A ofensiva chinesa no Brasil e a soberania nacional

De Alerta em Rede Sem muito alarde, o primeiro grupo de investidores chineses se prepara para desembarcar tanto no oeste da Bahia quanto na região conhecida como Mapito, o cerrado do Maranhão, Piauí e Tocantins, áreas que se notabilizam a olhos vistos como a nova fronteira agrícola do país. Essa ofensiva “agrária” dos chineses quer comprar nada menos que 250 mil hectares de terra.


De Alerta em Rede

Sem muito alarde, o primeiro grupo de investidores chineses se prepara para desembarcar tanto no oeste da Bahia quanto na região conhecida como Mapito, o cerrado do Maranhão, Piauí e Tocantins, áreas que se notabilizam a olhos vistos como a nova fronteira agrícola do país.

Essa ofensiva “agrária” dos chineses quer comprar nada menos que 250 mil hectares de terra.

O grupo chinês é formado por investidores privados, como a empresa Pallas Internacional (que assinou com o governo baiano um protocolo de intenções para se instalar no Estado), mas também com o governo da China como sócio. [1]

A investida “agrária” chinesa se dá na sequência de outros dois megainvestimentos anunciados recentemente.

Semana passada, a estatal de energia elétrica State Grid Corporation of China assumiu o controle de sete das 12 empresas da Plena Transmissoras, por R$ 3,1 bilhão. Ao mesmo tempo, a Sinochem adquiriu 40% do Campo Peregrino, na bacia de Campos, em mãos da norueguesa Statoil, por US$ 3,7 bilhões.

A intenção de transferir capital para o Brasil e a América Latina foi explicitada por Gao Xiqing, presidente da China Investment Corporation, o poderoso fundo soberano chinês, com ativos de US$ 300 bilhões.

“Planejamos alocar mais dinheiro para o Brasil e outros emergentes do que para a Europa”, declarou o executivo. “Já temos presença em importantes companhias brasileiras e não focamos só em recursos naturais”, disse ele.

Pouco antes, num debate da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), ele reclamou que o fundo soberano chinês é alvo de barreiras nos países industrializados. “Isso é ignorância sobre o que fazemos e como agimos”, arrematou Xiging.

A ofensiva chinesa na área de produção de alimentos ou de mineração pode ser facilmente entendida, mas causou alguma surpresa a aquisição de uma empresa brasileira de transmissão de eletricidade. Mas a resposta é simples: mercado cativo de equipamentos “made in China”.

“Quando essas empresas precisam de componentes, compram diretamente do país de origem”, explicou Aubert Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), exemplificando com a recente compra de sete distribuidoras de energia pela estatal chinesa State Grid.

Importações em crescimento

Veja-se que a China já representa 12,2% do total das importações de máquinas e equipamentos no Brasil, segundo balanço divulgado pela Abimaq.

O país asiático – que representava apenas 2,1% das importações em 2004 – é atualmente o terceiro maior fornecedor externo desses produtos ao Brasil, encostando na Alemanha, que respondeu por 12,7% do total importado nos quatro primeiros meses deste ano.

Os Estados Unidos lideram o ranking, com participação de 25,4%. No entanto, enquanto as compras de máquinas e equipamentos procedentes dos EUA e da Alemanha estão em queda, as importações com origem na China mostram crescimento de 51,2% neste ano. A expectativa é que a China supere a Alemanha nos próximos dois meses. [2]

Quem chama a atenção para este “perigo chinês” é Delfim Neto, em suas colunas nos jornais Valor e Folha de S.Paulo. Segundo Delfim:

O governo e o Congresso nacionais têm dado pouca atenção a um fato que poderá, no futuro, ser extremamente embaraçoso para a execução da política econômica mais conveniente para o desenvolvimento nacional. O Brasil, corretamente na minha opinião, é um país aberto aos investidores estrangeiros. Eles são bem-vindos e têm os mesmos direitos e deveres dos nacionais. Uma empresa privada estrangeira pode comprar uma mina de minério de ferro no Brasil e fornecer para a indústria siderúrgica nacional ou exportar para estrangeiras competindo livremente no mercado com todos os outros potenciais vendedores.

Será a mesma coisa quando a empresa estrangeira é estatal? Agora trata-se de ativo de um Estado soberano cujo objetivo maior é garantir o suprimento fora do mercado do minério às suas próprias siderúrgicas também estatais e integrar nestas, verticalmente, o lucro na produção do aço. E quando o lucro é verticalmente transferido para sua indústria de bens de capital que também é estatal? Claramente não. O preço final do produto torna-se passível de manipulação política. Com toda a certeza não será determinado pelo “mercado”, mas para atender aos interesses do Estado soberano que comprou o ativo. [3]

E adiante,

A exportação “subordinada” aos interesses de um cliente exclusivo retira, ao mesmo tempo, um volume igual de oferta e de procura e dá a garantia de suprimento. Em condições normais de pressão e temperatura não altera o preço internacional. Mas as oportunidades de manipulação são infinitas num mundo que é cada vez mais volátil. É preciso levar em conta que não existe o “minério de ferro”. Existem tantos quantos fazem as variações da natureza de sua estrutura física. [..]

São evidentes os potenciais malefícios da venda de ativos nacionais a Estados soberanos disfarçados em empresas. O mesmo ocorre, aliás, quando a Petrobras recebe financiamento aparentemente barato de um fundo soberano comprometendo-se (não importa por que regra de fixação de preço) a um fornecimento fixo de tantos mil barris por dia, durante certo número de anos. Em situação de estresse isso limitará a ação da política econômica e pode ser a fonte de contenciosos diplomáticos com possibilidade de retaliação.

O mundo caminha para uma rápida escassez de recursos: solo, água, energia e recursos minerais. Precisamos prestar atenção à ambição desenfreada de crescimento de algumas nações que só podem ser satisfeitos com a apropriação (por enquanto pacífica) dos recursos físicos de outras. É tempo do governo e do Congresso brasileiros acordarem para nossa cômoda e alegre aceitação do neo-colonialismo chinês.

Na Folha, faz uma diferenciação entre o neo-colonialismo chinês e o das antigas metrópoles: [4]

Compra na América Latina e na África terras para cultivar cereais (e eventualmente biocombustíveis) e explorar recursos minerais (minério de ferro, cobre etc.). Empresta a empresas petrolíferas com garantia de suprimento. O mesmo que fizeram as velhas metrópoles nas suas colônias e no mundo emergente. Mas há uma diferença importante: a exploração colonial era intermediada por empresas privadas sob a tutela soberana. No caso da China, é o próprio Estado soberano que, por intermédio de empresas estatais, se apropria (pela compra ou por empréstimo) de ativos reais em outros países soberanos. É a isso que assistimos diariamente no Brasil!

Com sua ironia típica, Delfim alerta que

Para os incautos nunca é demais lembrar: negócio da China só existe para chinês!

Notas:

[1]Chineses compram terras em nova fronteira agrícola, Valor, 27/05/2010

[2]Máquinas chinesas já representam 12,2% das importações brasileiras, Valor, 26/05/2010

[3]O “cliente” chinês, Valor, 01/06/2010

[4]A “outra China”, Folha de São Paulo, 02/06/2010