Revolta dos Posseiros: quando a luta é imprescindível

Relato feito pela socióloga Iria Zanoni, por ocasião da quarta etapa do curso Lutas Populares no Paraná.

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Do Instituto Humanitas Unisinos

Despindo-se de qualquer floreio e convicta dos aprendizados que a vida lhe conferiu, desde a sua infância pobre até as escolhas políticas que sua própria história a fez tomar, no último sábado, 27 de junho, a socióloga Iria Zanoni fala sobre a Revolta dos Posseiros, por ocasião da quarta etapa do curso Lutas Populares no Paraná, promovida pelo CJCIAS/CEPAT, em parceria com o Centro de Formação Milton Santos–Lorenzo Milani, e com o apoio do Instituto Humanitas Unisinos.

O relato é de Jonas Jorge da Silva, da equipe do CJCIAS/CEPAT.

Em 1957, o sudoeste do Paraná vivenciou um importante capítulo da história de lutas populares em favor da terra e da dignidade humana em solo paranaense: a chamada Revolta dos Posseiros. A questão fundiária e a violência dos que querem fazer prevalecer a vontade de uns poucos sobre a da maioria, fez eclodir um movimento de colonos que disse não aos desmandos das companhias de terras, que com a conivência do poder público estadual pretendia desapossá-los de suas terras.

Pioneira no estudo deste episódio, Iria Zanoni é autora do livro “1957: A revolta dos Posseiros” (1986), publicado pela editora Criar, uma obra que se tornou referência para todos os que buscam se aproximar do significado desse importante episódio.

Segundo Zanoni, os colonos, em sua grande maioria descendentes de italianos e alemães, provenientes do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, chegaram ao sudoeste do estado paranaense na esperança de poder estabelecer bases para a própria sobrevivência familiar. O crescimento dos núcleos familiares nos outros dois estados do sul do país favoreceu a busca por novas terras, nas quais pudessem estabelecer pequenas propriedades agrícolas.

De acordo com uma matéria do jornal “O Estado de São Paulo”, de 19 de outubro de 1987, publicada por ocasião do aniversário dos 30 anos da revolta: “A superposição de títulos, as longas disputas judiciais e a falta de definição dos direitos da União e dos Estados contribuíram para gerar, em 1957, uma situação praticamente insolúvel.

Ao mesmo tempo em que o governo federal iniciava um ambicioso processo de colonização – a Colônia Agrícola Nacional General Osório (Cango), na gleba Missões -, a Clevelândia Industrial e Territorial Ltda. (Citla) compra o direito de posse nesta área e passa a vender a terceiros áreas que correspondiam às posses dos colonos da Cango. Com o tempo, a Citla repassa a duas outras empresas, a Companhia Comercial Agrícola e a Companhia Apucarana, concessões sobre a área onde já viviam cerca de 40.000 famílias”.

A Revolta dos Posseiros se dá justamente contra essas companhias de terra que se instalam na região no início dos anos 1950, uma vez que a maioria dos colonos chegou antes, durante os anos 1940. Com a ação grileira dessas últimas companhias, os colonos se viram ameaçados em seu direito de posse sobre suas pequenas propriedades.

Em entrevista concedida ao IHU, ainda em 2007, Zanoni ponderou que “para se chegar à Revolta, há antes toda uma história de mobilização, de abaixo-assinados e outras manifestações. No entanto, nenhuma delas funcionou. Foi então que resolveram tomar a cidade, mas com todo um processo de organização, com lideranças em vários lugares do interior. Essas lideranças tinham um relacionamento bom com o pessoal da cidade. Eles tinham códigos, senhas para se comunicarem.

O objetivo básico da Revolta era expulsar as companhias de terra que se diziam donas da região e usavam de violência com a população, principalmente em relação aos colonos. Quando eles finalmente decidem pela Revolta, em outubro de 1957, segue-se uma reação em cadeia, pois num primeiro dia tomam a cidade de Pato Branco, no segundo, Francisco Beltrão, e, no terceiro dia, as outras cidades do sudoeste do Paraná. Com isso, o chefe de polícia da região foi preso para que acontecessem negociações com o objetivo de que o governo realmente retirasse as companhias de terra dali”.

Sendo assim, a violência perpetrada pelas companhias de terras, por meio de seus jagunços, foi um elemento chave para a mobilização dos colonos e de sua articulação com o meio urbano. Os assassinatos de colonos, estupros de mulheres e espancamentos de crianças foi o estopim para tornar a luta imprescindível. Os colonos tiveram que decidir entre lutar pela vida de suas famílias e por suas terras ou retornar para seus lugares de origem.

Felizmente, fizeram a primeira opção, em um processo de tomada de consciência, organização coletiva e expulsão das companhias terras.

Essa vitória só foi possível porque, segundo Zanoni, os colonos se deram conta que “o jagunço pode matar um colono aqui, dois ali, mas não pode matar todos ao mesmo tempo”. Homens e mulheres foram fundamentais nessa luta. Em suas casas, as mulheres se organizaram para criar uma rede de proteção aos seus filhos, criando escalas de vigílias noturnas. Além disso, davam total suporte aos homens, mesmo nos momentos mais difíceis, quando não foi possível escapar da violência estabelecida pelo opressor.

Essa tomada de consciência fez com que os colonos lutassem com determinação. Armaram-se com suas próprias ferramentas de trabalho (armas caseiras) e resistiram bravamente. Articularam-se em torno de um objetivo concreto, tendo clareza sobre a razão de sua luta, tornando realidade uma sucedida investida contra os desmandos de uns poucos. Parte dessa memória está presente no documentário “A Revolta”, dirigido por João Marcelo Gomes e Aly Muritiba, que também foi debatido nesta quarta etapa do curso Lutas Populares no Paraná.

A vitória dos colonos se deu em dois momentos: o primeiro, com a imediata expulsão dos jagunços da região, em 1957, o segundo, em um processo mais longo, com a conquista do título de propriedade, em uma dinâmica que se arrastou até inícios de 1973.