Judiciário e investimento especulativo intensificam conflito agrário no Pará


Por Ramiro Olivier
Da Página do MST


Por Ramiro Olivier
Da Página do MST

Diante dos graves conflitos agrários no estado do Pará que emergiram nos últimos meses, denunciados pelos movimentos sociais, a Relatoria do Direito Humano a Terra, Território e Alimentação da Plataforma Dhesca Brasil realizou uma missão de investigação sobre os casos de violações dos direitos humanos relacionados à terra e à Reforma Agrária no estado.

Para tanto, o professor e relator Sérgio Sauer foi o responsável pela missão e pôde averiguar, sobretudo, a situação da Fazenda Cedro, do banqueiro Daniel Dantas – quando mais de 15 Sem Terra foram feridos a bala por seguranças armados após um ato, em junho deste ano – e o caso do Acampamento Frei Henri, localizada no município de Curionópolis, que está cercado por pistoleiros.

Dois elementos que se convergem configuram a atual situação, segundo o relator: o forte investimento especulativo sobre as terras na região – sem que as funções sociais da terra sejam cumpridas – alinhado ao poder político do estado, especialmente o poder judiciário.

“O que é muito freqüente nessa região são os chamados investimentos especulativos. São terras que foram adquiridas e que não cumprem com a função social, que é produzir alimentos. Há um processo de impunidade muito forte que está vinculado ao chamado poder político do estado, onde ter posse de grandes propriedades significa também ter poder político. Fica muito claro uma relação direta entre o patrimônio da terra e do poder político local”, destaca Sérgio Sauer.

O relator ressalta também a forte conivência do poder judiciário sobre os conflitos agrários, já que ele tende a beneficiar os grandes proprietários. “O Incra tentou fazer, por exemplo, alguns processos de arrecadação de terras, argumentando que as grandes propriedades cometem crimes ambientais e que, portanto, a terra deixava de cumprir com sua função sócio-ambiental. Mas a justiça, simplesmente, deu liminar proibindo o Incra de desapropriar as áreas”, relata.

Todavia, o professor reconhece que há exceções, como a Vara Agrária do município de Marabá que, segundo ele, tem tido uma atitude importante na mediação dos conflitos e no apoio às famílias.

Nesse cenário, o relator afirma que a Reforma Agrária é a principal medida para solucionar os conflitos contra trabalhadores no estado do Pará, que ainda por cima é um dos estados brasileiros com maior concentração de terras.

Intimidação

Acampados desde 2010 na fazenda conhecida como Fazendinha, os Sem Terra do Acampamento Frei Henri decidiram ampliar a plantação de feijão, milho e mandioca na área, com a finalidade de construírem uma lavoura que realmente sustentasse as cerca de 220 famílias acampadas no local.

Ao não aceitar a permanência das famílias e a possibilidade de se estabelecerem com mais dignidade no local, o fazendeiro passou a cercar o acampamento com pistoleiros e a intimidar as famílias Sem Terra, com tiros sendo disparados nos períodos das noites.

“Os acampados estão vivendo num processo de constante intimidação, ameaças, perseguição e ataques repentinos dos jagunços contratados pelos fazendeiros. Isso é um reflexo da atitude dos acampados de tentarem plantar sua própria subsistência” contextualiza o professor.

Sérgio afirma que as famílias continuam em estado de choque em relação às ameaças constantes dos pistoleiros a mando dos fazendeiros, e aguardam um posicionamento do poder judiciário frente à violação dos direitos humanos.

Histórico da Fazendinha

Desde 2010, 280 famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais mobilizadas pelo MST se encontram acampadas em uma área rural no município de Curionópolis, conhecida como acampamento Frei Henri.

A área conhecida como fazenda Fazendinha, de mais de 400 hectares, pertence à União. No entanto, o fazendeiro conhecido como Dão Baiano já tentou regularizar a área em nome de uma de suas filhas, mas foi negado por representantes do programa Terra Legal, tendo em vista que essa mesma terra já é assentada em um Projeto de Assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Histórico da fazenda Cedro

A Fazenda Cedro foi ocupada em 2010 por cerca de 240 famílias do MST. A área é objeto de um imbróglio jurídico que envolve o Estado, a família Mutran e o Grupo Santa Bárbara, de propriedade do banqueiro Daniel Dantas, investigado pela Polícia Federal por suspeita de desvio de verbas públicas, corrupção e lavagem de dinheiro. Ao todo, seis fazendas do grupo de Dantas foram ocupadas pelo movimento no período.

Através de mediação da Ouvidoria Agrária Nacional foi proposto um acordo judicial perante a Vara Agrária de Marabá, pelo qual o MST, com apoio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), desocuparia três fazendas (Espírito Santo, Castanhais, Porto Rico) e outras três (Cedro, Itacaiunas e Fortaleza) seriam desapropriadas para o assentamento das famílias.

O Grupo Santa Bárbara, que administra as fazendas, concordou com a proposta. Em ato contínuo, os trabalhadores sem terra desocuparam as três fazendas, mas os representantes do Grupo se negaram a assinar o acordo.