A terra como direito fundamental

Por Tiago Delácio de Oliveira* A luta do MST é legítima e necessária, pois coloca o dedo em uma ferida infelizmente ainda não cicatrizada: a disputa por terra. É legítima porque homens, mulheres e crianças que vivem e morrem no campo ocupam o espaço onde trabalham. É necessária porque a distribuição das terras é imprescindível para o desenvolvimento agrícola e para a redução do êxodo e da favelização urbana.

Por Tiago Delácio de Oliveira*

A luta do MST é legítima e necessária, pois coloca o dedo em uma ferida infelizmente ainda não cicatrizada: a disputa por terra. É legítima porque homens, mulheres e crianças que vivem e
morrem no campo ocupam o espaço onde trabalham. É necessária porque a distribuição das terras é imprescindível para o desenvolvimento agrícola e para a redução do êxodo e da favelização urbana.

A criminalização do Movimento – que os meios de comunicação publicizam – faz parte de uma campanha suja e autoritária imposta por parte da elite brasileira. O remédio que querem aplicar será sem pedir licença e por goela abaixo, e a melhor forma de aplicá-lo é convencer o paciente de que ele está moribundo. A imprensa utiliza-se de sua objetividade linguística na terceira pessoa do singular para expressar suas fórmulas e direcionamentos políticos, principalmente em ano eleitoral, a opinião pública “emite” pelos jornais e noticiários seus desejos. O poder midiático – ao assumir a decisão de escolha da
sociedade – impõe a subsunção da verdade a meias verdades e a mentiras descaradas e relembra os períodos de totalitarismo que propiciou o nazismo e a ditadura brasileira.

Em editorial, o Jornal do Commércio (Pernambuco, 22 de abril de 2010), data que coincidentemente marca 510 anos da chegada dos portugueses ao Brasil, exortou mais um “crime” cometido pelo MST: a paralisação da Av. Norte e da Abdias de Carvalho. Tipificaram mais um crime no Código Penal: aquele que luta pelos seus direitos e denuncia a exploração no campo comete um ato ilícito. Rui Barbosa já reconhecia: “acabar com a escravidão não basta. É preciso acabar com a obra da escravidão”. Esse
ranço escravocrata da elite pernambucana prefere um trabalhador submisso e analfabeto em todos os setores sociais. As empregadas domésticas são mucamas e as donas de grifes foram as sinhás da Casa Grande, os escravos estão espalhados nas obras de construção civil, no corte da cana das usinas, na juventude sem emprego e sem perspectivas.

Em um dos parágrafos do editorial, o Jornal diz que “a linha de confronto adotada pelo MST encontra reações que põe em xeque o movimento. Ruralistas de São Paulo promoveram o abril verde, com
palestras sobre a reforma agrária e o Código Florestal”. Ora, os ruralistas não irão limpar 510 anos de exploração do povo brasileiro com um workshop sobre a história do feijão. As mobilizações do MST ou
de qualquer outra organização social possuem garantia constitucional já que todos podem reunir-se em locais abertos ao público, independentemente de autorização, explicitado no art. 5º, XVI, da
Constituição Federal.

O Abril Vermelho relembra o massacre do Eldorado dos Carajás, quando 19 trabalhadores foram covardemente assassinados pela Polícia Militar do Pará, financiada pela empresa Vale do Rio Doce e que a partir desta barbárie o mundo tomou ciência da guerra rural travada entre os trabalhadores e os latifundiários no interior do país. Aquele 17 de abril de 1996, no governo FHC, ficou marcado em todo calendário brasileiro como o desrespeito à principal lei, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, que tem, entre os princípios fundamentais, o da dignidade da pessoa humana e o do direito social à moradia e ao trabalho, que devem preponderar sobre o direito de propriedade, que não é absoluto, mas sim exige um fim social para ratificar os objetivos cravados no art. 3º, como construir
uma sociedade livre, justa e, sobretudo, solidária. Esse fim social, segundo o art. 186, deve atender ao aproveitamento racional e adequado da propriedade, dos recursos naturais e do meio ambiente, bem como da observância e do respeito às relações de trabalho e bem-estar. Segundo o constitucionalista Walber Agra, a propriedade tem sentido polissêmico, variando de acordo com os valores dominantes, tornando-a conexa com o desenvolvimento da sociedade e expurgando o conceito individualista que a caracterizava.

O Censo Agropecuário realizado pelo IBGE em 2009 aponta o Brasil como a maior concentração fundiária do mundo, os dados comprovam que 46 mil pessoas detêm quase metade das terras e mais da metade da população, menos de 3% das terras, ou seja, os estabelecimentos de mais de mil hectares, cerca de 50 mil proprietários, concentram mais de 43% da área agricultáveis (cerca de 146 milhões de hectares). A concentração da terra é a causa de o país possuir 75% da população rural analfabeta, sem necessidades básicas atendidas e a consequência é um caldeirão de pobreza e exclusão do acesso ao conhecimento que gerou de 1985 até os dias de hoje mais de 1.600 assassinatos de camponeses que
morreram justamente por defenderem seus direitos sociais constitucionalmente garantidos.

Primeira parte do processo de desenvolvimento no campo é o instituto jurídico da desapropriação para fins de reforma agrária que tem como objeto o imóvel rural que não cumpra sua função social (arts. 184, 185 e 186 da CF/88 e Lei 8.629/93), mediante indenização prévia e justa em títulos da dívida agrária, excetuando-se a pequena e a média propriedade rural, sendo ela a única propriedade, e a propriedade
produtiva levando-se em conta o aproveitamento da terra e a sua finalidade social.

Do mesmo modo que amontoar palavras não é escrever um livro e distribuir o que restou não é o mesmo que dividir o que se tem, entregar um pedaço de chão para o plantio não é realizar a Reforma, ela virá através de uma ação em conjunto com desenvolvimento educacional, investimento ao pequeno agricultor e garantias de demandas e distribuição da colheita, já que a perenidade desse processo conclama a participação equilibrada do Estado no financiamento agrícola do pequeno agricultor.

O agronegócio, os usineiros e as multinacionais sempre usufruíram de benefícios fiscais e subvenções econômicas, dinheiro público sempre à disposição, e, agora, criminalizam o MST por usar os meios legais e legítimos de repasses de numerário público. Ora, deve-se conceber o princípio da igualdade em seu sentido material, tratando igualmente as pessoas que estejam em situação de igualdade, e desigualmente as pessoas que estão em situação desigual.

A luta por um plano nacional de desenvolvimento tira da mão de poucos a caneta da decisão e reparte a responsabilidade para todos os cidadãos, rompe a política neoliberal e centra o Estado como indutor
das mudanças que poderão fazer deste País uma Nação.

* Tiago Delácio de Oliveira é jornalista e auditor tributário do município do Ipojuca (PE). Texto publicado originalmente no blog Acerto de contas .