40 dias de TEMERridades no Rural Brasileiro

Na esteira do desmonte das políticas públicas promovido pelo governo interino, percebe-se duas situações: a de paralisação ou de suspensão ou revogação das políticas.

WhatsApp-Image-20160706.jpeg

 

Por João Marcelo Intini *

 

Passados 40 dias do afastamento da Presidenta Dilma em decorrência do processo de golpe institucional em curso, apresentamos uma breve análise das principais ações do governo interino para o meio rural, que, em nosso entendimento, já demonstra o retrocesso social, o desmonte de políticas públicas
e a perda de direitos.

O conjunto de medidas que contribui para os retrocessos nas políticas públicas destinadas ao desenvolvimento agrário e social no campo brasileiro são inúmeras. Inicia-se pela extinção do próprio MDA, como expressão de uma história de lutas e conquistas dos movimentos sociais do campo que resultaram nos Governos do Presidente Lula e da Presidenta Dilma, na construção de políticas públicas que modificaram positivamente e profundamente a qualidade de vida da população rural, em todas as regiões do país.

Segue-se a este movimento, a remoção de toda a estrutura do extinto MDA e do Incra para o Ministério do Desenvolvimento Social, que passa a incorporar em seu nome o “Agrário”, por meio da MP 726/2016.

Dada a divergência política entre as forças do governo interino e golpista, esta estrutura toda passa para as competências da Casa Civil da Presidência da República, por meio do Decreto 8.780/2016. Há rumores de que, se confirmado o golpe, retornar-se-á a estrutura ministerial.

Na esteira do desmonte das políticas públicas promovido pelo governo interino, percebe-se duas situações: a de paralisação ou de suspensão ou revogação das políticas. No primeiro caso, a paralisação está diretamente ligada a fatores como:

i. Desmonte inconsequente das equipes técnicas, levando a perda da memória institucional e o desmonte hierárquico, cuja possibilidade de comando e manutenção dos atos administrativos se apresenta comprometida. Toda a cadeia de comando e de gestão do MDA e do Incra foi exonerada, incluindo as representações nos Estados. Nesta mesma situação, vem a demissão do Presidente da ANATER, ferindo a lei e interrompendo um processo, já complicado na sua origem, de montagem da Agencia;

ii. Suspensão de pagamentos e de repasses orçamentários e financeiros, que foram garantidos no Plano Safra da Agricultura Familiar e nos acordos de cooperação firmados entre diferentes órgãos. Neste caso, é nítida a paralisia nos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural e nas aquisições de alimentos por parte da CONAB, no âmbito do PAA;

No segundo caso, a suspensão ou revogação de políticas está associada a fatores como: 

i. Revisão de normativos, que sem nenhum estudo qualitativo, prévio, de impactos e consequências, tem sido adotado pelo governo interino como uma praxe. O Minha Casa Minha Vida Rural, cancelado e, depois das pressões sociais, retomado, com diferenças cruciais para a continuidade das contratações e construções, retirando o tratamento diferenciado aos povos e comunidades tradicionais e para a reforma agraria. A política de reforma agrária, que já vinha combalida, torna-se ainda mais inoperante, fruto das composições políticas em curso no comando do INCRA.

ii. Mudança de orientação estratégica, motivada por interesses personalistas, como a suspensão da Chamada Pública de ATER, que paralisa o processo de contratação de serviços especializados para as entidades da agricultura familiar que participam dos mercados públicos e privados, como associações e cooperativas.
O que se percebe é uma guinada às concepções conservadoras, nas políticas e estratégias que sustentavam as políticas públicas para o meio rural.

A mudanças estrutural no extinto MDA, com a supressão de áreas especificas para as políticas inclusivas com foco geracional, étnico, de gênero e de raça e a provável diminuição do status das Secretarias Nacionais para Departamentos, expressam o caráter minimizante que se quer estabelecer para esta pauta no seio do governo interino.

O fim do MDA representou um grande retrocesso ao campo brasileiro. O MDA representava muito mais que um símbolo, que uma estrutura governamental. Era a expressão contundente da importância da agricultura familiar e da reforma agrária, do desenvolvimento agrário, dos povos e comunidades tradicionais, das diferentes realidades do meio rural e acima de tudo, uma arquitetura de políticas públicas focadas nestes públicos. Neste momento, as políticas estão paralisadas e as equipes que construíram este grande legado, estão sendo desfeitas inconsequentemente.

Sobre o Incra, não obstante já ter sido aventada a possibilidade deste órgão estar vinculado diretamente à Presidência da República, o contexto era absolutamente diferente.

À época, dado o recrudescimento dos conflitos fundiários e questões maiores que a própria reforma agrária, como a conflituosa demarcação das terras dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, aventava-se esta hipótese como um tema de segurança nacional, para a preservação de vidas e minimização dos conflitos sociais. No contexto atual, não só o INCRA, mas todo o conjunto de instituições ligadas ao extinto MDA, estão na Presidência da República por conta de um desatino na política, nas disputas internas do governo interino e da pacificação da base parlamentar vinculados a partidos políticos que dão sustentação ao golpe.

Sintetizando os atos do governo interino, construímos uma tabela que mostra em uma linha do tempo, as principais medidas adotadas e que repercutem negativamente na execução das políticas públicas, gerando instabilidades e incertezas para a população rural.

Devemos estar atentos aos próximos passos. A nomeação de um General para a Funai, a perda de autonomia da Fundação Palmares na demarcação das áreas dos remanescentes de quilombos, a redução ou eliminação das políticas públicas para as mulheres, juventude, negros e indígenas, podem levar a perda de outros direitos e conquistas sociais.

Brasília, 01 de julho de 2016.

 

* Engenheiro agrônomo e assessor técnico da liderança do Partidos dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados. Já atuou como diretor do Departamento de Apoio à Produção Familiar e ao Acesso à Alimentação do Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome (MDS) e como diretor da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento)