O agronegócio, a marcha dos insensatos e a ameaça de regressão da Amazônia
Por Najar Tubino
Da Carta Maior
Por Najar Tubino
Da Carta Maior
É uma marcha acelerada e envolve a produção de comida no planeta. O Brasil como um dos batedores, líder no agronegócio, com destaques para produção de soja e carnes, além de cana-de-açúcar (etanol). Um mercado que gerou US$88,3 bilhões de agosto de 2010 a agosto de 2011. Somente nos oito meses deste ano, foram US$61,5 bilhões, em exportações. O agronegócio é 40% do PIB se pegarmos todas as cadeias produtivas reunidas, enfim, vale mais que US$1 trilhão. E conta com uma bancada no Congresso Nacional poderosa. O mundo precisa de alimentos, muito embora quase a metade da produção de grãos brasileira – 148 milhões de toneladas no ano passado – seja de soja, a leguminosa mais influente do Planeta, de origem chinesa e que se espalhou pelo Brasil, a partir da região Sul, na década de 1970, e hoje se alastra pela Amazônia, tomando o sul do Amazonas.
Em termos mundiais o óleo de soja perde para o dendê (óleo de palma), 40 milhões de toneladas contra 45 milhões. O dendê é a soja da Ásia. Assim como o Brasil planta quase 25 milhões de hectares, a Indonésia planta 6 milhões de hectares de dendê, com projeto de chegar aos 20 milhões até 2020. Mesmo ano que a Índia espera ter 14 milhões de hectares de pinhão manso. Todos os três entram na composição de combustíveis vegetais.
Enormes pressões
O biodiesel brasileiro é produzido com soja (80 %), em segundo lugar, com sebo bovino, que teve seu preço completamente alterado no mercado do boi, em função desse aproveitamento. São negócios paralelos, cada vez mais reforçam o poder da leguminosa. Seu subproduto mais conhecido é o farelo, usado na ração de aves e suínos, criados no sistema industrial, confinados, com produção intensiva – ciclos de 40 a 180 dias. Os chineses, em 2010, compraram 30 milhões de toneladas em grão do Brasil – 15% da exportação.
A China cresceu, trouxe trabalhadores do campo para a cidade, a renda se elevou, e o consumo de carnes deu um salto. Em 1980, o consumo médio era de 13,7kg, em 2005 foi de 59,5kg, a maior parte de carne suína, embora os chineses tenham importado recentemente 400 mil toneladas de carne de boi. Entretanto, a média mundial também subiu: de 30 kg para 41,2kg, no mesmo período, segundo os dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação).
A produção de carne mundial atingiu 228 milhões de toneladas em 2010. A previsão para 2050 é que duplique – 463 milhões de toneladas, com uma população de 9 bilhões de habitantes. Isso significa que o rebanho bovino crescerá de 1,5 bilhão para 2,6 bilhões de cabeças e o de ovinos e caprinos de 1,7 para 2,7 bilhões de cabeças. A FAO também divulgou um relatório sobre os impactos da pecuária sobre os ecossistemas do Planeta:
– Haverá enormes pressões sobre a saúde dos ecossistemas, a biodiversidade, os recursos em terras e florestas e na qualidade das águas. Os governos devem adotar medidas para reduzir o custo ambiental da expansão da pecuária… Os preços atuais das terras, da água e dos alimentos usados na produção de carne não refletem o verdadeiro valor destes recursos.
Rumo norte
Além disso, 18% dos gases estufa, principalmente o metano (CH4), liberado pelos animais no processo de digestão, serão originários da pecuária. O índice foi considerado exagerado pelas entidades setoriais do agronegócio e provocou um reboliço, na tentativa de contestar os dados.
Na realidade, o economista inglês, Nicholas Stern, elaborou um relatório sobre a situação do Planeta comparando os vários setores da economia e projetando os impactos sobre os sistemas naturais, atribuiu o índice de 30% sobre a agropecuária, como resultado do crescimento até 2030. O problema é simples: ocupar espaço, derrubar floresta, mudar a condição do solo, usar adubos nitrogenados (todo o modelo agrícola está baseado no tripé Nitrogênio, Fósforo e Potássio, de origem química), implantando monoculturas e grandes criações.
Trata-se literalmente da marcha para o oeste que no meio do caminho pegou o rumo do Norte, simplesmente porque não há mais o que ocupar no oeste. A cana tomou o espaço da pecuária em São Paulo, e os rebanhos foram subindo em direção ao cerrado. Hoje, existem 70 milhões de cabeças nos três estados do Centro-Oeste, somente nos dois Mato Grosso, são mais de 50 milhões. A partir daí, os rebanhos entraram floresta adentro. O Pará em 10 anos, mais que dobrou o rebanho de 6 para 12,8 milhões (segundo dados do censo agropecuário realizado pelo IBGE em 2006). O número já deve ser muito maior. Aqui cabe uma explicação. O Brasil até a década de 1960 tinha um rebanho inexpressivo para o tamanho do país, com exceção do Rio Grande do Sul, onde o gado europeu estava bem adaptado.
Maior invasão
A grande mudança na pecuária brasileira também começou na década de 1960, quando um grupo de criadores do Triângulo Mineiro (Uberaba) foram à Índia, atrás de reprodutores zebuínos. Trouxeram várias raças, mas a que mais evoluiu foi a Nelore, de Masdra, sul da Índia. Entraram oficialmente até 1962, quando as importações foram proibidas, menos de 10 mil reprodutores. Porém, os zebuínos suportam o calor dos trópicos. São capazes de parir todos os anos, alguns tem uma vida reprodutiva acima de 20 anos. A segunda parte desta história está ligada a disseminação das braquiárias, um capim com muitas variedades, que tomou conta do cerrado e cresce onde ninguém consegue sobreviver. Elas vieram da África. Foram melhoradas pela Embrapa e fechou-se o motor do salto no rebanho, que atualmente beira os 200 milhões de cabeças.
Na década de 1980, os pesquisadores conseguiram dar um jeito na acidez das terras do cerrado, que não valiam nem o preço do reduzido imposto que se pagava na época. Corrigiram com calcário, estabeleceram proporções razoáveis de NPK, mais a adaptação da semente da soja ao novo clima e o cerrado foi palco da maior invasão, depois do meio-oeste dos Estados Unidos.
Sulistas, principalmente gaúchos (20% da população do MS), mas também catarinenses e paranaenses, como Blairo e Eraí Maggi (primo) considerados os reis da soja. O último com 70 fazendas no Mato Grosso, transformado em maior produtor do país – 6 milhões de hectares, sendo 20%, ou 1,2 milhão ocupado pelos 20 maiores sojicultores. Nos últimos anos a concentração de terras e grandes plantadores se acentuou. Na região de Sapezal, onde o pai de Blairo Maggi, André Maggi (já falecido), construiu uma cidade, a média de propriedades é de 2.500 hectares. Em Sorriso, com 615 mil hectares de soja, onde recentemente foram divulgados amostras de agrotóxico em leite materno, a média é de 1 mil hectares. O Paraná ainda é o maior produtor de grãos do país, soma acima de 30 milhões de toneladas, principalmente, soja, milho e trigo. O Brasil consome 10 milhões de toneladas de trigo, produz 5 milhões e compra de fora, outros cinco. Nunca foi prioridade nacional ser autossuficiente em farinha.
Livrar a Amazônia
As pesquisas oficiais apontam para uma perda de Cerrado de 1,1% ao ano, desde a saga do oeste. A região sempre foi desprotegida pelo tipo de vegetação que apresenta, pequenas árvores, arbustos, retorcidos, consequência do alumínio, que está presente no solo, ajudou a formar o conceito de terra sem valor. Na verdade é um ambiente rico em espécies medicinais, mas que tem apenas 2,2% das unidades de conservação do país. E, fundamentalmente, é o local onde nascem os rios mais importantes do Pantanal, e por onde passa o São Francisco.
Na divisa do Mato Grosso do Sul com Mato Grosso, o rio Taquari deu um sinal de alerta, pouco reconhecido. Acima está a região de Rondonópolis, onde o Grupo Amaggi, responsável pela industrialização de 2,4 milhões de toneladas de soja, montou o seu império. As lavouras implantadas na década de 1980 não deixavam reserva nativa, nem os 20% obrigatório por lei. Resultado: areia, adubo, agrotóxico, tudo para o rio. No caso do Taquari o assoreamento tirou o rio do leito natural e ele espraiou pelo Pantanal de Coxim, invadindo fazendas tradicionais. Virou um alagado permanente.
Nessa mesma época, muitos pesquisadores agrícolas e especialistas em solos, como Mário Ferri, de São Paulo, imaginavam que era preferível ocupar o cerrado, e livrar a Amazônia da invasão da agricultura e da pecuária. A partir da década de 1990, as fronteiras foram rompidas. Pelo censo do IBGE de 2006, as áreas de lavoura na região norte, sem contar Amapá e Tocantins, somavam mais de 10 milhões de hectares. O Amazonas em 1996 tinha 235 mil hectares plantados, em 2006 eram mais de 2,3 milhões. No Pará, pulou de 808 mil para 3,2 milhões de hectares.
Se contarmos o norte do Mato Grosso e o oeste do Maranhã, regiões enquadradas na Amazônia, são mais de 40 milhões de hectares de pastagens, dos 157 milhões no Brasil. A região Norte tem um rebanho de 40 milhões de cabeças, quase 20% do rebanho nacional. Já ultrapassou o abate de 10 milhões de cabeças ao ano. Parte dessa carne é consumida em São Paulo. O Acre tem quase 2 milhões de cabeças. A maioria absoluta de Nelore ou animais cruzados (mistos). Não é à toa que o Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo, com mais de 1 milhão de toneladas, e ainda tem um consumo médio acima de 30 kg por habitante.
Gente de peso
A última fronteira de ocupação chama-se Mapito, sigla que envolve as regiões sul do Maranhã e Piauí e norte do Tocantins. São 3,3 milhões de hectares de soja e um pouco de milho e algodão. Ali perto, mais abaixo no mapa, mas também ganhando espaço, a região do oeste baiano, concentrada em Barreiras, Luis Eduardo Magalhães e São Desidério, com mais de 500 mil hectares de lavouras de soja. Região do aquífero Urucuia (vai do Piauí até o noroeste de Minas), e por isso mesmo, região com lavouras irrigadas por pivô central, capaz de cobrir uma área de 120 hectares, apenas com um equipamento. E os líderes e prefeitos anunciam que existem mais 3 milhões de hectares para ocupar.
E atrai mesmo. Gente de peso. Fundos privados, fundos de pensão estrangeiros, fundos de risco. A começar pelos grandes conglomerados nacionais. A Cosan, agora unida a Schell na Raízen, tem uma empresa especializada na compra de terras – a Radar. Este ano, a previsão da Radar era investir US$850 milhões e adquirir 60 fazendas. Eles já compraram 180 fazendas nos estados do centro-oeste, Tocantins, Maranhão e oeste da Bahia. A meta são 350 mil hectares, Compram, plantam ou arrendam. Em dois anos conseguiram uma valorização de 50% nos preços. Um detalhe: a Radar é controlada pela Cosan, que detém 18,9% do capital, o restante é de fundos de pensão dos Estados Unidos.
A SLC, que já foi fabricante de colheitadeiras (vendeu para a John Deer), possui 250 mil hectares, é uma das maiores produtoras de soja do país. Criou a Land & Co, especializada na com pra de terras, captando dinheiro no exterior de fundos interessados. O projeto era recolher US$300 milhões. Mas o governo federal baixou uma medida limitando a área de terras que estrangeiros podem adquirir – no máximo 5% do perímetro de um município.
A serpente nasce pequena
A previsão da Radar, por exemplo, é que o comércio de commodities está em franca expansão, porque em 2020 a soja deverá ocupar 29 milhões de hectares (acréscimo de 5 milhões) e a cana dobrar sua área de plantio – de 7 para 14 milhões de hectares. Nessa onda globalizada a Nai Commercial Properties, uma multinacional do ramo imobiliário, montou sede no Brasil. Em 2010, intermediou 30 negócios envolvendo grandes áreas, acima de 10 mil hectares. A maior delas na região de Pedro Afonso (TO), de 40 mil hectares, onde a Bunge inaugurou recentemente uma usina de etanol. A um custo de R$6 mil, uma venda de R$240 milhões.
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), divulgou um relatório que no ano passado US$ 14 bilhões foram usados na compra de terras. Lógico que os preços subiram. No oeste baiano, o que era R$5 mil/ha, agora custa R$10 mil. A Nai, a múlti imobiliária diz que tem 200 fundos privados estrangeiros interessados na compra de terras no Brasil. Estão cadastrados.
Um fenômeno também global. Compram-se terras na África, a preço de banana, US$1,5 o hectare. Ou arrendam-se a US$12 , como a empresa Addax, suíça, fez no ano passado, pretende produzir cana-de-açúcar em Serra Leoa, país com 6 milhões de habitantes, onde até pouco tempo a guerra impunha a realidade. Os indianos querem investir US$2,5 bilhões em lavouras de palma, arroz e milho na Etiópia, Tanzânia e Uganda. A FAO informa que os estrangeiros compraram entre 50 e 800 milhões de hectares na África e América do Sul. A Coreia do Sul tem 700 mi hectares no Sudão e a Arábia Saudita 500 mil hectares na Tanzânia.
O Grupo Pinesso, com 80 mil hectares de soja e algodão no Mao Grosso, começou uma experiência de 100 hectares de algodão no Sudão, na zona de influência do rio Nilo. Mas pretende implantar 100 mil hectares. As primeiras informações são positivas, ao invés de 18 aplicações de agrotóxicos, lá são necessárias 3 ou 4.
“A serpente nasce pequena”, como diz José Grazziano da Silva, diretor da FAO, recém-eleito. Perto dos 655 milhões de hectares de lavouras no Planeta a investida de estrangeiros em terras africanas, ou americanas pode ser pequena. Entretanto, a tendência é preocupante, porque os que chegam sempre estão com a razão, e normalmente esquecem os ocupantes, muitas vezes, os verdadeiros proprietários – índios e comunidades nativas, enfim, o povo do lugar.
Aqui pertinho temos o caso uruguaio. País pequeno, mais de 6 milhões de hectares comprados por estrangeiros, grande maioria brasileiros e argentinos. Depois transformado em polo produtor de celulose, com imensas plantações de eucalipto. Os pequenos produtores do interior sumiram, ou estão estrangulados.
Mágica é química
O Brasil também tem o outro lado do ofuscante e poderoso agronegócio. A população rural do país diminuiu de 24% para 16,7% entre 1991 e 2006. O número de empregos no setor rural caiu de 23,395 milhões em 1985 para 16,568 milhões em 2006. O número de pequenas propriedades, quer dizer, a área ocupada por elas, diminuiu de 9,987 milhões de hectares para 7,799 milhões de hectares. Ou seja, quase 2 milhões de hectares a menos, o equivalente a 200 mil propriedades em torno de 10 hectares. Que sumiram do mapa. As com mais de 1 mil hectares somam 146,5 milhões.
Até 2050, o aumento na produção de grãos previsto é de 70%, nesse padrão atual. Vai passar de 2,234 bilhões de toneladas para 3,570 bilhões. A maior produção é de milho, 878 milhões nos números do Departamento de Agricultura dos EUA, seguido por trigo 676 milhões e arroz 449 milhões de toneladas. A humanidade tem sua alimentação básica, em mais da metade dos atuais 7 bilhões de habitantes, nestes três grãozinhos. Das 7 mil plantas domesticadas pela espécie humana, somente três se tornaram as mais consumidas. Somando os 276 milhões de toneladas de soja, que se traduzem em alguns milhões de toneladas de carne (boi, galinha e porcos), está fechado o quadro da alimentação humana no Planeta.
Claro que para chegar a tal ponto de produtividade e expansão, tem um segredo muito bem conhecido, pouco divulgado e analisado: os químicos responsáveis pelo crescimento das plantas, pelo combate aos insetos e as “ervas daninhas”, digamos, as invasoras da propriedade alheia. O Brasil é o campeão, bateu os Estados Unidos este ano, vai gastar US$8 bilhões de dólares em herbicidas, inseticidas, fungicidas, acaricidas, ou seja, agrotóxicos. Para quem gosta de transparência: venenos.
Antigamente o símbolo das embalagens desses produtos era uma caveira no meio de dois ossos, para ficar bem claro o perigo que representam. Na era moderna, onde a civilização eletrônica e extremamente informada, as embalagens são coloridas, de plástico, e muitas vezes confundidas com refrigerantes, quando o líquido escuro é diluído, no caso das verduras e dos legumes. A vida é moderna, mas os venenos são obrigatórios. No caso do Brasil a quantidade oficial passa de 1 milhão de toneladas. O contrabando faz parte, como confirmam as apreensões do primeiro semestre de 2011 (20 toneladas). O Sindicato da Indústria de Defensivos Agrícolas (Sindag), divulga a falsificação e o consequente contrabando em 9% do volume usado. O Sindicato dos Auditores da Receita Federal, considera que 30% dos produtos usados no Brasil não tem origem conhecida. No ano passado foram 230 mil toneladas importadas, 20% da China e 20% da Argentina. O problema não são somente as falsificações, mas produtos banidos, como DDT, o mais conhecido dos organoclorados, continuam sendo usados.
Pássaros não voltam
As descobertas, em 1938, pelo cientista Paul Muller do DDT revelam uma ironia trágica. Na época, era usado até para combater traças na roupa de casa. Era algo milagroso. Em 1948, o cientista ganhou o Prêmio Nobel de Medicina. Calcula-se que 3 milhões de toneladas de DDT tenham sido produzidas até a década de 1970, quando foi proibido nos Estados Unidos. Na Amazônia e em outras regiões tropicais continua sendo empregado no combate ao mosquito da malária. Funcionários da Sucam (Superintendência de Combate a Malária), ainda lutam na justiça para receber indenização pela contaminação.
O mesmo não aconteceu com os milhares de vietnamitas – entre 650 mil e 4 milhões- da Federação Vietnamita das Vítimas do Agente Laranja, também conhecido como 2,4-D, despejado nas florestas do país, durante a guerra na década de 1960. Os tribunais americanos não reconheceram os direitos dos vietnamitas, mas a indústria química pagou US$180 milhões de indenizações a 15 mil veteranos do exército dos Estados Unidos. O 2,4-D continua sendo usado como desfolhante, para matar plantas. Seu nome é decorrente da cor dos tambores, que identificavam o produto e a empresa fabricante, quando chegava ao front.
Em 1962, uma cientista americana, Raquel Carson, denunciou pela primeira vez as consequências da contaminação de agentes químicos em seres humanos e na vida natural. O livro “Primavera Silenciosa” foi lançado no Brasil em 1964, logo expurgado. O título traduz uma situação real. Numa determinada primavera os pássaros migratórios não voltaram. É como se a primavera no Brasil iniciasse sem o canto do sabiá laranjeira (do papo laranja). No caso dos Estados Unidos foram os papos-roxos, que costumavam procurar minhocas no solo, junto aos Olmos, árvore típica do país, que tinham sido tratados com DDT, contra ataque de insetos. Os pássaros comeram minhocas envenenadas e morreram.
Sobre contaminação de químicos, no mundo de hoje, é absolutamente impossível fazer qualquer comparativo. Porque todos os seres vivos do Planeta tem algum tipo de contaminação. Não se pode comparar, ter uma testemunha referência, que esteja imune.
O DDT já foi encontrado no leite de ursas na maternidade do Svalbart, um arquipélago perto do Ártico, pertencente à Noruega – maternidade onde muitos ursos procriam. As moléculas desses venenos organoclorados ou fosforados grudam na gordura, qualquer tipo de gordura. E o efeito vai se acumulando. Pode durar décadas. Outros evaporam, após seis horas de aplicação. As moléculas viajam por quilômetros, até encontrar um ponto de fixação, que pode ser um animal, um vegetal, ou simplesmente, um córrego.
Campeão de agrotóxicos
No Brasil, por uma questão óbvia, é a soja que mais usa agrotóxicos: 44%, seguido pelo algodão (11%), cana (9%) e o milho (8%). As quantidades na safra 2009-2010 foram: 530 mil toneladas para soja (23,2 milhões de hectares), 143,7 mil toneladas nas lavouras de milho, 70,9 mil na cana e 69,6 mil no algodão, os dois últimos com áreas menores.
Os agrotóxicos mais vendidos são herbicidas, usados no combate as plantas invasoras. Foram 632,2 mil toneladas, com faturamento de R$2,5 bilhões. Em segundo lugar, os inseticidas com faturamento de R$1,9 bilhão e os fungicidas com receita de R$1,7 bilhão. Todos os dados são do Sindag. Aqui cabe outra explicação.
Na década de 1990, a indústria química começou a comprar as empresas produtoras de sementes. Foi nesta época que iniciaram os experimentos com os transgênicos, já ao nível comercial. A Monsanto, que domina o mercado de transgênicos no mundo, iniciou este movimento. A razão é muito simples: planta transgênica reage com o químico, no caso o herbicida, da mesma empresa. A planta é imune ao veneno. Em 1999, num congresso mundial da Monsanto, os executivos da empresa previam quem em 15, 20 anos, todas as sementes seriam transgênicas.
Em parte, as previsões se confirmaram. No caso da soja, a maior parte da produção é transgênica, principalmente nos Estados Unidos (83 milhões de toneladas), na Argentina (produção de 55 milhões de toneladas), e no Brasil a maior parte aderiu. O sojicultor compra a semente e o químico correspondente. As empresas usam como argumento a queda no número de agrotóxicos utilizados nas lavouras. Porém, cresceu na mesma intensidade, o volume de herbicidas. No caso do Brasil, houve aumento no uso de fungicidas, consequência da ferrugem asiática, um fungo que ataca as lavouras.
O que interessa mesmo é o seguinte: o Brasil é o campeão no uso de agrotóxicos no mundo. Os Estados Unidos que tem uma área de 64 milhões de hectares com lavouras de soja e milho, principalmente, registraram queda de 4,8% no volume de agrotóxicos, entre 1998 e 2007, segundo a Agência Ambiental (EPA). Ou seja, tem 50% mais de área, além disso, produzem mais que o dobro. Com destaque para o milho: a previsão é de 378 milhões de toneladas na próxima safra ( 40% para produção de etanol) . Aliás, os Estados Unidos representam 55% do comércio mundial de milho, 44% da soja, 41% do algodão e 28% do trigo.
Em relação ao trigo existem mudanças, porque se formou um corredor de exportação no Mar Negro, e envolve a Rússia (26 milhões de hectares), Ucrânia (10,7 milhões) e o Cazaquistão (14 milhões de hectares). Outros países do leste europeu também ampliaram suas áreas de plantio, assim como alguns africanos, como a Nigéria (7,5 milhões de hectares).
As empresas também rebatem que nos trópicos tem mais pragas. Deve ser isso. Dos 1,4 mil produtos registrados no Brasil como agrotóxicos, somente 21 são biológicos. As práticas de combate biológico, usando estratégias como dos feromônios, orientadores sexuais, ou, insetos que combatem outros, considerados pragas em lavouras – como a broca da cana -, já são usados largamente, mesmo no Brasil. Não é por outra razão que os plantios de orgânicos crescem intensamente pelo Planeta, e alguns organismos internacionais relatam que é um mercado de US$34 bilhões. Os estadunidenses são os maiores compradores, de países da Europa, particularmente, da Espanha.
Proibido na Europa
Agora, uma declaração ao jornal Valor Econômico, recentemente, do diretor geral da Syngenta, a maior fabricante de agrotóxicos do mundo (franco-suíça):
– “O objetivo é sermos capazes de dizer ao produtor qual combinação de semente e defensivo em sua condição específica vai entregar os melhores resultados”, disse Laércio Giampani, diretor no Brasil, no dia do evento em Minnesota (EUA), que formalizava a união da unidade de sementes com a unidade de “Proteção de Cultivo”, um mercado calculado pela multinacional em US$70 bilhões no mundo. O mais significativo do evento foram as previsões: em 2025, o mercado mundial será US$200 bilhões, quando a Syngenta deverá faturar US$17 bilhões. Em 2010, a empresa faturou US$8,8 bilhões com a venda de agrotóxicos e US$2,8 bilhões com sementes. No Brasil, o faturamento foi de US$1,8 bi. A Syngenta é a terceira na venda de sementes transgênicas, mercado liderado pela Monsanto. Em 2008, a Monsanto tinha 647 patentes sobre plantas transgênicas. E tem uma equipe muito grande de advogados especializados em cobranças judiciais, pelo uso das sementes e não pagamento de royalties.
Em 2014, a União Europeia já anunciou que vai barrar a maioria dos agrotóxicos usados em lavouras no Brasil. Dos 1.111 produtos analisados, serão permitidos 215. O Sindag, através de seus representantes, calcula que os 49 inseticidas utilizados pelos produtores brasileiros, 36 serão barrados. No Brasil o endossulfam, segundo inseticida mais usado em lavouras, incluindo café, cacau, foi proibido na Europa em 2005. A Parationa Metilíca, um organofosforado, um dos quatro mais usados em plantações de arroz, milho, alho, batata, feijão, foi proibido na Europa em 2003. O Metamidofós, muito empregado nas lavouras de verduras e legumes (tomate), vai ser proibido no Brasil, a partir de 2012. Já foi banido na década passado nos países desenvolvidos.
Boi, soja e eucalipto
A previsão do Banco Mundial é de alta de 20% dos alimentos até 2018. Os índices de commodities, que os investidores internacionais usam para aplicar no mercado futuro, registraram este ano US$410 bilhões, inclui os metais. Mas US$60 bilhões, foram quantificados como acréscimo no último ano nas mercadorias agrícolas, com preços internacionais, como soja, açúcar, café, trigo, milho, arroz, todos com preço acima, em relação a 2007, período pré-crise financeira. Quer dizer, a comida virou alvo da especulação financeira mundial.
Os ingredientes da Marcha dos Insensatos se encaixam como um jogo de cartas marcadas, cujo final ainda é desconhecido. No entanto, sabe-se o que os resultados podem proporcionar. Além das lavouras de exportação temos que considerar a expansão do eucalipto, não somente como matéria-prima da celulose, como cavacos para produzir energia, ou carvão nos fornos das siderúrgicas. Um exemplo prático. O “Plano 2024” da Suzano Papel e Celulose, prevê uma fábrica de celulose no Maranhã em 2013 e outra no Piauí em 2014, fora outras metas para a Suzano Energia Renovável, tudo para comemorar os 100 anos da empresa. Em Três Lagoas (MS), na divisa com Andradina (SP), a família Batista, dona do JBS, maior produtora de carne do mundo (30,4% de participação do BNDES), está construindo a Eldorado Brasil, outra fábrica de celulose. O sócio (25%) é o advogado Mário Celso Lopez, conhecido como vendedor e comprador de terras no cerrado. Declarou que já vendeu 1 milhão de hectares no Mato Grosso e 500 mil hectares no MS. Tem um confinamento de bois em Andradina, até recentemente, com capacidade para 50 mil cabeças. A Eldorado Brasil está para se fundir com uma empresa florestal, onde participam os mesmos sócios, além dos fundos Petros, Previ e Funcef. Objetivo envolve o plantio de 250 mil hectares de eucalipto nos dois estados.
Três Lagoas virou um polo industrial de celulose, conta com a International Paper na área de papel, e a Fibria, com fábrica produzindo mais de 1 milhão de toneladas/ano e que será duplicada – Fibria, resultado da união da Votorantim Celulose e Aracruz. Portanto temos um tripé: boi, soja e eucalipto se expandindo no cerrado e entrando na Amazônia. A cana corre por fora. A Marcha dos Insensatos segue o rumo norte.
Insensatos ou dementes
Em 1999, um grupo de cientistas de todas as áreas se reuniu em Macapá, para fazer um profundo diagnóstico sobre a Amazônia. O resultado é um livro, completamente documentado sobre espécies, clima, áreas diferenciadas. O que chama a atenção é a quantidade de vapor que a floresta amazônica produz: 7 trilhões de toneladas por ano. Grande parte da chuva que cai na América do Sul tem origem na floresta. Ela é a maior fonte de vapor continental do Planeta, conforme as informações do físico Paulo Artaxo, do Laboratório de Física Atmosférica da USP. Ele tem relatado constantemente um evento que poderá ocorrer com a floresta, quando ela atingir 20% de desmatamento. Trata-se do ponto de equilíbrio, a partir de tal marco, a floresta entra em regressão. Um número que está em discussão. De qualquer maneira o número oficial do desmatamento da Amazônia é de 18% da área total.
Como a maior fonte de vapor é óbvio que a Amazônia é um dos componentes do clima mundial. Ou seja, se a Marcha dos Insensatos seguir em frente, atingiremos o ponto de regressão. Mais cedo do que se esperava. Sem floresta e sem umidade, as chuvas diminuirão. Parece claro. Porém, a visão mais comum no agronegócio brasileiro é a floresta como um inferno verde, não produz nada. É por isso, que no início, defini esta marcha – acompanhada por mim nos últimos 20 anos, 13 deles morando em Campo Grande (MS) – como dos Insensatos. Podem ser indivíduos sem senso, por consequência, falta de juízo. Ou, também existe, uma segunda definição no dicionário – demente. Na verdade, com o andar da Marcha, saberemos se ela será dos Insensatos ou dos Dementes.