Dom Tomás tem seu experimento agroecológico ameaçado pelo latifúndio

Em poucas semanas, um imenso laboratório popular de agroecologia ganhou corpo nas terras antes improdutivas.

Por Luiz Zarref
Da Página do MST

Quando três mil famílias Sem Terra ocuparam, no dia 31 de agosto de 2014, o latifúndio do senador Eunício de Oliveira, ali havia uma terra morta.

Pastagem abandonada e pequenas parcelas de restos da cultura de soja eram o retrato da espoliação produzida pelo arcaico sistema agrário brasileiro, onde terra é poder e agronegócio é destruição ambiental, depressão econômica para os municípios e desemprego.

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Feira agroecológica durante ato em defesa do acampamento.

Desde o início do trabalho de base, o MST construiu com as famílias uma poderosa síntese: a Reforma Agrária não é mais um projeto econômico, mas sim um projeto de vida.

Vida para aquelas famílias que se amontam em cubículos e no transporte precário das cidades, que vivem sob o julgo da violência policial e da barbárie que avança a galopes na realidade urbana brasileira.

E vida para os trabalhadores que continuarem na cidade, pois as famílias se comprometeram com a produção de alimentos saudáveis e a preços acessíveis.

Passados seis meses de ocupação, a realidade não poderia ser mais contundente. Em pouco mais de 200 hectares, a terra reverbera vida por todos os lados.

Rodeado de soja e de pasto, esse enclave da resistência popular se transformou uma das maiores experiências de agroecologia do país.

 

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Graças à orientação política do MST e da determinação das famílias, três princípios foram acordados juntamente com a chegada das primeiras chuvas, em setembro.

1) todos os 22 núcleos de base (NB), que são compostos de 30 a 190 famílias, deveriam produzir de forma coletiva, seja para os grupos de afinidade, seja por espécies produzidas;

2) todos os NBs deveriam produzir, no mínimo, 10 espécies vegetais diferentes;

3) não seria permitido nenhum uso de agrotóxicos.

Em poucas semanas, um imenso laboratório popular de agroecologia ganhou corpo. Resgate de variedades crioulas, sistemas de controle biológico, consórcios de culturas, princípios de alelopatia e mais uma gama de inovações foram sendo desenvolvidas.

Rapidamente a alienação produtiva imposta pela lógica capitalista do binômio transgênicos-agrotóxicos foi superada pela criatividade e racionalidade das relações emancipadas que um acampamento promovem.

Mais de 22 culturas diferentes são cultivadas hoje pela ocupação Dom Tomás Balduíno. Nas cidades de Corumbá e Alexânia, próximas da área, não se fala de outra coisa: “os Sem Terra são valentes de enfrentar o seu Eunício, mas também trouxeram saúde e barateamento da comida para o povo da cidade”.

Diversas ações de doação de alimentos e sistemas de comercialização solidária já estão ocorrendo desde o momento em que as primeiras culturas de hortaliças começaram a ser colhidas.

Como processo desse acúmulo extraordinário, o MST promoveu, no último dia 21, sábado, uma grande pamonhada, fruto da produção da ocupação.

Mais de 15 mil pamonhas e outros inúmeros pratos foram feitos em um esforço coletivo para servir os mais de 2 mil apoiadores que por lá estiveram.

Uma festa bela, organizada e que sinaliza a transformação que ali ocorrerá quando aquele latifúndio for derrotado.

 

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Despejo

Todo esse grandioso processo está, nesse exato momento, prestes a ser destruído. O poder judiciário, representado na figura do juiz da Comarca de Corumbá, Levine Artiaga, reconhecidamente alinhado com o senador, decretou o despejo das famílias.

A disposição de resistência das famílias à ação só pode ser chamada de atitude extremista por quem desconhece totalmente o processo lá iniciado, ou tenha compromissos ideológicos com as elites.

Ao abandonarem o aluguel na cidade, seus empregos precários, seus vínculos urbanos, as três mil famílias empenharam ali os melhores e mais bonitos esforços e sentimentos que os seres humanos possuem.

Ao construírem na prática a Reforma Agrária Popular, elas fincaram profundas raízes naquele território, em um processo mediado pelo trabalho livre, que não se abandona, não se deixa para trás.

A luta das famílias da ocupação Dom Tomás Balduíno não tem dimensão apenas local. Ela é o prelúdio dos grandes enfrentamentos que a classe trabalhadora, em suas dimensões urbana e camponesa, terão no próximo período.

Uma derrota ali será uma derrota para o conjunto da classe. A urgência do empenho de todas as forças políticas organizadas em reverter o despejo e derrotar o latifúndio do senador Eunício de Oliveira é determinante nesse momento.