Agronegócio

Grupo com empresários do Agro articulou 8 de janeiro, diz relatório da ABIN

Acampamento em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, seria a origem dos atos de depredação na Esplanada dos Ministérios em 8 de janeiro de 2023
Manifestação em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, em novembro de 2022. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Por Caio Luiz
Do Congresso em Foco/UOL

Um relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), datado de 10 de janeiro de 2023, aponta nomes do agronegócio que supostamente tiveram participação ativa nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Esse mesmo grupo envolveu-se em ações de contestação do resultado eleitoral, contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas.

O documento destaca um grupo informal que congrega representantes do agro, o Movimento Brasil Verde Amarelo (MBVA), como um dos principais articuladores dos atos intervencionistas e em apoio ao ex-presidente da República Jair Bolsonaro nos últimos anos.

De acordo com o relatório, membros do MBVA teriam ligação direta com os bloqueios rodoviários realizados após a eleição do 2º turno e muitos dos caminhões que partiram em comboio para Brasília, após o dia 30 de outubro, para apoiar o acampamento em frente ao Quartel General do Exército, vieram de regiões de influência do MBVA. 

“Com capacidade de mobilização nacional, o MBVA organizou atos em Brasília que contaram com o deslocamento de máquinas agrícolas, caminhões e caravanas de suas áreas de influência local”, descreve o relatório. 

Origem do MBVA

O MBVA foi fundado com participação ativa das seguintes associações:

  • Associação Nacional de Defesa Dos Agricultores, Pecuaristas e Produtores da Terra (Andaterra);
  • Associação de Produtores de Soja e Milho (Aprosoja) de Mato Grosso e de Goiás;
  • União Democrática Ruralista (UDR).

O surgimento do MBVA está conectado a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu, em 30 de março de 2017, a constitucionalidade da contribuição do empregador rural pessoa física ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). 

Conforme o STF, “o caso [do Funrural] teve início na ação de um produtor rural que questionou judicialmente a contribuição, prevista no artigo 25 da Lei 8.212/1991 (com a redação dada pela Lei 10.256/2001), que estabelece a cobrança de 2% da receita bruta proveniente da comercialização da produção.”

A fundação do MBVA foi feita para organizar um protesto contra a decisão do STF sobre o Funrural, realizado em Brasília, em 4 de março de 2018 e batizado de Movimento Abril Verde e Amarelo, mobilização que encontrou ressonância e adesão da maioria das associações de produtores de soja (Aprosojas) estaduais. Segundo o relatório, atualmente, as cúpulas da Andaterra, da Aprosoja Brasil e das Aprosojas de Mato Grosso, Goiás e Bahia coordenam o MBVA.

Outros pontos que uniram as lideranças, segundo indica o documento da Abin, foram as críticas às instâncias tradicionais de representação política do setor, como a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que teria atuado em conformidade com a decisão do STF. O grupo se opunha também ao aumento da tributação do agronegócio que poderia vir em reformas econômicas.

Proximidade com Bolsonaro

O relatório da Abin classifica o MBVA como um “segmento secundarizado do agronegócio”, mas que se apresenta como “porta-voz” de todo o setor. Mesmo dentro da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que “criticam reiteradamente”, a influência é minoritária.

A Abin destaca que os fundadores do MBVA foram os primeiros do agronegócio a aderir à chapa vencedora das eleições de 2018 – Jair Bolsonaro presidente e Hamilton Mourão como vice – mas não conseguiram emplacar indicações para a chefia do Ministério da Agricultura.

A posição secundária na FPA impediu que as pautas do MBVA tivessem amplo acesso ao Congresso. Isso tornou o grupo dependente do Poder Executivo, segundo a Abin. Entre as demandas deles estavam a redução da carga tributária no setor, a restrição de demarcação de terras indígenas e o armamento da população civil.

“Com isso, o MBVA adotou estratégias de atuação institucional de apoio ao governo eleito em 2018, defesa da intervenção militar e o fechamento do STF. Também visando fortalecer a proteção desses interesses, coordenadores do MBVA, como Antônio Galvan, Jeferson da Rocha e José Alípio da Silveira candidataram-se em 2022 aos cargos de senador e de deputado federal por seus estados, mas sem êxito.” 

Atuação e financiamento do MBVA

O documento especifica que, a partir da articulação da rede de contatos da Aprosoja e por meio de sindicatos rurais, o MBVA demandava e coordenava doações em suas bases.

“O MBVA tem capital próprio e rede de contato com elevada capacidade de arrecadação de recursos. Desse modo, as lideranças do MBVA articularam diversos atos públicos de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro e de defesa de pautas antidemocráticas, como a intervenção militar”, afirma o relatório da Abin.

A Abin elenca uma série de atos organizados em série e em defesa de pautas do ex-presidente Jair Bolsonaro:

  • apoiou ato na Agro Brasília, em maio de 2019, em apoio a reformas econômicas;
  • organizou ida de tratores e caminhões a Brasília, em 15/05/2021
  • organizou protesto com tratores na sede da Polícia Federal em Sinop, Mato Grosso, em 23/08/2021;
  • participou e apoiou o acampamento 300 pelo Brasil, em Brasília, em maio de 2020;
  • liderou manifestações do 7 de Setembro, em 2021, e levou máquinas pesadas a Brasília para manifestação de 7 de Setembro de 2022;
  • nomes ligados ao MBVA também atuaram nos bloqueios e nos atos contra o resultado eleitoral a partir de 31/10/2022.

Líderes do MBVA

De acordo com relatório da Abin, o grupo tem capital político e influência e articula-se via redes sociais. O MBVA possui controle de um programa na TV aberta chamado Sucesso no Campo, também transmitido em redes sociais. O programa divulga líderes do agronegócio, pautas e convocações do MBVA para protestos.

O documento registra que as principais lideranças e fundadores do MBVA são “sobretudo sojicultores do Centro-Oeste naturais do Rio Grande do Sul”. São eles:

  • Antônio Galvan, sojicultor em Sinop (MT) e presidente da Aprosoja Brasil;

Segundo o relatório: “Galvan é considerado por outros coordenadores do MBVA como general do grupo e é investigado por atos antidemocráticos pelo STF. Em 2018, Galvan, como presidente da Aprosoja Brasil, convocou a participação do agronegócio nas greves dos transportadores de carga e comandou a reunião na sede da organização, em agosto de 2021, em que o cantor Sérgio Reis convocou bloqueios e a paralisação do país simultaneamente com as mobilizações previstas para 7 de Setembro.”

  • Jeferson da Rocha, advogado em Florianópolis (SC) e porta-voz do grupo;

“Jeferson da Rocha, chamado de líder, é ideólogo com discurso radicalizado e que mantém contato com Alex Silva, liderança do Ucraniza Brasil, grupo extremista violento que atua no país desde 2020”, explica o relatório.

  • Vitor Geraldo Gaiardo, sojicultor e presidente do Sindicato Rural de Jataí (GO);
  • Humberto Falcão, sojicultor em Primavera do Leste (MT) e proprietário de empresa de sementes;
  • Luciano Jayme Guimarães, sojicultor em Rio Verde (GO) e presidente do Sindicato Rural de Rio Verde;
  • José Alípio Fernandes da Silveira, sojicultor em Barreiras (BA) e presidente da Andaterra;
  • Valdir Edemar Frias, sojicultor em Itambé (PR);
  • Júlio Augusto Gomes Nunes, comerciante em Campo Grande (MS) e articulador do grupo;
  • Joel Ragagnin, sojicultor em Jataí (GO) e presidente da Aprosoja Goiás;
  • Lucas Costa Beber, sojicultor em Nova Mutum (MT) e vice-presidente da Aprosoja Mato Grosso;
  • Alan Juliano, sojicultor em São Desidério (BA) e presidente da Aprosoja Bahia de 2017 a 2021;

Outros integrantes do MBVA:

  • Fabélia Oliveira, apresentadora do programa de TV Sucesso no Campo
  • Lavosier Lima, criador e administrador do MBVA no Facebook e diretor do programa Sucesso no Campo;
  • Márcio Juan Guapo, presidente do Sindicato Rural de Campo Florido (MG);
  • Bartolomeu Brás, sojicultor e ex-presidente da Aprosojas Brasil e Goiás;
  • Adriano Barzotto, sojicultor e ex-presidente da Aprosojas Goiás;
  • Sérgio Pitt, sojicultor em Luís Eduardo Magalhães (BA) e ex-presidente da Andaterra;
  • Nei Magalhães, pecuarista em Dourados (MS);
  • José Luiz Zago, sojicultor em Roraima;
  • Wagner Martin Borges, pecuarista em Araguaína (TO);
  • Juarez Petry de Souza, arrozeiro do Rio Grande do Sul e liderança do Te Mexe Arrozeiro.

Movimento nega estar envolvido

Procurado pelo Congresso em Foco, o advogado e porta-voz do MBVA, Jeferson Rocha, disse que o dia 8 de janeiro é um episódio triste da história que tem que ser apurado até que os culpados sejam punidos. Rocha é fazendeiro em Santa Catarina e afirma que em nenhum momento houve qualquer incentivo do MBVA para ações arbitrárias e criminosas. Jeferson também diz que estava em uma fazenda de sua propriedade em Santa Catarina durante a depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília (veja a íntegra da entrevista).

“A gente está à disposição da Justiça, à disposição do parlamento e de qualquer investigação para colaborar da melhor forma possível porque ninguém admite que no Estado de Direito existam agressões, violações, quebra-quebra ou imposição de uma linha de pensamento na base da violência. Isso está errado e a gente repreende com veemência esses acontecimentos”, disse.

Rocha afirma que o MBVA valoriza as instituições e quer que o Brasil tenha um Senado altivo e um Supremo Tribunal Federal decente, que acabe com o ativismo político dentro do Poder Judiciário. 

“É sempre no aprimoramento das instituições, para que elas sejam cada vez mais fortalecidas. Agora cada um, é claro, responde por excessos, responde pelo que eventualmente fala e depois se arrepende porque isso, em um grupo grande de pessoas, pode acontecer, evidentemente.”

Congresso em Foco entrou em contato com as unidades da Aprosojas Brasil, Mato Grosso e Goiás via telefone e e-mail. O mesmo ocorreu com a Andaterra. Já a UDR não foi localizada. Além da resposta obtida por meio do porta-voz do MBVA, Jeferson Rocha, que também representa a Andaterra, a Aprosoja Brasil disse:

“A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) desconhece o conteúdo deste relatório e reitera que não organizou e nem financiou nenhum desses movimentos.”

Individualmente, todos os citados foram procurados por telefone ou email por meio das entidades que representam, em geral associações e sindicatos. Entretanto, os nomes sem conexão direta com organizações e entidades não foram localizados. O espaço está aberto para todos os mencionados que queiram se manifestar ([email protected]).