Cúpula dos Povos: luta continua para mudar o sistema, não apenas o clima

 

Da Página do MST


Em paralelo à 20ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP20), realizada em Lima, no Peru, entre os dias , diversas organizações realizaram a Cúpula dos Povos Frente à Mudança Climática, com a finalidade de ampliar as discussões não priorizadas pela COP20.

 

Da Página do MST

Em paralelo à 20ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP20), realizada em Lima, no Peru, entre os dias , diversas organizações realizaram a Cúpula dos Povos Frente à Mudança Climática, com a finalidade de ampliar as discussões não priorizadas pela COP20.

A Cúpula dos Povos foi um encontro alternativo à COP20, sendo um espaço livre para os movimentos sociais e civis debaterem o fenômeno da mudança climática e proporem alternativas, ampliando o debate sobre o tema no mundo. Já a COP20 reúne em torno de 10 mil delegados representando 195 países que negociam acordos para reduzir os efeitos da mudança climática na Terra.

Abaixo, segue a carta final da Cúpula dos Povos.
 

Declaração de Lima: Cúpula dos Povos Frente às Mudanças Climáticas

 

A Cúpula dos Povos Frente à Mudança Climática, realizada em Lima, de 8 a 11 Dezembro de 2014, é uma expressão de processos de resistência e mobilização realizada por uma variedade de organizações, movimentos, plataformas, redes e grupos sociais, sindicatos, grupos de mulheres, camponeses, indígenas, jovens, ambientalistas, entidades religiosas, artísticas e culturais peruanos e internacionais. 

Reunimo-nos para continuar debatendo e partilhando as múltiplas formas de luta e resistência, para a construção da justiça social, contra o sistema capitalista patriarcal, racista e homofóbico, pelo respeito à diversidade de formas de vida, sem exploração e pilhagem dos bens naturais, pela capacidade dos povos de decidir sobre suas fontes de energia, pela redução das desigualdades sociais e promover uma vida em harmonia com a natureza e a Mãe Terra.

O capital procura fazer, frente à sua crise sistêmicas, a captura dos bens da natureza, como a  água, saques de territórios e de património natural, a produção de combustíveis fósseis, além do aumento da exploração dos trabalhadores, a repressão dos movimentos sociais e violência física e psicológica, múltiplas formas de crescente criminalização das lutas dos povos, a militarização e o controle territorial.

Tudo isso é incentivado pela mídia corporativa. Além disso,  o estado e suas burocracias servem ao poder econômico, pagando dívidas injustas, e dando uma variedade de benefícios aos poderes reais por trás dos governos no poder. O Estado é dócil ao mandato de empresas nacionais e multinacionais e seus agentes políticos.

Nesta conjuntura, a Cúpula dos Povos representa a voz dos explorados e oprimidos do mundo, marginalizados por um sistema econômico e cultural que os subordina a setores racistas, fundamentalistas, sexistas e empregadores que beneficiam do modelo capitalista. 

Neste momento crucial enfrentado pela humanidade, onde a séria mudança climática que sofremos exige uma ação urgente por parte da sociedade global, exigimos dos governos e do Sistema de Nações Unidas se reuniram na COP 20, a adoção de acordos para respeitar e reconhecer o valor da vida e os povos indígenas, urbanos, camponeses e promover a preservação da biodiversidade global. Rejeitamos qualquer mecanismo de mercado que surge como uma solução para os problemas ambientais e climáticos.

As pessoas e organizações que se reuniram nesta cúpula são parte de processos de lutas anteriores que tecidos em nossos povos, e chegamos a este ponto com essa força e construção coletiva. A partir disso, expressamos e exigimos:

Os governos do mundo devem respeitar nossos territórios, direitos e condições de vida, nossas culturas, costumes e visões de mundo sobre a vida e para o mundo em que vivemos.

Condenamos a exploração de nossos recursos naturais e territórios por indústrias extrativistas que afetam o nosso sustento, nossa fonte de identidade e do relacionamento harmonioso das nossas comunidades com a Mãe Terra.

Exigimos o reconhecimento da propriedade da terra das comunidades que tradicionalmente viviam em suas terras. Nós não aceitamos o controle externo do território ou os processos de negociação e implementação de falsas soluções para o clima. Os governos devem ter em sua essência o respeito aos nossos modos de vida ancestrais e reconhecer a nossa autonomia como nações e povos.

No conjunto de iniciativas para inverter a tendência climática destrutivs que tem conduzido o nosso planeta, deve-se considerar a responsabilidade histórica dos países desenvolvidos, e a reparação da dívida histórica e ecológica que estes tem para com o Sul global. 

Em particular, as corporações transnacionais de capital privado dos países desenvolvidos devem ser responsabilizadas por suas ações e práticas a nível mundial. Exigimos justiça plena em casos de poluição por empresas como Newmont, Doeran no Peru, e Chevron-Texaco, entre outras, que, em sua passagem pela Amazônia deixou um legado do maior ecocídio na história do planeta.

Exigimos aos governos aceitar e respeitar o nosso direito humano ao trabalho decente, com pleno exercício dos direitos individuais e coletivos, e que se garanta um processo de transição justa, em um mundo que nos permita melhorar a qualidade de vida das pessoas. Exigimos garantias de acesso universal aos sistemas de protecção social e de segurança, o respeito pela nossa liberdade de associação e da partilha justa e equitativa da riqueza produzida pelo nosso trabalho e conhecimento.

Nós acreditamos que nenhuma ação para enfrentar a mudança climática será eficaz ou viável se não for promovida por políticas públicas e efetivas em favor da pequena agricultura familiar e camponesa, reforma agrária, soberania e segurança alimentar de nossos povos, a produção sustentável com base agroecológica, livre de transgênicos e pesticidas, preservando a nossa biodiversidade. 

Acreditamos que a mudança para uma solução justa e uma economia local comum, solidária, cooperativa e feminista é essencial para reconhecer o direito humano à alimentação e a grande contribuição da agricultura familiar, que contribui com mais de 70% da alimentação do mundo. Exigimos que se pare de produzir agrocombustíveis, que promovem o desmatamento, a erosão do solo, poluição das fontes de ar e de água e representam uma forma de recolonização territorial.

Como expressão desta estratégia do capital nos últimos anos, se tem agravado a privatização, mercantilização e financeirização da natureza, expressa nos princípios da economia verde, que apresenta falsas soluções para a crise climática. Algumas dessas propostas  são os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD), os OGM, os agrocombustíveis, geo-engenharia, hidrelétrica, megaprojetos nucleares, fraturamento hidráulico (“fracking”) e a agricultura de clima inteligente.

A estratégia de capital envolve também o que chamamos de arquitetura da impunidade das empresas transnacionais e governos, por meio de livre comércio e proteção de investimentos, em busca de privatizar serviços essenciais como água, educação, saúde e habitação, que violam os direitos humanos dos trabalhadores e dos povos. A Cúpula dos Povos rejeita todas estas estratégias do capital.

Como dissemos antes, denunciamos o sistema capitalista-patriarcal, que sustenta a opressão e controle do corpo, o trabalho e a vida das mulheres, promove a violência sexual e as marginaliza das mais diversas áreas do sistema de vida social e pública. É necessário avançar no sentido de uma outra divisão social do trabalho, o que elimina a subordinação do trabalho das mulheres, não invisibilize o trabalho de cuidado – que torna possível a reprodução social –  nem o subordine aos ditames do mercado. Exigimos uma mudança radical, que reconheça o trabalho reprodutivo como a base da sustentabilidade humana e as relações entre pessoas e comunidades.

Todas as alternativas devem incorporar a perspectiva feminista e promover uma relação mais justa entre homens e mulheres.

Defendemos a promoção do consumo responsável e não alienado, com base na adoção de hábitos e padrões de consumo saudáveis, de acordo com a necessidade humana, não sujeitos à ambição do capital. Um consumo que não contribua para a poluição ambiental e as alterações climáticas. 

Nós incentivamos o uso responsável de recursos vitais, da reciclagem e gestão sustentável dos resíduos sólidos. Comprometemo-nos a promover a consciência pública sobre as ações que podem ser tomadas para se mover coletivamente em direção a um mundo mais justo.

Os Estados devem tomar decisões e medidas imediatas de protecção, conservação e restauração de bacias hidrográficas, ecossistemas, altas montanhas, pântanos, pantanais, desertos, estepes, florestas, aquíferos, lagos, rios, nascentes e áreas marinhas costeiras que alimentam a mãe Terra. 

Estes ecossistemas e fontes de água são afetadas pelas atividades das indústrias extrativistas, como mineração, petróleo, carvão e gás, pela exploração madeireira e o despejo de resíduos, entre outras causas. Deve se garantir o direito humano à água e ao saneamento e a igualdade de acesso a esses direitos. Isso só pode ser feito com empresas públicas em mãos públicas.

A Cúpula dos Povos questiona a incoerência do governo peruano na sua qualidade de Presidente da COP 20. Por suas políticas ambientalistas, trabalhistas e fiscais adotadas recentemente a favor da iniciativa privada –rebaixando padrões e regulações que afetam direitos coletivos, ambientais e culturais. Denunciamos a repressão dos representantes indígenas, líderes sindicais e agricultores, ativistas ambientais, bem como a hostilização de delegações que chegaram à Cúpula dos Povos de várias regiões do país e no exterior.

A Cúpula dos Povos questiona a captura corporativa da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. As grandes corporações transnacionais “acompanham” os governos nas negociações globais para chegar a um acordo sobre medidas com o único propósito de fazer acordos para limpar a responsabilidade dos paíeses industrializados por suas emissões de gases de efeito estufa e por serem os principais responsáveis pela mudança climática. 

Exigimos o pagamento dos serviços da dívida externa e interna, que sufocam o povo e limitam a capacidade dos Estados para atender às necessidades básicas das populações, e que esse dinheiro se destine a enfrentar a crise ambiental e climática porque a sobrevivência da humanidade e todas as espécies vivas do planeta depende de vencer esta crise.

A Cúpula dos Povos saúda a mobilização comprometida e entusiasmada de dezenas de milhares de cidadãos de todo o mundo, que participaram da Grande Marcha Global em Defesa da Mãe Terra, no dia 10 de dezembro em Lima e outras cidades do mundo.

Esta grande concentração de organizações, movimentos e delegações do Peru e numerosos países é a expressão mais clara da posição dos povos em favor de uma harmonia justa e democrática, para garantir entre a existência humana e os direitos da natureza e mãe Terra.

Seguimos fortalecendo a articulação das nossas lutas, de forma ativa e permanente nas muitas manifestações de 2015, em especial em Paris, França, onde vai acontecer a COP 21. Desde já  movimentos sociais de todo o mundo se preparam para continuar a luta por nossos territórios em defesa da vida, até que se cumpram as nossas exigências. Vamos continuar a lutar para mudar o sistema … não o clima!