Lucinha, o presente do MST e o seio da terra

 

Por Emiliano José
Jornalista, escritor, deputado federal (PT-BA)

 

Por Emiliano José
Jornalista, escritor, deputado federal (PT-BA)

Todos viram. E aplaudiram. Mas, senti como se apenas eu tivesse visto e sentido o gesto ancestral. Belo, único, humano e animal, gesto-mãe de retirar o seio e oferecê-lo a Marisa. E Marisa, com apenas 30 dias de vida, feroz e ternamente deliciar-se com o alimento do mundo, o alimento-mãe, o leite materno, embalado pelo colo-leito da mãe carinhosa, mãe-Lucinha. Era 20 de maio deste 2011. Na face serena, transparente, nenhum abalo orgulhoso com o auditório lotado que aplaudia de pé. Aplauso pelo gesto. Por ela, Lucinha. Por Marisa, a filha. Por uma mulher que caminhara milhares de léguas por terras do sem-fim à procura da terra para os deserdados da terra. Por tanta luta, talvez, Lucinha não experimentasse nenhum abalo orgulhoso. Só uma serena, suave alegria.

Em seu rosto, era possível perceber o sorriso quase tímido, quase temeroso – sabia do mundo que se abria à sua frente, um mundão de responsabilidades. Vasto mundo. Viera, se lembrava ao olhar tanta gente ali à sua frente, o auditório cheio de vibração, viera do seio da terra, desde menina, e pensava nisso enquanto Marisa se deliciava com o leite de suas entranhas de mãe.

A terra fora sempre seu leito, seu lugar, sua vida. Sua história. Agora, o governo lhe dava uma responsabilidade do tamanho do mundo. A mulher, agora mulher-mãe, iria pensar, refletir e agir em favor de outras mulheres – as da terra, dos campos, e as das cidades e suas periferias. O sorriso quase tímido era a expressão do mergulho no passado.

Relembrava, em meio a toda aquela agitação, em meio a todo aquele entusiasmo, alegria, alegria, relembrava cada passo, quase sem acreditar que tivesse andado tanto e chegado a esse momento-síntese, simbolizado naquela amamentação. Como pudera chegar a tanto? Nunca imaginara isso. Nunca. Onde buscara forças para depois de tantos caminhos, chegar aonde estava chegando agora?

O caminhante, pensava isso, sabe que não há caminho, sabe que o caminho se faz ao andar. Andou, andou, e andou por ásperos, pedregosos, barrentos, amarronzados, selvagens, florestais, verdes e acinzentados caminhos, fazendo as estradas, construindo os atalhos, brigando pela terra junto com suas irmãs e seus irmãos sem terra e sem teto. Lembrava-se de modo especial de suas companheiras, de cada uma delas.

De Maria, de Madalena, de Benedita, de Zefinha, de tantas, de milhares que conviveram com ela nos acampamentos, nos assentamentos, que lhe deram ânimo para prosseguir nas jornadas duras, que compartilharam com ela as agruras de noites escuras, de tempestades de chuva e de frio. Que se alegraram com ela nos tantos dias de formação política, que viveram as tensões das ocupações, o entusiasmo das cantorias das noites de lua cheia, as mãos dadas na resistência às violências.

Daí, da força de suas companheiras – e companheiros -, concluía, retirara toda a energia para chegar aonde chegara. Era, com Marisa sob seu seio, ela era milhares, milhões emancipados ou ainda em luta. Em busca da terra prometida. Uma terra prometida que foram buscar com as próprias mãos, exclusivamente com as mãos e com a luta. Uma terra subtraída pelos séculos de expropriação do latifúndio, da grande propriedade, dos grileiros e sua violência.

Só mulheres à mesa, olhei. Como caminhamos. E como temos ainda tanto que caminhar para chegarmos a uma sociedade em que a mulher seja não só parceira do homem, como é, mas que alcance a igualdade, sobretudo de participação política.

Lucinha, secretária de Políticas para as Mulheres, inovação do governo Wagner, seu marido Jean, seu filho Vinicius, de oito anos, Marisa, com um mês de vida, eram naquele dia uma família inteiramente feliz. Justamente feliz. E o povo da Bahia sabe que pode esperar muito dela. Especialmente, as mulheres, as generosas mulheres da nossa terra.

O Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) deu um presente à Bahia. Presente que não seria possível sem a decisão política ousada do governador Wagner. A política na Bahia, com Lucinha, Vera Lúcia Barbosa, ganhou sensibilidade e ternura. Amorosidade. Feminilidade. Para o bem de todos. E de todas.