MST vai às ruas defender a democracia, afirma dirigente

Em entrevista para o Jornal A Tarde, coordenador do MST na Bahia sinaliza luta contra o impeachment da presidente Dilma.

Por Biagio Talento
Do Jornal A Tarde

Em entrevista para o Jornal A Tarde, o integrante da coordenação nacional do MST na Bahia, Evanildo Costa, fala sobre a criminalização do Movimento no estado e afirma a posição do MST de defender a democracia brasileira nas ruas.

Confira entrevista na íntegra:

Com essa troca de direção, o MST mudará sua linha de ação?

Não muda muita coisa. Temos uma direção consolidada no estado com mais de 80 membros, de dez regiões da Bahia. Eu já coordeno a região extremo sul, onde se localizam os projetos de celulose com as plantações de eucalipto, com um grande número de famílias acampadas. São seis mil dentro de um total de 25.570 no estado. São 21 municípios. Vai de Itapebi até Mucuri. Nós temos travado uma luta muito grande contra a monocultura do eucalipto.

Recentemente o presidente do DEM-BA, José Carlos Aleluia,  disse que a Veracel não duplica sua fábrica por causa do MST. Segundo ele, houve um acordo entre a empresa e o MST para que a empresa destinasse uma área à entidade para assentamentos de famílias em troca da suspensão das ocupações, mas o movimento não teria cumprido sua parte e voltado a ocupar terras da Veracel. O que o senhor tem a dizer em relação a isso?

Primeiro quero deixar claro que estamos vivendo mais um momento de criminalização dos movimentos sociais, principalmente o MST. Ocorreu com frequência na década de 1990 no período em que Fernando Henrique Cardoso era o presidente e os principais meios de comunicação procuraram difamar o MST. Isso tem ressurgido muito forte, em especial nessa conjuntura onde há uma tentativa de golpe para a retirada da presidente da República e muita gente tem pedido o retorno do regime militar. Temos nos posicionado contra isso e mobilizado para impedir o golpe. Por causa disso existe um ódio muito grande da elite e os meios de comunicação tipo Rede Globo, que tem relações fortes com o poder econômico.

Mas e a questão da Veracel?

A luta naquela região começou em 2005. A Veracel chegou na década de 90 com muita força na região, com muita promessa de emprego, também prometido pelas outras empresas do ramo, a Fibria e a Suzano. Mas ultimamente as pessoas têm caído na real. Onde está concentrado o eucalipto está a maior parte da miséria –  em Porto Seguro, Eunápolis, Teixeira de Freitas, Mucuri. São municípios que cada dia se tornam mais violentos, com aumento de desemprego, prostituição infantil. O eucalipto não gera renda para a população. A renda vai para o capital financeiro internacional. Daí vem a luta. Em 2005 fizemos a mobilização de uma área em Porto Seguro que teve uma repercussão  internacional. Na época o presidente Lula estava indo à região para inaugurar uma fábrica de celulose da Veracel e nessa visita ele propôs à empresa e ao movimento, para evitar um conflito, esse acordo. A Veracel se comprometeu a passar algumas propriedades para o MST e os governos estadual e federal apressaram a desapropriação de outras áreas na região. Com isso ocorreu uma apaziguada na região. Em 2009 voltamos a mobilizar diante do aumento de demanda por terras, já que mais famílias estavam sendo expulsas de suas propriedades.

Mas na primeira etapa a empresa cedeu as terras?

Sim, eles compraram algumas propriedades e há uma terra devoluta de dois mil hectares que até hoje não se concretizou como assentamento. Então, a partir de 2009, voltamos à luta, inclusive com a mobilização das mulheres, feita sempre no mês de março, que ocuparam áreas de eucalipto em quatro anos. Hoje temos mais de seis mil famílias ocupando essas áreas de eucalipto. Nesse processo, o então governador Jaques Wagner propôs uma negociação: que as empresas destinassem mais terras para a reforma agrária. São 30 mil hectares que as três empresas, Fibria, Veracel e Suzano, estão destinando. Precisa agora o governo acelerar o processo de regularização dessas áreas. Não são terras dadas, mas conquistadas. Foram desapropriadas e indenizadas aos proprietários.

Então não tem processo de ocupação no momento?

O que ocorre em Eunápolis é que após a negociação com a Veracel para destinar terras para o MST e outros movimentos de sem-terra, surgiram outros movimentos com a mesma intenção. Só que a empresa está resistindo. Isso gerou um impasse. Agora, como ocorre esse processo de criminalização do MST, tudo que ocorre no campo culpam o movimento. Não podemos impedir que outro grupo continue ocupando.

O MST tem criticado a política de reforma agrária das duas gestões da presidente Dilma Rousseff. O novo ministro da Reforma Agrária, Patrus Ananias, que foi apoiado pela entidade, mudou o quadro?

Durante o primeiro mandato de Dilma e esse início do segundo tivemos muita dificuldade no processo de desapropriações de terras. Não tinha diálogo na gestão passada. Agora tem uma pessoa comprometida com a reforma agrária, o ministro Patrus, além da presidente do Incra, Lúcia Falcon, mas essa boa vontade não tem se traduzido em coisas concretas.

Falta dinheiro…

É. Veio a crise econômica e tudo se justifica na crise. Num primeiro momento houve um corte de 45% na área de reforma agrária e hoje já chega a 60%. Vieram com boa vontade, apresentaram plano para assentar 120 mil famílias em todo o país. Criou a expectativa de assentar todas as famílias acampadas, depois veio o corte no orçamento, e quando vem a crise quem sofre mais é o lado social. Foi cortado orçamento também da saúde e educação. Não foram taxadas as grandes fortunas deste país. No Brasil este ano não teve nenhum decreto de desapropriação, embora o governo continue afirmando que vai assentar todas as famílias que estão acampadas 10, 15 anos. O discurso tem que sair do papel.

Mas essas dificuldades e problemas não são motivos para vocês se negarem a ir  às ruas defender o mandato da presidente Dilma ante o impeachment…

São duas coisas diferentes. Uma é lutar pela reforma agrária e  a gente tem feito isso: muitas caminhadas, ocupações de fazenda, de órgãos públicos na Bahia e no Brasil. É  uma luta por nós e contra o sistema, que tem um parlamento conservador,  contra o Judiciário que não ajuda, atrapalha. Mas somos contra esse processo de golpe que está sendo construído no Brasil. A democracia foi feita a duras penas, muita gente morreu para derrubar a ditadura. Quando você tem uma presidente eleita legitimamente e vê no dia a dia as pessoas querendo derrubá-la a qualquer custo, os movimentos sociais não aceitam isso e vai para a rua defender a democracia, mas ao mesmo tempo questionam o modelo econômico. Não concordamos com a política do ministro Joaquim Levy, que para resolver o problema da crise prefere cortar nos orçamentos da classe trabalhadora em vez de cortar dos ricos. É um absurdo também o tratamento que a televisão dá a Eduardo Cunha e outros políticos de esquerda. Veja o caso do helicóptero apreendido com cocaína em Minas Gerais [aeronave pertencente ao deputado estadual Gustavo Perrella]: até hoje não tem ninguém preso. Os escândalos da direita no metrô de São Paulo e a gente não vê também ninguém preso. Ao contrário dos políticos de esquerda. Não somos a favor da corrupção. As pessoas que cometeram crime têm de ir para a cadeia, mas primeiro tem que provar.

Essas negociações entre o governo e o Eduardo Cunha vinham desagradando às esquerdas?

Tinha alguns integrantes do PT criando a expectativa de abafar o caso dele (Cunha). E isso vinha incomodando os militantes de esquerda de um modo geral. Se indagava: será que o PT vai ser conivente com um cara que disse não ter conta na Suíça e depois aparecem milhões? Quando o PT tomou a decisão de romper com ele, houve um alívio, que fez com que a militância fosse obrigada a ir para as ruas defender o governo porque mostrou que não é conivente com a chantagem.

Já tem algum ato marcado para a Bahia?

A CUT nacional começou a ventilar isso. Na Bahia já vimos uma chamada para realizar uma reunião nessa segunda-feira para começar a tratar da mobilização. Não tenha dúvida de que haverá uma mobilização em todo o país contra o impeachment.

E a pauta de reivindicações que o MST apresenta todo ano ao governo do estado de melhorias e assistência nos assentamentos?

Temos algumas expectativas em relação à assistência técnica, de agroindústria. Nesta semana, a presidente do Incra esteve na Bahia assinando convênios com o governo do estado com relação a agroindústria e aguadas para os assentamentos. Mas, sem dúvida, o governo vai entrar 2016 com um passivo grande com relação ao processo de negociação das reivindicações. Vários pontos negociados não vimos o andamento. A questão das escolas. Tem assentamentos que já estão recebendo crédito escolar e as escolas não foram construídas. Reivindicamos várias escolas, mas, pelo que estou vendo, não será construída nenhuma este ano. Significa que 2016 será um ano de muita mobilização, muita luta mais radicalizada, com o agravante de ser um ano curto, por causa das eleições.

O MST está fomentando a agricultura limpa, sem agrotóxicos. Tem havido resistência dos pequenos agricultores?

Uma das coisas que a reforma agrária popular tem debatido com muita força é a agroecologia. Vivemos num país onde se desenvolve um modelo de produção agrícola que está envenenando a população com agrotóxicos, além da devastação ambiental. No extremo sul o MST tem uma escola de agroecologia e agrofloresta, no município de Prado. Estamos irradiando isso para outras regiões. São técnicas de produção sem agredir o meio ambiente, recuperando áreas degradadas e  produzindo alimentos saudáveis.