Sem Terra Do Paraná Vai Concorrer No Miss América em Julho

Jaires é conhecida como “Baiana” e mora no acampamento Dom Tomás Balduíno com seu irmão mais novo, que tem 16 anos. Seus pais estão acampados no Herdeiros da Terra, no município vizinho de Rio Bonito do Iguaçu.

 

 

Por Paula Zarth Padilha
Do Terra Sem Males
Foto: Joka Madruga/Terra Sem Males

 

Em fevereiro de 2016, o Terra Sem Males foi ao acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra Dom Tomás Balduíno, em Quedas do Iguaçu-PR, para contar a história das famílias que vivem por lá. A foto escolhida para o pôster do jornal traz a mensagem que, para o Terra Sem Males, resume a luta e as dificuldades de vida dessas pessoas: “Em busca de um sonho”.

Jaires Santos Gomes tem 20 anos. Ela é a garota da foto. Quando viu a imagem circulando pelas redes sociais, entrou em contato com o Terra Sem Males.

Jaires é conhecida como “Baiana” e mora no acampamento Dom Tomás Balduíno com seu irmão mais novo, que tem 16 anos. Seus pais estão acampados no Herdeiros da Terra, no município vizinho de Rio Bonito do Iguaçu.

“Meus pais me chamaram pra vir, falaram sobre a reforma agrária popular e as vivências do acampamento que eles se somavam. Então, decidi vir”. Jaires nasceu e cresceu em Valença, na Bahia e foi criada numa comunidade rural com pai, mãe, mais seis irmãs e irmãos mais velhos e um irmão mais novo.

Jaires está inserida na escala de atividades do acampamento. Seja na “produção”, que são roçadas, plantio, colheita; na “Infra”, que são atividades da parte estrutural do acampamento, como alguma reforma na escola, limpeza de nascente; ou nos serviços gerais, como lavar o barracão coletivo. “No fim da tarde eu vou para a cidade, para trabalhar como babá”. Jaires também cuida de atividades domésticas de sua casa e de seu “lotinho”.

Nas horas vagas, Baiana é miss.

“Eu sempre tive vontade de ser modelo, cheguei até fazer uma seleção quando morava no Espírito Santo, mas não deu em nada”. Foi abordada por seu padrinho de carreira quando participava de um encontro de jovens no acampamento. “O professor Fabiano Zanatta sugeriu que eu tinha um perfil pra ser Miss Paraná. Ele me orientou sobre as etapas desse processo e me apoiou pra que eu me inscrevesse no concurso municipal. A partir daí eu pensei ‘É isso que eu quero pra mim, me encontrei!’”, conta.

Se inscreveu no concurso Miss Paraná e recebeu o título de Miss Paraná ExpoWorld 2016. Em julho, vai participar do concurso Miss América.

“Eu tenho total apoio da minha família, dos meus amigos e companheiros de luta. Pra eles, é um orgulho muito grande ter “uma de nós” representando as bandeiras de lutas sociais mundo afora. Já no mundo do glamour das passarelas, eu sou a mesma Baiana, acampada, só que num vestido chique e maquiada”.

 

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Jaires nas atividades do acampamento. Foto: arquivo pessoal.

 

Trabalho na cidade financia concursos

“De forma geral, lido bem com as diferenças de status e com a transição de tirar as botas cheias de barro, pra colocar um salto alto. Minha única dificuldade real acaba sendo financeira, para transporte, estadia, inscrições. Se não fosse meu trabalho na cidade, eu não teria condições de seguir carreira”, explica a miss e sem terra.

“Os títulos que eu conquistei e os que pretendo conquistar representam todo o conjunto de valores que carrego comigo. Sou, primeiramente sem terra e a partir disso tenho como missão mostrar às pessoas que não há o que impeça um sonho de ser realizado quando se tem força de vontade”.

 

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Miss Quedas do Iguaçu. Foto: arquivo pessoal.

 

Jaires destaca sua participação em reuniões de formação política do MST como fundamentais no dia a dia no acampamento e que trazem como consequência sua evolução como pessoa. “Não entendo como contraditório, mas como direito de qualquer pessoa, trabalhar para estar onde se deseja estar. Historicamente, negros, principalmente pobres, são excluídos de muitas partes da sociedade. Eu luto pelo meu pedaço de chão, mas também pra que toda pessoa tenha seus direitos garantidos, inclusive, de acabar com a ideia de que pobre não é limpo, não é bonito. Eu sou sem terra, sou negra, pobre, mas por que não, participar desse mundo glamouroso que quase toda menina sonha desde pequena? Acho que eu estaria sendo contraditória se, levantando a bandeira das causas sociais, acreditasse que só algumas pessoas nasceram pra conquistar sonhos”.

Baiana conta que é normal ser questionada por outras pessoas sobre ser sem terra. “O preconceito está presente no cotidiano de uma pessoa como eu, em todos os aspectos. O principal prêmio que eu recebi como Miss foram as portas que se abriram”, finaliza.