Do trabalho escravo à oportunidade de estudar

Por João Marcio Da Página do MST A Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que prevê o confisco de terras de escravagistas, já espera votação no Plenário da Câmara dos Deputados há quase 10 anos. Por isso, corre sério risco de ficar engavetada, mesmo com apoio de um abaixo-assinado com mais de 168 mil adesões. No entanto, um caso inédito de desapropriação de terras no Pará, que é campeão nacional, com 70% dos casos, foi baseado na PEC do Trabalho Escravo, assim como ficou conhecido o projeto.


Por João Marcio
Da Página do MST

A Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que prevê o confisco de terras de escravagistas, já espera votação no Plenário da Câmara dos Deputados há quase 10 anos.

Por isso, corre sério risco de ficar engavetada, mesmo com apoio de um abaixo-assinado com mais de 168 mil adesões.

No entanto, um caso inédito de desapropriação de terras no Pará, que é campeão nacional, com 70% dos casos, foi baseado na PEC do Trabalho Escravo, assim como ficou conhecido o projeto.

Em dezembro de 2008, o Instituto Nacional de Colonização de Reforma Agrária (INCRA) determinou que a Fazenda Cabaceiras de propriedade da família de latifundiários Mutran, em Marabá, fosse destinada para fins de Reforma Agrária.

No local, antes da ocupação, eram praticados crime ambiental e trabalho escravo, conforme acusação do Ministério Público do Estado do Pará (MPE), além de ser encontrado recentemente, pela Polícia Federal, um cemitério clandestino de trabalhadores rurais.

Um dos coordenadores do assentamento, Valdemar Pereira dos Santos diz que “pesou muito na decisão do Incra todas os crimes cometidos na fazenda”.

José Batista Afonso, advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) reconhece “o Assentamento 26 de Março é o único no Brasil criado por influencia da PEC que ainda não foi votada”.

Dias difíceis

Por todo o histórico da área ocupada, sobretudo, o poder da família Mutran sobre o município, três despejos foram feitos contra as famílias acampadas. Um deles, segundo Santos, contou com 800
policiais. “Não respeitaram crianças nem mulheres eram cruéis mesmo”, descreve.

As famílias não desistiram e, no primeiro momento, acamparam no Incra, no início de 2000, para pedir a vistoria das terras. “Fomos persistentes e por isso estamos aqui”, diz Santos.

Depois, os Sem Terra ficaram acampados na beira de uma rodovia, próxima à fazenda, esperando a decisão do Incra. Santos diz que os trabalhadores ficariam no local “até a terra ser desapropriada
para fim de Reforma Agrária”.

Maria Raimunda, dirigente do MST no Pará, diz que muita gente não acreditava que pudesse ser feita a desapropriação de uma área pertencente aos Mutran. “Foi umas das conquistas mais difíceis do MST
contra o latifúndio nos últimos tempos na região”, comemora.

Nova realidade

Os 11 mil hectares da antiga fazenda Cabaceiras assentam hoje mais de 200 famílias, que fizeram a área produtiva, com a plantação de arroz, feijão, mandioca, milho, banana, cupuaçu, laranja, mamão, hortaliças, além do criadouro de peixe.

“O nosso objetivo ocupar essas áreas, que contém irregularidades dos mais diversos tipos, e cumprir a verdadeira função social da terra, com o trabalho dos camponeses acampados e futuramente assentados”, afirma Santos.

O assentado na fazenda Sebastião é um desses exemplos, que realizou um sonho por meio da luta. “Há 11 anos, eu não tinha perspectiva nenhuma de ter um pedaço de terra para plantar e dar de comer a minha família”, afirma.

Por meio do trabalho de base do MST, ele percebeu que seu sonho poderia se transformar em realidade. “Coloquei na minha cabeça, depois que trabalhei com o movimento, que tinha que lutar pelo meu espaço
de terra. Eu sou um ser humano como todos e tenho também direito”.

Hoje, Sebastião está satisfeito com sua vida no assentamento 26 de Março, plantando arroz, mamão e banana. Ele só tem uma preocupação: “não quero acabar com a mata que me cerca, preciso de um, dois hectares no máximo para plantar, quero respeitar o meio ambiente”.

Educação

Quando o MST ocupa uma área, uma escola é estruturada para as crianças e jovens acampados. No assentamento 26 de março, não foi diferente.

A escola do assentamento, com 370 alunos entre os ensinos médio e fundamental, homenageia em seu nome um dos maiores lutadores do povo contra a ditadura civil-militar brasileira, Carlos Marighela.

Contudo, visando formar profissionais críticos em relação à atuação no campo, será construída a em uma área do assentamento a primeira Escola Federal Agrotécnica de Marabá, que trabalhará junto à Universidade Federal do Pará.

Um latifúndio controlado pela família Mutran se transformou em um espaço que garante melhor condições de vida às famílias de trabalhadores rurais e estudo às crianças e jovens.

Sebastião exalta o poder da ação coletiva na conquista e mudança da área ocupada. “Tudo que nós conseguimos nesses 11 anos de luta, no assentamento 26 de março, foi fruto de nossa união e organização. Continuaremos assim, pois novas conquistas se fazem necessárias, principalmente porque a Reforma Agrária ainda não foi feita no Brasil e outros companheiros também precisam de terra para viver dignamente”, declara.