Coordenador do MST aparece como alvo de investigações após a ditadura

Por Rubens Valente Da Folha de S.Paulo O principal líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o economista João Pedro Stedile, 55, foi alvo constante de arapongas do SNI ao longo de, pelo menos, 19 anos ininterruptos, nas décadas de 70 e 80. A vigilância continuou por todo o governo civil de José Sarney (1985-1990).


Por Rubens Valente
Da Folha de S.Paulo

O principal líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o economista João Pedro Stedile, 55, foi alvo constante de arapongas do SNI ao longo de, pelo menos, 19 anos ininterruptos, nas décadas de 70 e 80. A vigilância continuou por todo o governo civil de José Sarney (1985-1990).

Em março de 2009, Stedile pediu ao Arquivo Nacional de Brasília uma pesquisa na base de dados do extinto SNI. A busca resultou em cerca de 400 páginas em que o nome de Stedile é objeto de relatos e comentários em relatórios diversos produzidos pelo Exército, pelo SNI e pelos seus braços espalhados em dezenas de órgãos públicos.

Stedile concordou em fornecer à Folha cópia do conteúdo integral do seu dossiê. Pelas regras do Arquivo, o dossiê de pessoa física só pode ser acessado pelo próprio interessado. Ao entregar cópiua do dossiê, o Arquivo pergunta se a pessoa aceita reverter uma cópia para consulta pública.

Stedile era alvo do SNI muito antes da existência do MST, em 1984. Em 1971, os arapongas do governo sabiam detalhes como esse: Stedile, ainda estudante em Porto Alegre (RS), havia recebido uma carta de um morador de Cuba, Eduardo Glez.

Entre 1976 e 1977, Stedile chamou a atenção do SNI por “sérias” razões — à luz atual, bastante prosaicas: ter morado no México, onde fez pós-graduação– e onde pode ter sido seguido por agentes do governo, conforme demonstram relatórios–, por supostamente “difundir à Casa do Estudante Universitário [de Porto Alegre] revistas de conteúdo subversivo” e por manter contatos com o economista Francisco Machado Carrion Júnior, do Gabinete de Assessoramento Superior da Assembleia Legislativa.

Carrion Júnior era considerado igualmente “esquerdista” e crítico da ditadura. Morto em acidente aéreo em 2001, foi deputado estadual e federal e secretário de Estado do governador Alceu Collares (PDT).

“Carrion alerta [Stedile] sobre cautelas que devem ser tomadas na expedição de correspondência, pois considera que o nominado ‘já faz parte da amostra'”, diz o prontuário de Stedile, que não esclarece de que forma as aspas atribuídas a Carrion foram obtidas.

Admitido no governo gaúcho em 1976 como assessor econômico, Stedile se tornou o nome mais destacado do documento “infiltração comunista no setor da administração pública do governo do Rio Grande do Sul”, produzido em 1977 pela Agência Central do SNI, em Brasília.

“João Pedro, nas suas ligações com esses elementos, tem revelado posições radicalmente contrárias ao atual regime brasileiro, o qual classifica como ‘instituição calcada no modelo fascista’, e como ‘regime que poucas alternativas oferece, senão o roubo para a sobrevivência’, expressando pontos de vista nitidamente marxistas.”

A vigilância se estendeu ao irmão de Stedile, José Luiz, que tentou se candidatar ao centro acadêmico da Faculdade de Economia, mas teve a candidatura “vetada pela direção daquela Universidade [PUC-RS]”.

Em julho de 1977, o prontuário de Stedile no SNI era constituído de cinco páginas datilografadas com 18 resumos de registros contidos em relatórios e documentos coletados pelo serviço de inteligência da ditadura.

Em abril de 1984, nos estertores da ditadura e já líder do MST, Stedile foi novamente alvo dos arapongas. Dessa vez, eles conseguiram interceptar uma carta que ele dirigiu a um amigo, João Ham, da ONG holandesa “Solidariedad”.

Na carta, Stedile pediu recursos para a realização de eventos pelo MST, como congressos e encontros nacionais, além de fortalecer “o trabalho de base”.

Uma cópia da carta aparece como anexo de um relatório de 13 páginas que descreve a situação do MST em vários Estados brasileiros.

“Para manter e ampliar o movimento, a Igreja buscou suporte financeiro junto a entidades internacionais de cooperação, tais como: ‘Trocaire’, da Irlanda, ‘Pão para o Mundo’, da Alemanha, ‘Cebemo’ e ‘Solidariedad’, da Holanda, e ‘Freres des Hommes’, da França”, diz o relatório dos arapongas.

Nos anos 80, Stedile aparece, nos documentos do SNI, por diversas vezes associado à formação do Partido dos Trabalhadores, do qual se afastaria na década de 90.

Um relatório confidencial produzido pelo Centro de Informações da Polícia Federal, em Brasília, investigou “a estrutura e tendências do PT no Brasil”.

O documento é de 1989, ano em que Luiz Inácio Lula da Silva disputou e perdeu, para Fernando Collor, a Presidência.

No relatório da PF, que foi encaminhado para o SNI, Stedile aparece como um dos integrantes do Diretório Nacional do PT, ao lado de José Dirceu e Francisco Weffort, que depois se tornariam ministros dos governos Lula e Fernando Henrique Cardoso, respectivamente.