Argentina desmantela trabalho escravo na agricultura


Por Alejandro Rebossio
Do jornal El País

 

Uma multinacional do comércio de grãos, Nidera, que está presente em 22 países e tem sua sede na Holanda, foi denunciada no final do ano passado por um fiscal argentino e pelo Ministério do Trabalho de Buenos Aires por suposto trabalho escravo em uma de suas filias.

 


Por Alejandro Rebossio
Do jornal El País

 

Uma multinacional do comércio de grãos, Nidera, que está presente em 22 países e tem sua sede na Holanda, foi denunciada no final do ano passado por um fiscal argentino e pelo Ministério do Trabalho de Buenos Aires por suposto trabalho escravo em uma de suas filias.

 

A companhia, que também produz sementes, fertilizantes, herbicidas e fungicidas, negou a acusação, mas as condições desumanas em determinadas atividades agrícolas em pleno século XXI e em um dos setores mais produtivos da Argentina despertaram um debate tal que obrigou a realização de uma reunião na última quarta-feira entre o ministro do Trabalho argentino, Carlos Tomada, e os quatro principais coletivos de agricultores e criadores de gado do país. Tomada anunciou a criação de um espaço de ação conjunta para “erradicar o trabalho ilegal e as condições de servidão que a justiça está investigando”.

 

Mas as condições de escravidão na Argentina não foram detectadas só no campo, mas também em ateliês têxteis de Buenos Aires, em prostíbulos de todo o país e até em fábricas de tijolos dos subúrbios da capital ou da cidade de Neuquén, na Patagônia, tal como vem denunciando a cooperativa La Alameda, em que são empregados trabalhadores libertos dessa submissão. Cerca de 1,3 milhão de latino-americanos padecem do trabalho forçado, segundo a Organização Internacional do Trabalho – OIT.

 

O fiscal Rubén Giagnorio denunciou sete empregados da Nidera por suposta “redução à servidão” (o que, em termos legais na Argentina, equivale ao trabalho escravo) de 60 menores e 120 adultos, temporários da província nortenha de Santiago del Estero, transferidos para o município de San Pedro (165 quilômetros ao norte de Buenos Aires).

 

O fiscal e os máximos funcionários do ministério denunciaram que a Nidera os havia levado por 15 dias, sem saber quanto iam cobrar, e que os havia encerrado em uma propriedade, não os deixava sair e retinha os seus documentos de identidade. Segundo os denunciantes, dormiam amontoados em barracas como as de um campo de concentração, careciam de banhos, água potável, extintores e materiais para a segurança laboral, as instalações elétricas eram deficientes e sofriam descontos em seus salário para pagar a indumentária de trabalho e a comida, que um provedor externo lhes vendia a um preço maior do que nos comércios. Inclusive, fez-lhes pagar por pacotes de espaguete que levavam o logotipo do Ministério do Desenvolvimento Social de Buenos Aires e que são distribuídos gratuitamente. Além disso, as crianças manipulavam produtos químicos sem nenhuma precaução, segundo o governo bonaerense.

 

A Nidera, que na Argentina é a sexta exportadora de grãos e a número um em produção de sementes de soja e de girassol, respondeu em um comunicado de imprensa que todos os trabalhadores estavam registrados na Seguridade Social, que as condições de salário, transporte, trabalho, alojamento, higiene e alimentação administradas haviam sido as estipuladas por lei e que nenhum desses “serviços” havia sido descontado da remuneração.

 

A empresa também assegurou que os menores de idade tinham entre 16 e 18 anos e podiam trabalhar porque estavam autorizados ou acompanhados por seus pais. “A acusação se refere a uma prática industrial comum, em que as empresas de sementes contratam empregados temporários para desflorar plantas de milho híbrido”, defendeu-se a Nidera, uma empresa de uma família holandesa-argentina que está presente em países como Brasil, Uruguai e do Leste Europeu.

 

Nos últimos dias, ocorreram outras seis invasões de propriedades nas quais os ministérios do Trabalho bonaerense e federal descobriram que duas companhias de capitais argentinos submetiam à “servidão” outros 586 adultos e seis menores de idade. A questão ganhou tamanha dimensão que a presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, decidiu incluí-la na agenda da reunião que os coletivos agrícolas iam ter na quarta-feira com o ministro da Agricultura para discutir sobre a liberalização mercado do trigo.

 

Tradução de Moisés Sbardelotto.