Para especialista, estrutura do judiciário não permite solucionar conflitos agrários



Por Carlos Marés
Do Brasil de Fato


A Secretaria de Reforma do Judiciário (SRJ) do Ministério da Justiça acaba de publicar o resultado de um interessante estudo sobre soluções alternativas para os conflitos agrários e tradicionais. O Estudo, coordenado e desenvolvido por professores integrantes de Programas de Pós-graduação, teve a parceria da organização Terra de Direitos e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).


Por Carlos Marés
Do Brasil de Fato

A Secretaria de Reforma do Judiciário (SRJ) do Ministério da Justiça acaba de publicar o resultado de um interessante estudo sobre soluções alternativas para os conflitos agrários e tradicionais. O Estudo, coordenado e desenvolvido por professores integrantes de Programas de Pós-graduação, teve a parceria da organização Terra de Direitos e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Estes conflitos, em geral envolvendo proprietários de terras e comunidades tradicionais ou de pequenos agricultores familiares, são traumáticos, invariavelmente demorados e sempre judicializados.

A pesquisa partiu da análise de quatro casos concretos, dois de camponeses, um de indígenas e um de quilombolas. Estes conflitos se caracterizam pelo fato de um lado estar uma coletividade que usa e precisa usar a terra e do outro a propriedade privada. Da análise resultou que as soluções que o Estado brasileiro oferece acabam sempre judicializadas e decidias pelos estreitos limites do formalismo e legalismo, que não atendem a princípios constitucionais como a erradicação da pobreza e da marginalização e a promoção do bem de todos, entre outros.

De fato, o Poder Judiciário, tal como está estruturado, não consegue interpretar princípios e aplicá-los, parando num formalismo que, longe de solucionar os conflitos, os estendem para um tempo mais longe, mantendo um estado de injustiça, de pobreza e de marginalização, quando não o amplia.

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A pesquisa demonstra que existe um instrumental jurídico e uma vontade nacional e internacional (arcabouço normativo de leis e tratados) para uma solução mediada, negociada de tal forma que se chegue a uma solução para as origens do problema. É um estudo sensato, sem críticas morais a sistemas ou órgãos, apenas constatando as dificuldades de implementação dos princípios pelos quais está constituído o estado brasileiro.

Apesar disto, a Senadora Kátia Abreu, em nome dos proprietários de terras, escreve um insidioso artigo criticando a pesquisa, seus financiadores, realizadores e autoridades presentes ao lançamento de seu resultado. Talvez por não ter entendido o teor de uma pesquisa científica, talvez pelo só espírito de emulação, considera que o resultado é um desrespeito às leis do país e uma desconsideração para com o Judiciário. Aliás, pelo nome da Secretaria de Estado que promoveu a pesquisa (Secretaria de Reforma do Judiciário) fica desconstruído o argumento da senadora e presidenta do CNA que também lançou uma nota ácida.

Ao contrário, a razão da pesquisa é exatamente analisar o que se deve fazer para implementar o que a Constituição brasileira determinou em 1988. Não só os conflitos agrários, quem sabe os mais visíveis, mas todos os conflitos e mazelas sociais deveriam ser objeto de estudo visando sua superação. O que a pesquisa mostra é que tudo está sendo judicializado e que há instrumentos para se pensar em soluções harmônicas, sempre mais justas e adequadas. Mas se a cabeça dos dirigentes dos proprietários de terras não está preocupada com soluções, dificilmente chegaremos a alternativas e o conflito deve continuar.

Realmente, enquanto faltar sensibilidade humana a uma das partes que tudo vê a partir do prisma do lucro, o trabalho do Estado, como conciliador, fica evidentemente prejudicado, nem haverá reforma do Judiciário, nem soluções alternativas. Vai imperar o radicalismo e sectarismo desejado pela Senadora.

Carlos Marés é doutor em Direito pela UFPR, professor da PUC/PR e ex-procurador geral do Estado do Paraná.