À indignação do menino irreverente

Maria Gorete Sousa Escola Nacional Florestan Fernandes QUATORZE ANOS do Massacre de Eldorado Carajás. Para muitos brasileiros, já não resta senão a memória esgarçada de mais uma violência do Estado num longínquo passado distante. Para os militantes do MST, o massacre grudou na nossa alma, entranhou na nossa carne e passou a fazer parte da nossa vida cotidiana. [img_assist|nid=9548|title=Oziel Alves|desc=|link=none|align=left|width=640|height=470]

Maria Gorete Sousa
Escola Nacional Florestan Fernandes

QUATORZE ANOS do Massacre de Eldorado Carajás. Para muitos brasileiros, já não resta senão a memória esgarçada de mais uma violência do Estado num longínquo passado distante. Para os militantes do MST, o massacre grudou na nossa alma, entranhou na nossa carne e passou a fazer parte da nossa vida cotidiana.

[img_assist|nid=9548|title=Oziel Alves|desc=|link=none|align=left|width=640|height=470]

Renasce a cada dia, na continuidade da nossa luta por justiça social e por Reforma Agrária Popular. Presente, sempre presente, nunca passado – é assim que ele se apresenta na nossa mística revolucionária.

“Viva o MST!”: a saudação, tantas vezes pronunciada em tão diferentes contextos, nas nossas mobilizações, místicas, nos nossos encontros, nos cursos, nas assembléias dos acampamentos, nas escolas dos assentamentos, nos faz lembrar Oziel. Foram estas as suas últimas palavras antes de ser brutalmente assassinado pela Polícia Militar do Estado do Pará.

Aqueles que tivemos o privilégio de conviver com este jovem de 18 anos, com seu belo sorriso e tantos planos para o futuro, não podemos esquecêlo. Como bem dizia o poeta, se esquecermos “a canção se torna cinzas…”. Com o vigor da sua juventude e o ânimo dos seus ideais, era ele quem gritava, alto e bom som: “lutamos porque somos militantes desta vida!”.

Mais uma vida ceifada pela violência do Estado burguês. Mais um futuro interrompido pela brutalidade de uma sociedade que ele gostaria de ver modificada, como ele mesmo diz em uma das suas cartas: “eu descobri que o fundamental na vida é lutar por um mundo melhor; eu descobri que o fundamental é conscientizar o povo (…)”.

Como foi que este jovem entrou na luta? Seus pais passaram a fazer parte de um acampamento na região de Parauapebas. Como tantas famílias pobres do nosso país, também a sua migrou de um lugar para outro em busca de uma vida melhor. E encontrou no MST a possibilidade de ter a terra para produzir alimentos, de ter uma casa e de começar a sonhar com uma vida digna para todos.

Mas a questão agrária no Brasil é constituída por uma enorme sequência histórica de injustiças, de exclusões, de expulsões e de escandalosa concentração de terras. É o Brasil das desigualdades sociais, muitas delas assentadas na contradição secular entre latifúndio, de um lado, e os Sem Terra, de outro. Por quê? Eis a pergunta constante na vida de Oziel!

A região amazônica está marcada pela concentração fundiária e pela violência. Foi onde lutaram os guerrilheiros do Araguaia e até hoje não sabemos o destino dos seus corpos, profanados pela crueldade dos donos do poder.

Foi onde foram imolados Oziel e os seus 18 companheiros assassinados na curva do S, em Eldorado do Carajás, no dia 17 de abril de 1996. A história se repete, repleta das mesmas injustiças, e os responsáveis por essa cruel atrocidade continuam em liberdade.

No contexto atual, a região amazônica está no centro da disputa do grande capital. Por isso mesmo continuam acirrados os conflitos agrários, a violência no campo e a concentração de terras nas mãos das empresas do agronegócio.

“Existem dois projetos em jogo, isto já está claro” – canções como esta que Oziel cantava continuam plenamente atuais, e ainda nos chamam a atenção quando passamos pelas estradas que nos levam à curva do S, como também em tantas outras estradas, cuja paisagem revela as mesmas profundas desigualdades.

Para enfrentá-las, Oziel munia-se de sonhos, de muita alegria, e cantava: “socialismo, essa idéia não pode parar”. Apaixonado pela história de Zumbi, se identificava com a sua luta contra as injustiças e os preconceitos. Às vezes, sua forma irreverente, contestadora, de luta, gerava enfrentamentos e debates calorosos.

Oziel queria saber qual homem novo queremos construir e como vamos construi-lo. Queria que o futuro À indignação do menino irreverente nos trouxesse a Reforma Agrária e o socialismo, e sabia que precisava se preparar para enfrentar o desafio. Tinha planos de estudar. Pretendia
terminar o Ensino Médio e fazer um curso de formação política do MST.

Que legado nos deixa sua história de vida? Certamente, e em primeiro lugar, o seu amor pela vida; o seu respeito pela família; o seu carinho pelas crianças; a sua ternura de menino corajoso e irreverente; a sua solidariedade; a sua intransigência na luta contra as injustiças, quaisquer que fossem. E acima de tudo, o seu desejo de uma vida feliz e justa para todos nós.

Oziel: presente! Viva o MST!