Cresce tensão em áreas indígenas do Xingu

 

Por André Borges
De Altamira e Vitória do Xingu (PA)
Do Valor

 

Por André Borges
De Altamira e Vitória do Xingu (PA)
Do Valor

A violência que tem atingido o Estado do Pará nas últimas semanas começa a se aproximar das aldeias indígenas do complexo do Xingu, região onde será construída a usina hidrelétrica de Belo Monte. A crescente pressão sobre as aldeias é feita por grileiros de terras e fazendeiros da região. As terras indígenas Juruna do Km 17, Apyterewa, Arara da Volta Grande do Xingu e Paquiçamba, todas localizadas na área de influência da hidrelétrica de Belo Monte, são os principais alvos dos possíveis conflitos.

As informações foram relatadas ao Valor pelo presidente da Associação dos Índios Moradores de Altamira (Aima) e líder do Conselho Indígena do município paraense, Luiz Xiporia. “Há um clima de tensão muito forte em toda a região, os índios que vivem no entorno de Belo Monte passaram a ser constantemente ameaçados de morte”, conta Xiporia, que pertence à aldeia Apyterewa. “Nós precisamos dialogar e agir. Se nada for feito, poderá haver uma catástrofe na região”, diz ele.

Líder da área indígena Juruna do Km 17, Sheyla Yakarepi acusa os governos local e estadual de não dialogarem sobre o problema. “Todos sabem que há ameaças de morte rondando as aldeias, mas ninguém parece disposto a encarar esse problema de frente”, afirma.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) também está preocupada com a situação e decidiu que irá pedir uma intervenção direta do governo para evitar que a violência se alastre pelas terras indígenas. Doto Takak-Ire, líder caiapó na região do Médio Xingu e coordenador da Funai no município de Novo Progresso, diz que a fundação, vai solicitar ao governo federal uma intervenção direta para levar mais segurança à região.

“Sabemos que a construção da usina de Belo Monte vai provocar mais grilagem de terras e conflitos com as tribos que vivem próximas ao local da hidrelétrica”, diz. “Por isso, não adianta só a Funai fazer segurança. A gente sabe que grileiro de terra não vai respeitar o índio. Tem de ser algo de branco com branco, senão não vai resolver”, comenta o líder caiapó.

O relatório de impacto ambiental de Belo Monte aponta que os dois reservatórios da usina não deverão inundar terras indígenas. Alguns reflexos da obra, no entanto, aumentam sensivelmente o interesse em explorar as reservas. O Valor sobrevoou toda a região que será direta e indiretamente afetada pela obra. Na margem esquerda do Xingu, onde será aberto o canal para a casa de força principal de Belo Monte, já há áreas com alguma devastação provocada pela extração ilegal de madeira e abertura de pasto. Na Volta Grande do Xingu, no entanto, numa extensão de aproximadamente 100 km – que ficará com a vazão permanentemente baixa devido à construção da barragem do sítio Pimentel –, diversas aldeias vivem em uma área rica em minérios e metais preciosos, como ouro, o que atrai o interesse de garimpeiros.

Nesse trecho, onde estão as terras indígenas Arara da Volta Grande do Xingu, Paquiçamba e Trincheira Bacajá, boa parte da floresta permanece praticamente intacta. Doto Takak-Ire diz que os índios também estão preocupados com a invasão de terras, devido à migração em massa de pessoas para a região, movimento puxado pelo aumento do preço da terra e pelas ações de reassentamento.

Os episódios de violência que tomaram conta da Amazônia nas duas últimas semanas, com a morte de líderes camponeses e ambientalistas, fez soar um alerta em Brasília. Na semana passada, o secretário da Presidência da República, Gilberto Carvalho, disse que o governo tomará medidas mais enérgicas para enfrentar a criminalidade na região.

Embora Belo Monte esteja razoavelmente distante dos principais focos de conflito entre ambientalistas e extrativistas ilegais no Pará – Santarém está a 500 km de Altamira -, a preocupação com o complexo do Xingu é imensa. O governo quer a atuação de uma força conjunta entre Exército, Marinha, Aeronáutica e Polícia Federal para aumentar a atuação em áreas de risco. Com tantas críticas e polêmicas em relação a Belo Monte, a última coisa que o governo gostaria de ver é um ato de violência nas áreas de influência da obra da usina hidrelétrica.

A Norte Energia, sociedade responsável pela construção e operação da usina, tem mantido diálogo constante com lideranças indígenas da região. O governo também tem atuado para estreitar o relacionamento com as aldeias e evitar conflitos. A Funai, por exemplo, participa do comitê gestor do plano de desenvolvimento regional do Xingu, o grupo criado para gerenciar as ações socioambientais ligadas à construção da hidrelétrica.

Há, no entanto, aldeias indígenas que não aderiram ao comitê liderado pelo governo federal. “Todos sabem que nessa região tem muito pistoleiro e gente morrendo para todo lado”, diz Doto Takak-Ire. “Vou levar esse assunto para o comitê gestor, para que a gente tente evitar o pior.”
 
Líder caiapó quer assegurar direitos

O caiapó Doto Takak-Ire era um garoto de 15 anos quando viu, pela televisão, em 1989, a sua tia Tuire passar um facão no rosto do então presidente da Eletronorte José Antonio Muniz Lopes, atual presidente da Eletrobras. As cenas do protesto contra Belo Monte correram o mundo, mostrando a reação indígena ao projeto na Amazônia.

Aquelas imagens mudaram a vida de Takak-Ire. Nascido na aldeia Baú, no rio Curuá, um dos braços do Xingu, ele cresceu mergulhado na luta contra a construção da hidrelétrica. A tia, que passou a ser conhecida como Tuíra, tornou-se símbolo de resistência indígena e virou motivo de orgulho para Takak-Ire. Mas algo mudou.

Hoje, com 37 anos, Takak-Ire é coordenador da Fundação Nacional do Índio (Funai) no município paraense de Novo Progresso. Quando perguntado se é contra ou a favor de Belo Monte, passa um bom tempo quieto, depois recorre a uma resposta evasiva, sem dizer claramente o que pensa. Sobre Tuire, a caiapó que enfrentou o projeto de facão na mão, Takak-Ire surpreende ao revelar que, hoje, a tia não resiste ao projeto.

“Tuire não está em Altamira, mas tem acompanhado Belo Monte de perto. Hoje ela vive numa nova aldeia, perto de Redenção (município no sul do Pará)”, diz ele. “Minha tia está pedindo um encontro com a presidente Dilma Rousseff para falar sobre Belo Monte. Acho que ela vai conseguir essa reunião.”

A mudança de postura de Tuire em relação à obra é o exemplo da situação em que se encontram as tribos indígenas que habitam as margens do rio. Os índios estão divididos em relação à usina, comenta Takak-Ire. Há divergências até dentro de uma mesma etnia. Os caiapós, por exemplo, que vivem em aldeias do Baixo, Médio e Alto Xingu, não se entendem sobre o que pensam sobre a hidrelétrica.

“Os índios do Alto Xingu desceram o rio e vieram conversar com o Baixo e Médio Xingu para ver se eles queriam apoio para protestar contra Belo Monte, mas eles não quiseram. Isso causou muita tristeza na aldeia e dividiu os caiapós”, conta Takak-Ire. “Os Xikrins do Bacajá [rio que deságua no Xingu] também foram procurados, mas disseram que já estão a favor da construção.”

Depois de uma longa conversa, Takak-Ire, que é líder caiapó no Médio Xingu, admite que hoje aceita a obra, mas diz que é preciso haver um programa que garanta os direitos indígenas. Sua postura expressa mais um sentimento de resignação que de convencimento.

“Nós, caiapós, sabemos que o governo está com o poder nas mãos. A própria Tuire foi vencida por um jogo político. Muitos dos nossos parentes ainda não querem a barragem, mas o governo já autorizou. Não adianta mais eu dizer que isso não vai sair”, afirma. “Agora a gente tem que brigar para implantar um plano sustentável e permanente para os índios, e não algo que aconteça só durante a obra e depois seja abandonado.”

Sem Tuire por perto, sem um facão nas mãos, Takak-Ire diz que agora vai usar “a palavra” para lutar pelos direitos indígenas. “Criaram esse comitê de Belo Monte, meu nome saiu no ‘Diário Oficial’. Foi a primeira vez que me chamaram para dizer o que penso. Então, vou tentar dialogar.”

Pai de três filhos – de 10, 13 e 15 anos de idade -, Takak-Ire não vive mais na aldeia Baú. Mora em Novo Progresso, onde trabalha para a Funai. Perguntado se seu filho de 15 anos tem acompanhado a atuação do pai pelos direitos indígenas, como ele fez quando tinha a mesma idade, diz que sim. “Ele tem visto pelo jornal da região. Acho que apoia o que eu penso.”