Fundador das Ligas Camponesas critica decisão do STF

De A Semana O escritor e deputado constituinte de 1988, Agassiz Almeida, enviou uma mensagem ao presidente da OAB, Ophir Cavalcante, face à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 29 de abril de 2010, referente a Lei de Anistia de 1979, por ação promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Almeida foi um dos fundadores das Ligas Camponesas, deputado estadual cassado pela ditadura em 1964. Agassiz foi Constituinte em 1988, atuando na atualidade como escritor. É autor, entre outras obras, de "A República das Elites" e "A Ditadura dos generais".


De A Semana

O escritor e deputado constituinte de 1988, Agassiz Almeida, enviou uma mensagem ao presidente da OAB, Ophir Cavalcante, face à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 29 de abril de 2010, referente a Lei de Anistia de 1979, por ação promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Almeida foi um dos fundadores das Ligas Camponesas, deputado estadual cassado pela ditadura em 1964. Agassiz foi Constituinte em 1988, atuando na atualidade como escritor. É autor, entre outras obras, de “A República das Elites” e “A Ditadura dos generais”.

Desta mensagem, cópias foram enviadas ao presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Maurício Azêdo, ao secretário geral da confederação dos Bispos do Brasil, ao ministro Paulo Vannuchi, aos senadores Pedro Simon e Cristovam Buarque.

Abaixo, leia a mensagem.

João Pessoa, 3 de maio de 2010

Ilmo. Sr.

Dr. Ophir Cavalcante

D.D. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil
Rio de Janeiro

Ilustre Presidente

Como co- autor da proposta, hoje texto constitucional, que apresentei à Assembléia Nacional Constituinte tipificando a tortura como crime de lesa-humanidade, imprescritível, impassível de anistia, indulto ou perdão, tocou-me profunda indignação face a apequenada e anti-histórica decisão da Suprema Corte do país em referendar e oferecer anistia ad infinitum a torturadores e genocidas da Ditadura Militar 64 , quando todas as nações civilizadas estão a chamar às barras da Justiça, degradados tipos humanos que, à sombra do Estado e amparados no próprio aparelho estatal cometerem crimes monstruosos.

Não é se negando a verdade que se forma um povo livre .

Quando uma nação procura esconder por trás de biombo a sua história, em nome de um pacifismo balofo para atender a corporações militares e a um elitismo político, sentimento de indignação nos domina acompanhado destas desafiadoras interrogações: Que país estamos construindo !

Que legado oferecemos às futuras gerações!

Que cenário vergonhoso assistimos!

A Suprema Corte de Justiça do país, em 29 de abril, em postura de pigmeu e na contra-mão da história, consolidou e homologou a pseuda anistia de 1979, emanada de um Congresso emasculado por dezenas de cassações de parlamentares, torturas e mortes.

Ao olharmos para o mundo, e mesmo aqui na América do Sul, bem próximo, assistimos a condenações de torturadores e genocidas.

Perguntamos. Que infeliz Brasil é este! Compactua-se á intocabilidade de uma esfarrapada lei de anistia, para a impunidade de poderosos criminosos fardados.

Grande projeta-se o povo argentino na sua visão de justiça.

Basta ….. basta de se agredir a consciência dos homens livres.

Nos anais da recente história do mundo, se desconhece cumplicidade tão indecente e amoral como a existente entre as elites do Brasil com torturadores e genocidas.

Depois desta decisão em que a Suprema Corte do país ofereceu aos torturadores e genocidas o alvará da paz e da liberdade ad infinitum, o que ouvimos e lemos, quando não o silêncio, é o desfile de desencontrados vultos transvestidos de líderes, a vomitar este besteirol: “ A anistia de 1979” (que anistia! ) foi para todos “.

” Não queremos revanchismo”. Uns até avançam no cinismo e no deboche: “ Fui preso e torturado na Ditadura Militar, mas prefiro a paz”. Que paz ! A paz da indignidade .

Com o apequenado veredictum do STF,vi a queda da História. Depois, o pior, a história estraçalhada nas palavras destes infelizes réprobos: “ Fui preso e torturado, mas a anistia é para todos”.
Que alma de lacaio!

Imbecilizam-se; e imbecilizam a sociedade, como se algo paralisasse, por momento, a marcha dos acontecimentos. Tipos ramerosos, ,perderam nos caminhos da vida os sentimentos da dignidade.
Que destino espera este oportunismo de querer fazer esquecer torturadores e a tortura em nome de uma anistia de fancaria.

Quando participei do processo constituinte de 1988 ,fiz inserir na vigente Constituição Federal postulado tipificando a tortura como delito de lesa-humanidade.

Silenciar seria renegar os ideais  das gerações que desafiaram o oprobioso regime militar.
Silenciar quando certos falastrões e oportunistas se negam a reconhecer que a história não se escreve com tergiversação ou covardia.

Silenciar quando ainda se ouvem os gritos dos condenados à tortura e ao desaparecimento nos porões da Ditadura Militar.

Silenciar quando o cinismo aliado ao deboche negam aos familiares dos heróis desaparecidos o culto à saudade e as homenagens da pátria. Foram eles que tombaram, e no momento grave e sombrio da Nação disseram não à tirania militar, e lutaram .

Desfechado o julgamento do STF,, procurei reencontrar-me com o cenário histórico em que viveram as gerações de 60 e 70 do século passado, embaladas nas suas desafiadoras utopias. Dimensionei os personagens que atravessaram aquele sombrio período. Vi a cara cínica do torturador. Não o movia o combate, mas degradar e humilhar o vencido. Desconhecia este tipo qualquer ideologia. Norteava-o doentia tara de supliciar o preso.

Certo deputado de São Paulo, amoralmente soltou esta infâmia : “Fui preso e torturado, mas a anistia foi para todos”. Se faltam a este  vulto sentimentos pessoais de dignidade face ao crime abjeto que ele sofreu, este delito infamante transcende de muito as individualidades, fere e afronta a consciência da própria humanidade .

O que almejamos? Construir um templo de democracia onde a liberdade seja apanágio da própria Nação, longe das pressões políticas e militares, formar gerações que possam criar pensamentos livres, não coonestar com esta acovardada artimanha de se negar a verdade histórica, lançando sobre o passado engodos e mentiras acerca de uma pseuda anistia gestada nos porões da Ditadura Militar e referendada por um Congresso de biônicos e marionetes.

Em vários países, ditadores e seus sequazes que cometeram crimes de lesa-humanidade, a Justiça os chama às suas barras, e muitos são punidos. No Brasil, por que as Forças Armadas , destacadamente o Exército, procuram acobertar delitos monstruosos praticados por certos tipos deformados e com isto, abrem vergonhosa exceção no contexto histórico das nações.

A verdadeira história dormita na alma universal de todos os tempos; nos seus escaninhos encontramos vultos que em algum momento,souberam abrir caminhos à zaga das gerações .

Com o seu voto na noite dos torturadores em que uma lei de anistia biônica é referendada , o ministro Ayres de Brito, do STF, engrandece a Nação, à altura do ministro Ribeiro da Costa, cinquenta anos atrás, quando este magistrado não se curvou ao furor ditatorial e fez o poder do sabre recuar ante a Justiça.

Ilustre Dr. Ophir Cavalcante.

Recuse-se a aceitar o veredictum do Supremo Tribunal Federal que, em nome da Justiça, amordaça a história da nação brasileira.

Recuse-se a pactuar com o silêncio ou a omissão ao preço de se vilipendiar o nosso passado histórico.
Recuse-se a rebaixar a escusos interesses corporativos e ao jogo de certa elite política, as conquistas dos direitos humanos, hoje incorporados nas Cartas Universais e na nossa Constituição Federal.
Invista-se, Sr. Presidente, em nome da Ordem dos Advogados do Brasil, como guardião da nossa história, e proclame nos fóruns do mundo, inclusive na ONU, que a Nação livre não pactua com uma justiça caolha

Saudações democráticas

Agassiz Almeida