Jaime Amorim: “2015 será o ano de retomar as grandes mobilizações pela Reforma Agrária”



Por José Coutinho Júnior
Do Jornal Sem Terra


Em entrevista ao Jornal Sem Terra, Jaime Amorim, da coordenação nacional do MST, analisa a conjuntura política de 2014. Do 6° Congresso do MST ao período eleitoral, abre-se um espaço para um novo ciclo de lutas pela Reforma Agrária.


Por José Coutinho Júnior
Do Jornal Sem Terra


Em entrevista ao Jornal Sem Terra, Jaime Amorim, da coordenação nacional do MST, analisa a conjuntura política de 2014. Do 6° Congresso do MST ao período eleitoral, abre-se um espaço para um novo ciclo de lutas pela Reforma Agrária.

Para ele, o ano de 2015 será de extrema importância “para fazer ocupações de latifúndios, retomar o processo de massificação da luta pela terra, exigir do governo questões fundamentais para o desenvolvimento da Reforma Agrária Popular, dos assentamentos e para a desapropriação de terras”.

Abaixo, confira a entrevista:

O que representou o 6° Congresso do MST, tanto para o Movimento como para a sociedade?


O 6° Congresso foi um marco para o MST, que mostrou a referência que o Movimento construiu tanto no Brasil como em outros países.

Queríamos dar um recado, de que estamos recuperando o processo de luta de massas, e que a luta pela Reforma Agrária está viva. A palavra de ordem “Lutar, Construir Reforma Agrária Popular” constitui uma síntese do que foi o Congresso.

Daqui em diante, se quisermos conquistar alguma coisa, essa conquista virá das lutas. E ao mesmo tempo em que se esgota o processo da Reforma Agrária Clássica, temos uma nova proposta, a Reforma Agrária Popular. Essa foi a marca que o Congresso deixou.

Que balanço você faz da Reforma Agrária no fim do primeiro mandato de Dilma? 


Infelizmente tivemos duas questões centrais para a Reforma Agrária não ter avançado no longo período do governo Lula e Dilma.

O projeto que eles adotaram não tem espaço para a Reforma Agrária. Eles apostaram no agronegócio, na produção para exportação, para garantir o equilíbrio da balança comercial.

O governo nunca tomou medidas para avançar na Reforma Agrária, e com isso indiretamente reforça o modelo agroexportador, que sempre contestamos.

O agronegócio, em função dos incentivos do governo, acabou construindo uma hegemonia no campo, com aliados poderosos, como a câmara dos deputados, a imprensa nacional e o poder judiciário.

Mas o poderio do agronegócio começa a entrar em falência. Setores que eram fortes, como o canavieiro e o do eucalipto estão quebrando, e isso mostra que vamos entrar num novo período da luta pela Reforma Agrária nos próximos anos.

O que estava em jogo para os trabalhadores nestas eleições?


Havia dois projetos: o neodesenvolvimentista, que está em vigor, e outro era o neoliberal, que vinha com uma carga reacionária na candidatura Aécio Neves. Então o Movimento e várias organizações foram às ruas para impedir que essa carga reacionária voltasse a governar o Brasil.

Tivemos que tomar uma postura, mesmo com as discordâncias e conhecimento de que o governo foi ruim para a Reforma Agrária.

O Congresso Nacional que foi eleito este ano é um dos mais conservadores. Como lutar por mudanças nesse cenário?


Vamos ter que criar outras formas de nos posicionar nesta conjuntura. Mas é possível que, com as lutas nas ruas, possamos pressionar o governo a tomar uma postura mais progressista, e com a postura do governo mais à esquerda, é possível quebrar alguns ranços que estão aí. Temos que ir para a ofensiva contra esse Congresso.

Também temos que organizar as forças de esquerda para que possamos fazer frente a esse processo. Criar uma ampla frente popular que reúna organizações e partidos de esquerda, que lute por bandeiras concretas.

Temos que exigir, nas ruas, que o governo faça as principais reformas. A primeira é a Reforma Política, que é um consenso no Brasil, mas não no Congresso, e temos de pressionar para alterar esse modelo político que não nos serve.

Segundo, o tiro no pé do governo do PT: não ter feito uma reforma nos meios de comunicação. Agora é a hora, está todo mundo atento para isso, e se quisermos uma sociedade mais democrática, essa hegemonia de poucos grupos que determinam o que o Brasil tem que pensar deve acabar.

Também tem que ser feita uma reforma tributária, pois é necessário que o país cobre menos impostos do povo e mais dos ricos. E a Reforma Agrária. Se o governo não fizer, é nossa tarefa organizar a população do campo e exigir que ela seja feita.

É certo que vamos ter um cenário complexo e de muitas contradições. A correlação de forças está bastante apertada; tanto o Congresso, o judiciário e a imprensa vão estar contra nós e contra o governo, criando um processo de instabilidade permanente.

O que caracteriza esse novo período de lutas pela Reforma Agrária?


Há uma contradição bastante explícita entre o pensamento da direita conservadora e o pensamento mais progressista, mais avançado, com possibilidade de avançar para a esquerda.

Vamos ter que fazer com que essas contradições sejam motivação para que o povo retorne às ruas para defender as reformas necessárias que o Estado tem que fazer.

Temos que enfrentar imediatamente essa oposição, fazendo lutas de massa logo no início de 2015, garantir efetivamente um março e abril vermelho para demonstrar nossa capacidade e disposição de luta.

Vamos dar sinais ao governo de que não vamos sair das ruas, continuar cobrando nossas bandeiras, e ao mesmo tempo mostrar para a burguesia que não vamos aceitar mais retrocesso e a violência imposta pelo latifúndio.

A bancada ruralista, após essa eleição, conta com mais de 50% dos deputados no Congresso. O que isso representa para a luta dos trabalhadores do campo?

O aumento do conservadorismo no congresso não é resultado de uma democracia popular, e sim da capitalização cada vez maior do processo eleitoral. Quem tinha dinheiro se elegeu, como os ruralistas e os fundamentalistas, eleitos pela mídia e empreiteiras.

Vamos sofrer durante esse período um processo permanente de tentativa de tirar os direitos já conquistados, e o Congresso tentará encurralar e imobilizar o governo cada vez mais.

Nós temos que disputar as ruas, para não perder direitos já conquistados ou ficar à mercê desse Congresso reacionário.

Após a indicação de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura (MAPA), é possível afirmar que esse governo ainda está em disputa?


Se essa indicação for consolidada, é um sinal bastante ruim para todos aqueles que foram às ruas defender a reeleição da presidenta Dilma.

Do ponto de vista objetivo, isso não altera muita coisa; O MAPA é o ministério do agronegócio. Alguém que representa o setor vai estar lá. O que altera é o que representa a Kátia Abreu.

O governo, se quiser ter a nossa confiança, precisa indicar para o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que é o nosso ministério, pessoas que representem a vontade de fazer a luta dos camponeses.

Temos que pressionar o governo para indicar quem tem a competência e capacidade para gerir o MDA, o Incra e garantir que a Conab não esteja mais ligada ao MAPA, e sim ao MDA, que são os órgãos que nos interessam.

E vamos cobrar, pois a presidenta não estaria eleita se não fossem os camponeses e Sem Terra. Ainda há espaço para disputar no governo, principalmente no que diz respeito às reformas necessárias.

Se não ocorrerem mudanças ministeriais que nos beneficiem, vai ficar claro que o governo só precisa de nós para o período eleitoral, e esse processo já está esgotado. 

Porque vamos para as ruas e elegemos um governo que fica refém das elites que não votaram nele. E quando isso acontece, quem ganha é a direita. Corremos o risco de ter um governo eleito pela esquerda, que vai realizar o projeto da direita.

Será possível fazer reformas, como a política e a regulação da mídia, com esse Congresso conservador?


Se dependermos desse congresso, não vamos ganhar nada. O congresso vai fazer o governo refém e impor derrotas ao governo e ao povo brasileiro. A tentativa desse congresso é inviablizar o governo até chegar ao ponto de pedir o impeachment da presidenta.

Não vamos só perder direitos, mas ele fará com que aos poucos o governo recue nas políticas públicas e sociais, que foram bandeiras nos últimos 12 anos.

Se possível, a direita vai destituir a possibilidade do governo manter o Bolsa Família, que apesar de todos os problemas, é uma forma de inserção da população que não tem acesso ao trabalho e emprego ainda.

Ou vamos às ruas, com organização popular, ou vamos perder. Se o governo não der sinais e os movimentos sociais não perceberem o momento que estamos vivendo, a tendência é vivermos quatro anos de muitos conflitos e perdas de direitos.

Quais as ações do MST frente a tudo isso?


Para nós do Movimento, esse é um momento bom. As contradições estão bastante expostas, a gente consegue percebê-las. De um lado está a direita querendo retornar ao governo, e ao mesmo tempo, essa direita no campo começa a falir.

Então é nossa hora. 2015 vai ser um ano muito importante para fazer ocupações de latifúndios, retomar o processo de massificação da luta pela terra, exigir do governo questões fundamentais para o desenvolvimento da Reforma Agrária Popular, para o desenvolvimento dos assentamentos e para a desapropriação de terras.

Precisamos fazer uma grande luta no início do ano, recuperar nossa capacidade de fazer grandes mobilizações e recolocar a Reforma Agrária na agenda política da sociedade.