Desapropriação é único mecanismo eficaz, diz advogado


Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST


Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST

A única maneira de acabar com o desespero das 68 famílias do assentamento Milton Santos e impedir o despejo é o governo federal fazer a desapropriação por interesse social da área.

“O caminho eficaz é a presidenta assinar o decreto pela desapropriação por interesse social e, imediatamente, a procuradoria jurídica do Incra entrar com ação de imissão de posse propriamente dita, suspendendo a reintegração de posse. É o único mecanismo eficaz hoje, é possível e há tempo”, afirma Nilcio Costa, militante do MST e advogado das famílias.

Nilcio sustenta que é possível desapropriar a área, apesar do imbróglio jurídico em torno da área. O Incra alega que é inviável do ponto de vista jurídico o decreto de desapropriação por interesse social.

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“O Incra alega que a presidenta não pode desapropriar porque a área está em nome do INSS. No entanto, se o governo federal quiser, a AGU pode ir no processo de ação de prestação de contas, ajuizado pela família Abdalla, em que a União era ré, no processo em que o juiz determinou a devolução do bem. A União pode pedir que o juiz oficialize em cartório para que registre a sentença e transfira em nome do particular”, esclarece o advogado.

Nesse quadro, as famílias vivem uma situação de dúvida sobre o futuro. Na terça-feira (15/1), os assentados ocuparam o Incra, em São Paulo, onde permanecem com a disposição de continuar até que tenham uma garantia da manutenção do assentamento.

 

“A indefinição cria um processo de tortura psicológica. Temos casos de pessoas mais velhas com início de depressão, o desempenho escolar das crianças diminuiu, pessoas com problemas sérios de saúde pioraram por conta dessa situação. Há um desespero geral”, conta Nilcio.

Leia abaixo entrevista com Nilcio Costa, que apresenta um panorama da disputa jurídica,  aponta as saída política e critica lentidão do governo para resolver a situação.

Como se deu a situação jurídica do Milton Santos?

Em 1976, a União, através de um decreto do Presidente da República, confiscou vários imóveis pertencentes à família Abdalla, que determinava a incorporação dos bens no patrimônio de uma entidade pública. No caso do sítio Boa Vista, ele foi incorporado ao patrimônio do INSS. Nesse decreto estava dito que, após efetivado o fisco, mediante prestação de contas e constatado o excesso na execução, os imóveis ainda não alienados seriam devolvidos aos proprietários.

Em 1981 o grupo Adballa entrou com uma ação de prestação de contas na primeira vara federal da capital.  A ação correu todas as instâncias do Poder Judiciário, que concluiu, por meio de perícia, que houve excesso. Assim, os bens que ainda não tinham sido alienados deveriam ser devolvidos. Foi elaborada uma lista com esses bens, com o sítio Boa Vista.

O grupo Abdalla recebeu a devolução desses bens, mas não registrou em cartório, possivelmente para ocultar patrimônio. Esse grupo tem várias execuções trabalhistas, fiscais e de credores. Embora houvesse uma sentença transitada em julgado a favor dos Abdalla devolvendo o imóvel, eles deixaram o patrimônio em nome do INSS.

Quando as famílias ocuparam a área?

Em 2005, quando o MST ocupa o sítio Boa Vista, o Incra negocia com o INSS, que faz a concessão de uso para o Incra. Porém, o Incra recebeu a concessão de um imóvel que estava ocupado pela Usina Ester, que mantinha com a família Abdalla um contrato de arrendamento.

No dia 22 de dezembro de 2005, o Incra entra com ação de reintegração de posse contra a Usina Ester e vence. Com a liminar obtida, inicia o processo de assentamento das famílias. A Usina Ester recorreu da decisão da Justiça Federal de Piracicaba (agravo de instrumento) para o Tribunal Regional Federal. Esse agravo veio correndo durante esses anos, sem que o Incra passasse qualquer informação sobre a situação processual da área. A informação que nós tínhamos era de que estava tudo certo.

No início de 2012, saiu a decisão do Tribunal Regional Federal, que por dois votos a um revogou a decisão a favor do Incra, determinando a devolução da área para a Usina Ester e a família Abdalla.

Qual a saída para regularizar a situação das famílias?

Desde o início desse processo, em contato com colegas que atuaram nas procuradorias do Incra, chegamos à conclusão que a única medida cabível para resolver o problema seria a desapropriação por interesse social, com base na lei 4132/1972, que é um instrumento utilizado pelo Executivo. Essa é a única opção viável porque, além do agravo da Usina Ester, há também a ação transitando em julgado o recurso que determina a devolução do imóvel ao proprietário, então por mais que se consiga suspender a reintegração de posse hoje, daqui há alguns anos o problema retornaria. O governo diz que lançará mão de todo instrumento antes de fazer a desapropriação por interesse social nesses moldes na questão agrária.

Por quê?

O governo alega que esta desapropriação é mais onerosa para o Estado, que deve pagar em dinheiro. O conteúdo político de uma desapropriação dessas no Milton Santos abriria um precedente para resolver vários outros problemas relativos à questão agrária, como a área onde houve o Massacre de Felisburgo – que foi desapropriada devido ao não cumprimento da função ambiental e social da terra. Lá as famílias estão em iminência de serem despejadas e o governo poderia se lançar mão desse tipo de desapropriação para resolver o problema.

Como o Incra tem atuado?

O Incra tomou algumas medidas, como o embargo de retenção, que é um instrumento jurídico que determina que caso haja uma reintegração de posse numa área onde os possuidores fizeram benfeitorias de boa fé, como é o caso dos assentados do Milton Santos, para que cumpra reintegração de posse, quem irá receber a posse deve indenizar as famílias. Esse pedido já foi julgado pelo judiciário como improcedente.

O Incra diz agora que o INSS entrou com pedido na justiça para que seja revogada a reintegração de posse, defendendo a tese de que a decisão judicial que pediu a reintegração determinou que a União fizesse a devolução. Porém a área está registrada como patrimônio do INSS, que é distinto do patrimônio da União. Na nossa avaliação essa tese não se sustenta, pois o próprio decreto que previu o confisco já fazia essa previsão de devolução do bem caso houvesse excesso.

E a posição do Poder Judiciário?

No TRF, esse debate já foi feito. Acreditamos que qualquer medida judicial que seja tomada é ineficaz. O caminho eficaz é a presidenta assinar o decreto pela desapropriação por interesse social e, imediatamente, a procuradoria jurídica do Incra entrar com ação de imissão de posse propriamente dita, suspendendo a reintegração de posse. É o único mecanismo eficaz hoje, é possível e há tempo. O prazo vence no dia 30 de janeiro. O juiz já requisitou força policial para o cumprimento da reintegração, e caso não haja movimentação do governo para assinar o decreto, não há outra possibilidade de suspender esta decisão.

A propriedade, juridicamente, é da família Abdalla?

A legislação que trata dos registros cartoriais determina que o proprietário do imóvel é aquele que tem seu nome registrado em cartório. A área está registrada em nome do INSS. Porém existe um outro princípio no Direito que afirma que a ação transitada em julgado prevalece sobre o registro cartorial. E foi essa a tese que o TRF acolheu. Embora esteja registrada em nome do INSS, há uma decisão judicial demandando a mudança dessa situação.

O Incra alega que a presidenta não pode desapropriar porque a área está em nome do INSS. No entanto, se o governo federal quiser, a AGU pode ir no processo de ação de prestação de contas, ajuizado pela família Abdalla, em que a União era ré, no processo em que o juiz determinou a devolução do bem. A União pode pedir que o juiz oficialize em cartório para que registre a sentença e transfira em nome do particular. Então, esse argumento do Incra não se sustenta.

Ainda é possível que se assine a desapropriação por interesse social?

Se houver interesse político, sim. Tempo há. Isso de dizer que a burocracia impede não é verdade. É uma decisão puramente política do governo, não há nenhum entrave.

O que essa ofensiva do Judiciário representa no processo de Reforma Agrária?

Na última década o Poder Judiciário tem sido um dos grandes entraves para a Reforma Agrária. Uma ofensiva dessas no Milton Santos representa o retrocesso da questão agrária. Passamos por um processo de paralisia da Reforma Agrária. Agora estamos sofrendo um retrocesso, de “desassentamento” das famílias, com assentamentos que foram consolidados sendo desfeitos.

Qual a reação das instituições às mobilizações das famílias do assentamento?

Há uma mobilização grande das famílias do Milton Santos e de outros assentamentos, que tem sido solidários. No governo, há uma situação que tem nos preocupado. Ninguém do governo diz que as famílias serão despejadas. O Incra solta nota na imprensa dizendo que está tomando todas as medidas possíveis. O governo afirma que, em último caso, vai assinar o decreto de desapropriação.

O problema é que o último caso para o governo é diferente do último caso para as famílias. Para o governo, o último caso é ocorrer a reintegração de posse; para as famílias, não se pode chegar a esse ponto.

Seria uma tragédia para as famílias…

A reintegração de posse implica na destruição das casas, no desaparecimento dos bens durante a reintegração, de forma que não vai resolver, após a reintegração de posse, a presidenta assinar o decreto para que as famílias retornem.

A indefinição cria um processo de tortura psicológica. Temos casos de pessoas mais velhas com início de depressão, o desempenho escolar das crianças diminuiu, pessoas com problemas sérios de saúde pioraram por conta dessa situação. Há um desespero geral.

A notícia da reintegração chegou para as famílias em março de 2012. Daqui a pouco já vai fazer um ano que essas famílias sofrem essa pressão. O ano de 2012 foi totalmente perdido para os assentados, porque ninguém está estimulado a formar o pomar, reformar a casa, pois não há certeza do que vai acontecer.