Carajás, 19 anos de impunidade

Duas décadas após o massacre os acusados ainda seguem livres.

 

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Por Maura Silva
Da Página do MST

O sol estava quente na tarde daquele 17 de abril. O ano 1996. A cidade de Eldorado dos Carajás, sul do Estado do Pará. Naquele dia a Polícia Militar do Estado, enviada para desobstruir a rodovia BR 150, promoveu um massacre contra camponeses do MST. Foram 21 pessoas mortas.

Sob o comando do coronel Mario Colares Pantoja e do major José Maria Pereira de Oliveira, por volta das 17h, os 155 policiais envolvidos abriram fogo contra os sem terra.

Entre os 21 mortos, alguns apresentavam marcas de pólvora em volta dos furos das balas, indicando tiros à queima roupa. Outros foram mutilados com facões e foices.

Foram 19 mortos naquele dia e outras três pessoas morreriam em consequência dos ferimentos sofridos durante o massacre. Ao todo, 69 pessoas ficaram feridas. Muitos convivem com balas alojadas no corpo até hoje, além do trauma e de pesadelos todas as noites.

Os responsáveis políticos na época, o então governador Almir Gabriel (que ordenou a desobstrução da rodovia) e o secretário de Segurança Pública, Paulo Câmara (que autorizou o uso da força policial), nunca foram processados. Dos 144 policiais levados ao banco dos réus, apenas dois foram condenados, e ainda aguardam o julgamento de um recurso em liberdade.

Histórias como a de Raimundo, contata no livro O Massacre – Eldorado dos Carajás: uma história de impunidade publicado em 2007 pelo jornalista Eric Nepomeceno, seguem impunes.

 

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Raimundo, foi considerado morto pelos policiais, jogaram-no na caçamba de uma caminhonete e foram colocados cadáveres em cima dele. Quando a caminhonete chegou na delegacia, um dos soldados viu que ele ainda estava vivo e o mandou sair correndo. Ele então descobriu que, dos dois corpos acima dele, o que sangrava e gemia e empapava ele de sangue era o de seu filho.  

Dos mutilados poucos receberam seus direitos de indenização e até hoje, 19 anos depois muitos nem recebem a pensão paga no valor de R$346,00 mensais pelo Estado.

Um caso em especial entre os mutilados que chama a atenção é de Mirson Pereira, um dos únicos que conseguiu uma cirurgia, no Hospital Regional de Marabá, para retirar uma bala alojada na perna esquerda.

“Pensei que seria o fim das dores, mas quando voltei da sala de cirurgia, o médico disse que havia errado e feito o corte na perna errada, disse que no outro dia realizaria o procedimento na perna certa, mas desisti, fiquei com medo e sai do hospital”, lamenta. Raimundo continua com a bala na perna e espera até hoje para ser indenizado também.

Entre os anos de 1971 e 2007, foram 819 pessoas mortas em função de disputas por terra no Estado. Conta-se nos dedos de uma mão os punidos após condenação.

Em novembro de 2009, quase ocorreu outra uma tragédia na “Curva do S”, local onde 19 trabalhadores rurais sem-terra foram assassinados. Policiais ameaçaram ir para cima de mais de mil trabalhadores ligados ao MST durante uma manifestação pacífica. Faltou pouco, muito pouco.

À frente, o delegado Raimundo Benassuly, que ficou conhecido nacionalmente por tentar justificar que uma adolescente de 15 anos colocada em uma cela cheia de presos no Pará era a culpada pelo episódio. Relembrando: segundo ele, a menina “certamente tem alguma debilidade mental porque em nenhum momento informou ser menor de idade”. Foi afastado, mas depois voltou ao cargo.

O descaso do Estado no caso do massacre de Eldorado do Carajás já gerou contra o governo um processo. Isso foi em 1998, na Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede nos Estados Unidos, feita pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL).

O governo brasileiro agiu de duas formas quando foi notificado pela entidade internacional, primeiramente culpou os próprios militantes do MST pelo ocorrido e num segundo momento, por força da opinião pública, disse que já fazia coisas no assentamento, o que compensava o ocorrido.

No entanto, por pressão internacional, o governo brasileiro entrou nos últimos tempos num processo chamado de “amistoso”.

A nova ação busca um acordo com os mutilados, sendo feitas propostas de ambos os lados até chegar a um acordo, o que deve levar mais uns cinco anos para ser resolvido o caso de todos.

Diante desse imbróglio, onde uns receberam a indenização e outros não, na ausência de um tratamento médico adequado que cuide do corpo e da mente dos participantes da marcha, está Índio, um dos mutilados.

Com duas balas alojadas na perna esquerda, desabafa: “aconteceu o massacre em 1996, sim, mas ele terminou? Não. Pois esse grupo ficou apenas porque o Estado não deu conta de matar no dia. Ficamos para contar a história, sofrer e ir morrendo aos poucos num massacre diário imposto pelo mesmo Estado, que só terminará por completo com nossa morte”.

Hoje, ações e mobilizações em todo o país lembram a morte e a impunidade diante do Massacre de Carajás.

Na “Curva do S”, um ato político e cultural em homenagem as vítimas ocorreu pela manhã e contou com as presenças do Ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Patrus Ananias, da Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Maria Lucia Falcon e do dirigente nacional do MST, João Pedro Stédile, além de representantes políticos e sociais.

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Jornada Nacional de Lutas

Ao longo dessa semana também está acontecendo a Jornada de lutas de 2015, está sendo realizada ao longo dessa semana em todo país.

O objetivo das ações, que também lembra e ressalta a impunidade no caso de Carajás, se dá dentro de um contexto de estagnação da Reforma Agrária.

Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), atualmente há mais de 180 milhões de hectares classificados como grande propriedade improdutiva no país.

O crédito para os pequenos produtores também é muito menor se comparado ao que é investido aos latifundiários. Foram disponibilizados R$ 21 bilhões no Plano Safra 2013/2014 para a agricultura familiar.

Para o agronegócio se disponibilizou R$ 136 bilhões, ou seja, dez vezes mais investimentos do que à agricultura familiar, responsável por produzir 70% dos alimentos e gerar nove empregos por hectare.