“Não se pode protelar mais a realização de uma profunda Reforma Agrária em nosso país”

A desconcentração da propriedade da terra aumentará a produção de alimentos e empregos Por Antonio Canuto Secretário da Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) O modelo hegemônico de desenvolvimento, subordinado ao capital, tem como uma das suas principais características o ser concentrador. Concentrador da posse e propriedade da terra, das riquezas e do poder. E hoje, está em curso um processo de concentração dos saberes, da tecnologia e da ciência.

A desconcentração da propriedade da terra aumentará a produção de alimentos e empregos

Por Antonio Canuto

Secretário da Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT)

O modelo hegemônico de desenvolvimento, subordinado ao capital, tem como uma das suas principais características o ser concentrador. Concentrador da posse e propriedade da terra, das riquezas e do poder. E hoje, está em curso um processo de concentração dos saberes, da tecnologia e da ciência.

A histórica concentração da propriedade da terra ganha novos contornos e dimensões. Os novos papéis atribuídos ao Brasil – de abastecedor do etanol às frotas automobilísticas do mundo, de provedor de matéria-prima mineral à expansão asiática e de fornecedor de rações e de carnes bovina, de aves e suína – fizeram o país praticamente manter os altíssimos índices de concentração fundiária que teima em exibir.

Segundo o Censo Agropecuário do IBGE de 2006, o índice de Gini da concentração fundiária passou de 0,856 em 1996, para 0,854 em 2006. A distribuição das terras continua revelando esta concentração, pois, do total de estabelecimentos agropecuários, 84,4% (4.367.502) são estabelecimentos familiares, sendo os restantes 15,6% (807.587) empresariais. Estes ocupam 75,7% de toda a área, enquanto os 84,4% dos estabelecimentos familiares ocupam apenas 24.3% da área. Apenas 15 mil estabelecimentos com mais de 2.500 hectares apropriaram-se de 98 milhões de hectares das terras brasileiras.

Mas o modelo de desenvolvimento em curso no país não é só concentrador da propriedade da terra; busca concentrar e controlar todo o ciclo da produção agrícola brasileira, desde as sementes – muitas já geneticamente modificadas (transgênicas) – passando pela venda dos produtos químicos a elas associadas, como fertilizantes e defensivos agrícolas, e o monopólio da comercialização da produção – deixando os agricultores, sobretudo os pequenos, em total dependência.

Sob sua capa, o agronegócio quer concentrar a totalidade da produção dos alimentos em nosso país. Mas, na realidade, quem coloca a comida na mesa do povo brasileiro é a agricultura camponesa e familiar, responsável pela produção de 87% da mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 58% do leite, 59% dos suínos e 50% das aves.

O agronegócio quer se fazer passar também como responsável pela geração dos empregos no campo. Os dados do Censo agropecuário desmentem este discurso. Mostram que 74,4% do pessoal ocupado no campo vive nas pequenas propriedades, são 12 milhões e trezentas mil pessoas. Só 25,6% é empregado nas grandes propriedades, quatro milhões e duzentas mil pessoas. Na agricultura camponesa, em cada 100 hectares, trabalham 15 pessoas. No agronegócio, cada 100 hectares empregam apenas duas pessoas.

Diante desta realidade, algumas medidas teriam de ser tomadas com urgência.

Não se pode protelar mais a realização de uma profunda Reforma Agrária em nosso país, entendida como a reconquista dos territórios camponeses violentamente tomados pela colonização e pelo avanço do capital e a conquista de novos territórios, respeitando a diversidade, a cultura, a religiosidade, as etnias dos povos dos diferentes biomas brasileiros. A terra tem que ser daqueles e daquelas que nela vivem e trabalham, para que eles e elas possam se reapropriar da natureza e decidir, com autonomia e respeito, sobre os seus territórios.

A demarcação dos territórios indígenas, quilombolas e de áreas comunitárias como as de “fundo de pasto” e faxinais, deve ser feita sem mais delongas para garantir que os direitos destas comunidades sejam assegurados, conforme determina a Constituição Brasileira. Ao mesmo tempo, deve-se garantir às comunidades de ribeirinhos o uso e usufruto dos lagos comunitários na Amazônia, impedindo a pesca comercial predatória em suas águas e aos pescadores no litoral o uso e usufruto dos mangues, garantindo a preservação da biodiversidade ali existente.

Para garantir o acesso à terra aos povos e comunidades que vivem da terra, e a centenas de milhares de famílias camponesas sem terra é necessário estabelecer um limite para a propriedade da terra. Com isso se democratizará o acesso a terra, combater-se-á a grilagem e as famílias sem terra serão assentadas, trazendo um sopro de esperança para quem vive acampado à beira de estradas em condições insalubres e humilhantes.

Por isso, nós reafirmamos: Viva a luta pela Reforma Agrária! Lutar não é crime!