muito dinheiro com a combinação de preços para a compra da laranja e também para a venda do suco no mercado internacional.

A reportagem e a entrevista são de Fátima Fernandes e Cláudia Rolli e publicadas pelo jornal Folha de S. Paulo nesta segunda-feira (15/3).

Ele afirma, porém, que acabou vítima do próprio cartel. Após vender a CTM e sofrer um AVC (Acidente Vascular Cerebral), Tofini se dedicou à produção de laranja em Araraquara (SP). A fruta era entregue à Cargill, por meio de contrato firmado nos anos 90.

A interrupção do contrato por conta de desentendimentos em relação ao preço da laranja levou Tofini a sair do negócio. Hoje, é plantador de cana-de-açúcar em uma área de 400 alqueires. Move uma ação contra a Cargill e pede indenização milionária.

“Já fui milionário. Hoje não sou mais, mas vou voltar a ser. Vou ganhar a ação contra a Cargill”, diz Tofini, que chegou a ser grande exportador de suco de laranja.

Eis a entrevista.

Quem teve a ideia de formar e quando começou o cartel na indústria de suco de laranja?

A ideia foi do José Luis Cutrale [sócio-proprietário da Cutrale] no início da década de 90. Ele chamou as indústrias do setor para fazer uma composição, com o objetivo de comprar a laranja por um preço mais acessível para a indústria. Era um negócio cruel.

Qual era o objetivo?

Era jogar todo o ônus possível do negócio para o agricultor, permitir a compra da matéria-prima em condições que o cartel determinasse. O problema foi tão sério que matou a citricultura paulista.

Quem participava das reuniões para tratar do cartel?

Só os donos das empresas ou os executivos mais importantes, os seniores.

Onde eram as reuniões?

Na Abecitrus, que era a associação do setor, e comandada por Ademerval Garcia. A capacidade de moagem dessas indústrias era três a quatro vezes maior do que a capacidade da safra brasileira. A Citrosuco sozinha era capaz de moer um terço da safra brasileira, de 300 milhões de caixas por ano. Era e ainda é um negócio gigante, de bilhões de dólares.

Como foi feito o acerto?

Nós nos reuníamos todas as quartas-feiras e aí decidíamos quem ia comprar de quem, de qual produtor. Cada indústria tinha o seu quintal. Dividimos o Estado de São Paulo em vários quintais e ninguém podia se meter no quintal do outro. O quintal da Cutrale era praticamente todo o Estado. A Citrovita ficava mais com a região de Matão. Nós, com a região de Limeira. O meu quintal tinha cerca de 250 a 300 citricultores. O combinado, na época, era pagar US$ 3,20 pela caixa de laranja (40,8 quilos).

Esse acerto de divisão de produtores era colocado no papel?

Não, era verbal. E quem não respeitava o quintal do vizinho sofria represálias.

Qual era a represália feita a quem não quisesse participar do suposto cartel?

Levantar o preço da fruta a níveis absurdos para que o empresário [indústria] não pudesse comprar a laranja.

O sr. concordou com essa prática na época?

Não só concordei como também trabalhei a favor, porque era muito interessante para mim como industrial.

Quanto o sr. ganhou com o suposto cartel no setor?

O que ganhei foi a disponibilidade de ter o produto. A minha empresa na época foi beneficiada, sim. Se eu não cumprisse o acordo, teria que brigar com o Cutrale, por exemplo. Eu oferecia um preço para o produtor, e ele oferecia mais, era uma guerra total.

O sr. acha que as indústrias que participaram do suposto cartel devem ser punidas?

É justo que elas sejam punidas. O cartel precisa acabar em benefício do Brasil, se é que ainda há tempo para isso.

O cartel existe até hoje?

O cartel permanece até hoje, não há dúvida. Não tem mais as tradicionais reuniões às quartas-feiras, mas eles se falam às quintas-feiras, às sextas-feiras. Eles se falam muito, o conceito do cartel se mantém vivo, já está incutido no sistema da indústria de suco.

Como o sr. sabe disso, já que não está mais no setor?

Depois que vendi a empresa, nós continuamos com a produção de laranja. Tínhamos contrato com a Cargill e foi interrompido justamente por discordar de preços que a empresa queria nos pagar. Tive de refazer contrato para vender a laranja por preço menor e engolir o prejuízo. Essa situação resultou em uma ação que movemos hoje contra a Cargill.

O suposto cartel também ocorria para definir preços para a venda do suco no exterior?

Sim, o cartel atuava tanto no mercado interno como no externo. A venda do suco lá fora era só para quem o cartel quisesse. Eles faturam horrores na Bolsa Mercantil de Nova York porque o cartel tem todas as informações. Quando o preço cai, eles retiram 800 mil toneladas de suco do mercado e os preços voltam a subir.

A SDE investiga o setor desde 2006, quando houve a operação Fanta [técnicos da SDE e policiais federais cumpriram mandado de busca e apreensão de documentos em indústrias de suco de laranja]. Há demora nas investigações?

Acho que as investigações estão caminhando tanto que os Cutrale já nem moram mais no Brasil.
As indústrias de suco têm “offshore” (empresa que funciona em paraíso fiscal) fora do Brasil?
Todos os fabricantes de suco têm “offshore” para administrar os recursos financeiros que sobram. Uma empresa não consegue trabalhar no mercado externo sem ter estrutura interna. Essas indústrias têm bilhões de dólares lá fora.

O Ministério Público de SP enviou documento ao Departamento de Justiça americano para que os EUA também investiguem as empresas que exportam suco para lá. Eles devem investigar o setor?

Devem e vão abrir uma auditoria, tenho certeza. E isso vai “embananar” todo o setor no país. O Brasil será punido.